30 de junho de 2012

14

O dia passou. Acordei no dia errado a pensar que era o dia. O tempo adiantou-se enquanto eu me atrasei. Ia jurar que não ia deixar passar o dia em claro. Ia jurar que era no outro dia. Mas não era. O dia passou-me. Há catorze anos não sabia como iriam ser estes dias daí por diante. Tomara que nunca tivesse sabido como foi este décimo quarto: horrível, aflito. Talvez seja sina ser este um dia aziago. Não sei, Mãe.
Hoje ao pisar o chão onde estás em restos desvivos, dei-me conta que caminhava por cima de todos os que me fizeram. Olhei para vós com olhos vindos de cima e pensei que são menos catorze anos. Anos que se escoaram e que o Tempo infinito se encurtou numa soma de catorze. Houve um tempo em que contava os dias e passavam lentos, tão lentos que não pensava se tornassem anos. Tornaram-se, Mãe.
Já pouco me diz ir aí. A tua fisicalidade distancia-se, o teu Tempo também. Vivemos um Tempo diferente em que tudo mudou. O que pensarás de mim como dona da tua casa? Penso muitas vezes que falho, Mãe. Levei-te rosas das tuas, mas as outras flores são já obra minha. Preservo o que posso. Mudo o que consigo. Passei pela fazenda. Orgulhei-me por ver que o que ali está também é da minha lavra. E é custoso, Mãe. É custoso todos os dias em que me dóis de ausência. É-me custoso todos os dias preservar isto que parecia que fazias com tanta agilidade. A mim sai-me tudo pesado mas não imagino ir embora e deixar estas coisas que me ligam a ti e ao teu Tempo.
Convivo bem com a ideia de que morreste. Imagino, às vezes, como serias, que aspecto terias se tivesses envelhecido estes catorze anos. De tão diferente da Avó não te consigo imaginar. Sabes, às vezes alegro-me por só te vermos jovem, nos vestidos leves que usavas agora no Verão, no modo de apanhares o cabelo que eu e a Mana herdámos. Não te vimos rugas e cabelos brancos. E nunca poderemos comparar as fotografias de quando eras nova com outras porque as não tens. Mas eu preferia que te tivesses descaído, enrugado e me abraçasses. Preferia mil vezes, mil vezes, Mãe, vir aqui só de visita porque era aqui que moravas tu e não eu. Preferia dormir no meu quarto só de vez em quando, sabendo que tu estarias a descansar no quarto em frente que já não é um quarto.
Não posso preferir. Aceito bem. Mas afasto muitas vezes o pensamento consciente de ti porque senão a dor seria insuportável.
Visitei-te hoje nessa morada onde não estás. Deixei-te flores do jardim que estarão murchas amanhã. Fui, movida mais por um sentido de que tinha de ir do que por uma vontade espontânea e isso, essa constatação, perturbou-me como se te estivesse a trair. Não queria que te distanciasses mas não posso forçar uma aproximação artificial. Deixei-te ir. E é assim que deve ser até não sei daqui a quantos tempos de catorze eu for ao teu encontro.
Tenho tantas saudades, Mutti.

26 de junho de 2012

E hoje?

Hoje penso nos milhares de mulheres que, como eu, lutam infindamente na justiça pelo dia da libertação. Mulheres asfixiadas de burocracias, lentidões, custas judiciais de coisas inomináveis e etéreas sem ofício nem benefício. Penso nas mulheres incapazes de apelarem para a justiça inoperante que as salve. Penso na sua opressão enquanto assisto à minha. Caminhamos um calvário de lajedo áspero e íngreme. Queremos que o caminho acabe depressa num Gólgota que nos crucifique de vez ou nos redima e permita o único arrependimento que queremos nos seja consentido: o de ter casado e, nisso, errado.
Enquanto caminhamos expiamos. Pensamos que temos este caminho porque ele é expiação e nesse pensamento tentamos encontrar a justificação que não percebemos para o que nos aconteceu. Expiamos termos ousado quebrar o que jurámos e só assim tentamos perceber a morosidade, a pena.
Olho para quatro anos a tentar divorciar-me na justiça e penso que a justiça me inflinge as chicotadas do calvário porque fui eu que a importunei, fui eu que quis acabar com um casamento que nunca o foi sequer. Olho para todo o absurdo de quatro anos de papéis, de gastos sem efeito, de audiências em que nada se resolve ou se determina, de requerimentos sem despacho, olho e penso que a justiça se arma em vingadora social pela minha petulância.
Mas também penso na maravilhosa coincidência de ter nascido num mundo com divórcio. Imagino frequentemente, nos dias de desânimo, o que me teria acontecido, que fim eu teria tido, se não me fosse possível pedir que a justiça me desfaça o meu não-casamento.
Será que é tão difícil assim uma pessoa divorciar-se neste país ou serei eu uma aberração, um caso de estudo?
Hoje penso no cansaço que levo de quatro anos que vivo num limbo: casada sem o ser. Hoje penso na injustiça de não poder tocar nas heranças que recebi e, sendo minhas, não as poder alienar sem uma coisa tão feudal como o consentimento do cônjuge. Um cônjuge que não sei onde exista, um cônjuge que não tem direitos sobre o meu património herdado, mas um cônjuge que tem sobre mim o poder do consentimento como se eu fosse uma criança sem autonomia enquanto pessoa.
Hoje penso nesta existência assombrada. Na minha máxima felicidade sempre enevoada. Hoje penso nas outras que não têm os meus privilégios, que têm filhos a cargo, que estão mais cansadas, mais amordaçadas que eu e penso: para quando a libertação? 

25 de junho de 2012

21 de junho de 2012

Feliz por ela

Tenho um respeito enorme pelas mulheres que se divorciam. Leio estudos e leis desfazados da realidade e surpreendo-me com o que encontro no mundo de pessoas que não são feitas de papel em gabinetes académicos ou casas de leis. Penso no quão insuportáveis são as situações que as levam a sair de casa para o vazio abrupto de uma vida nova.
Conheci-a há pouco tempo. Divórcio feito. Alugou casa longe. O filho quase maior quis ficar com o pai porque é onde está o dinheiro. Vive só. Foi de férias só. Tem dois gatos que ficam sós nos dias inteiros que trabalha. Recomeçou a vida: ginásio, passeios à tarde ao longo do Tejo. Admiro-a dizendo-lho mas o meu olhar é distanciado como quem olha consciente da terceira pessoa. Arranjou um "amigo colorido", sem amarras. Fiquei feliz quando mo disse. Não porque tenha um "amigo" porque o ter alguém no momento não garante felicidade e a solidão também pode ser feliz. Fiquei feliz por ela ter partilhado aquilo comigo e porque lhe senti a energia da fase nova, do começo que nos alenta. Que essa energia lhe não esmoreça.
Sábado à noite prometi ir dar-lhe um beijinho a uma daquelas festas de aldeia onde nunca vou, a um sítio onde nunca fui. Quando nos rodeia a energia boa, queremos partilhá-la e, neste momento, ela tem daquela energia que nos faz bem. Sim, estou feliz por ela.

20 de junho de 2012

Sonhei com cerejas azuis

Aqui neste meu canto o que me dão mais é fruta. E, com a época a começar, vieram as cerejas e os alperces e a seguir vêm os abrunhos, os figos e as ameixas e depois os abacates, as romãs e os dióspiros. Acho que foi de me terem prometido que este ano há muitos abrunhos que sonhei com cerejas azuis. Têm-me dado cerejas aos alguidares e sacos de alperces. Mas cerejas azuis... sim, e se houvesse cerejas azuis? 

19 de junho de 2012

Sobre a estupidez do Metro em Lisboa

E "estupidez" é um eufemismo educado...
Ando de Metro uma vez de dois em dois anos, vá lá uma vez por ano. Hoje foi dia. Alguém me diz porque é que aqueles bilhetinhos ridículos que se chamam recarregáveis perdem a validade? Alguém me explica porque é que não se poupa em papel e os ditos bilhetinhos ridículos valem até se estragarem com o uso? Não, isto somos sempre muito abastados e perdulários em tudo.
Segundo, alguém me explica como é que o diabo de uma viagem de ida e volta me custa 3euros?! Mais valia ter ido de táxi. Das Picoas a Entre-Campos 3euros?! E ainda fazem greve?
E mais outra coisinha, alguém me explica porque é que só havia lixo de fora nos contentores? Houve, por acaso, greve? Palavra de honra, uma pessoa entra por Lisboa adentro e enerva-se logo.

18 de junho de 2012

Domingo perfeito

Dia raro de coisas comezinhas que se agigantam. Dia de liberdades de escolhas e de movimentos sem sombras de stresses que empalidecem as acções e tiram o lustro das sensações. Sobretudo, a noção consciente de um dia perfeito torna-o tão mais inolvidável.

16 de junho de 2012

Eu DETESTO jardinagem!

Uma amiga amicíssima está-me sempre a dizer que adora jardinar. Que arrancar ervas daninhas lhe alivia o stress e a mente. Adora calçar luvas e fazer-se ao jardim. Lembro-me sempre e sempre dela de cada vez que o jardim me chama para trabalhar. Não sei onde está o prazer desta tarefa inglória, mais a mais a relva cresce que nem doida de um dia para o outro. Dá-me nervos, cansa-me, frustra-me e irrita-me. Quando eu ganhava quatro salários mais do que os que ganho agora tinha um jardineiro: suprema maravilha da natureza. Agora, pois... Já disse que DETESTO jardinagem? Senão disse, digo agora: DETESTO jardinagem!

14 de junho de 2012

Da (minha) finitude

O pensamento do fim dos meus dias é-me familiar. Não me assusta saber que vou morrer. Não me tenho o tabu da morte. Porém, hoje dei-me conscientemente conta de que há coisas com as quais talvez já só tenha de me preocupar mais uma vez na vida. Estava muito bem nos meus pensamentos a organizar a vida quando me apercebi de que havia coisas que estava a organizar no sentido de as deixar permanentemente arrumadas. E percebi igualmente que era alívio o que sentia; alívio como quando temos um exame e o queremos despachar porque depois vem um tempo descontraído. Só que neste caso, o tempo descontraído era o não haver tempo porque entretanto eu certamente morreria.
É difícil explicar o que queremos explicar quando, sem querer, nos damos conta da nossa finitude e que esta está mais próximo do que já esteve em tempos.
Quando a Mãe morreu eu contava os dias a menos que se passariam até nos encontrarmos. Só que um dia a seguir ao outro consciente passa devagar e eu deixei de contar. Agora, já se passaram muitos anos e, todos juntos, dão um já vasto pecúlio de anos a menos que me faltam. Dantes a meta última estava muito distanciada, como quando somos crianças e o futuro adulto é muito, muito longe. Mas, neste momento, a meta aproximou-se e hoje dei comigo a fazer planos que talvez só tenham sentido mais uma vez porque o Tempo escorre e a Vida flui para ele.
Engraçado.

13 de junho de 2012

Vá lá, vencemos os Vikings

Ouvi e vi o jogo a bochechos entre o carro, a casa, o ginásio. Cheguei a desistir. Mas depois dos nervos a coisa lá se ultrapassou.
Agora só falta um certo CR provar que é, de facto, o melhor do mundo: é que ainda não vi nada de tão transcendente assim. Ah, e que ganhem aos holandeses, já agora dava jeito.

11 de junho de 2012

Quem tem casa

... só tem trabalhos.
Quem tem um apartamento tem vizinhos de todos os lados, condomínio, infiltrações, barulho e pouco espaço (nalguns casos, claro).
Quem tem uma casa casa tem jardim e ervas e relva esgrouviada e folhas de árvores em toda a parte e pó e os trabalhos calham-lhe todos em cima. Arre, que tem dias que é uma canseira. Hoje estou f... da vida com as trabalheiras que a manutenção desta Casa me dá (tem outros que até espumo de raiva com a despesa, enfim... tem dias). Aaaaahhhhhhhhh!

10 de junho de 2012

Depois da irritação

O que me dana mesmo foi perder com a Alemanha, se fosse com outra equipa qualquer, eu danava-me, é certo, mas a coisa ficava-se
pela superficialidade da danação e ponto final. Assim, fico a remoer. Seja como for, em casa de alemães há coisas à alemã e, mesmo estando a torcer com força pela Selecção Nacional e a assar morcelas para a malta, fiz uma salada de batata, que, lá está, é a minha alma alemã a pedir-me para não me enraivar tanto com a Merkel e esta Europa e a relembrar-me que se eu "já" sou portuguesa também "ainda" sou alemã.
Cá vai: uma bela de uma Kartoffelsalat à minha maneira.

Ingredientes:
1kg de batatas para cozer
1/2 pimento amarelo
1/2 pimento encarnado
1 cebola pequena
150grs de toucinho fumado em cubinhos
4 cols. de sopa de maionese
2 cols. de sopa de mostarda
1 col. de chá de mostarda Dijon
1 col. de sopa de mel
Coentros frescos a gosto (ou salsa)

Cozer as batatas em cubos. Numa figideira anti-aderente alourar os cubinhos de toucinho fumado. Picar a cebola e deitá-la para um recipiente com água fria durante 10 minutos (é o truque da receita). Quando as batatas estiverem cozidas deitá-las numa saladeira e juntar-lhes os cubinhos de bacon e a cebola picada, entretanto retirada da água e escorrida, e envolver os ingredientes. Deixar arrefecer.
Quando a batata estiver fria juntar os pimentos cortados em cubos e os coentros picados. Fazer o molho juntando e misturando bem as mostardas, a maionese e o mel. Verter o molho sobre a salada e envolver bem.

Para uma salada ainda mais alemã substituir os coentros por salsa e os pimentos por pepinos em pickle. Para quem goste, temperar com sal.
Guten Appetit!

Perder até admito

Não admito é o eterno discurso de que perdemos imerecidamente, de que a vitória esteve ao nosso alcance que fomos infelizes na concretização. Bolas, balelas. Perdemos, ponto. Perdemos porque temos medo de arriscar. Plantamo-nos na expectativa do a ver o que acontece ou achamos que a coisa está perdida à partida. Aaah, irrita-me que tenhamos perdido com quem me viu nascer e com quem ando de candeias às avessas. Enerva-me que não sejamos mais como eles. Caramba, o ataque é a melhor defesa: a ver se não o esquecemos nos próximos episódios (que não são só os do futebol).

8 de junho de 2012

Para amanhã: "bamos lá cambada!"



Não estou com fézada nenhuma mas como ainda vou sendo mais portuguesa do que alemã: bora lá mostrar ao people que a Selecção Nacional se aguenta face à Deutsche Mannschaft. Abaixo o Schweinsteiger!

6 de junho de 2012

Seara 2012

 A última vez que fui aos terrenos foi há talvez dois meses. O ano agrícola ia perdido sem chuva e nem as daninhas despontavam. Hoje fui e descobri uma seara de grão a começar a dar flor. Estou tão orgulhosa. O engenheiro tinha-me dito que íamos arrancar com grão.
- Por causa do azoto. - Disse-lhe, a dar uma de conhecedora.
Sim, era por causa do azoto e porque precisamos começar a transição para o biológico. Mas eu pensei que já não íamos a tempo de semear fosse o que fosse. Enganei-me (em boa hora). Regresso das viagens e dou-me com o chão em verde e pontinhos brancos de flores minúsculas.
Afinal, pode ser que ainda haja uma chance para o nosso ano agrícola e para a minha primeira seara. Estou empolgada na mesma medida em que estou pasma por ter chegado aqui. Peço chuva benfazeja. Peço a colheita. Peço que a alegria não desmorone. Peço...

Saudades de casa

Subitamente faço as contas: há quatro fins-de-semana que estou longe de casa. Por razões profissionais e pessoais tenho vivido entre malas desfeitas à pressa e roupa dobrada. Longe. Sempre longe. Finalmente vem aí um fim-de-semana com casa à vista. Tenho saudades. Hesito entre fazer uma petiscada entre grelhador e jogo de Europeu ou deixar-me ao abandono de estar aqui. Tem vezes em que o regresso é o melhor de sair.

4 de junho de 2012

Selecção: ai que estamos tão fritinhos

Só agora é que me apercebi que estamos no grupo dos quintos dos infernos. Alemanha. Holanda. Dinamarca. Ó deuses de Walhalla, ao menos no futebol. Era pedir muito, era? E já agora, tinha de ser a Alemanha logo no primeiro jogo, tinha? Vida ingrata... levar os pêsames de um lado e o paternalismo do outro. Assim como assim, vou-me preparando para os pêsames e alguém que me dê uma canelada valente no Schweinsteiger, stimmt? Gott im Himmel...  

3 de junho de 2012

Olivença com pedrinha no sapato

Pensava eu que Olivenza já nos tinha esquecido. Pensava eu que já nos tínhamos esquecido de Olivença. A territorialidade perdida é lixada. Ou lixada a sensação de terra perdida. Se não nos querem porque inistem em ter as ruas todas em versão portuguesa e espanhola?
Senti-me amachucada nos meus pruridos pátrios. Olivença não é nossa mas foi. É como uma daquelas relações mal acabadas das quais não nos livramos mesmo quando partimos para outra. Há ali um engulho qualquer que nos atazana. Assim me senti em Olivença. Acabaram a relação connosco mas a coisa não acabou bem. Nem no ódio do nunca mais te quero, nem no volta que ainda te amo. Ficámos num limbo mal-resolvido parece-me.
Agora que ver portais Manuelinos num sítio que habla español e faz a sesta é estranho, ai isso é...

2 de junho de 2012

Cerejas aos molhos

Agora foi o meu advogado que se lembrou de me dar dois cestos cheios de cerejas (e mel do Alentejo e duas toneladas de lenha para o Inverno). É o que eu digo: na cidade não há disto...

1 de junho de 2012

Dia da Criança

Há 19 meses que temos um Manel na vida. Há 19 meses que há um bebé connosco. Criança. E hoje reparei que é Dia das Crianças.
O Manel é adorado. Feliz. A sorte do nascimento fê-lo aterrar em nós. Foi sorte. Apenas. O Manel não precisa de um Dia da Criança. Lembremo-nos hoje dos milhões de Manéis desafortunados que não podem ser crianças. É nesses que pensarei hoje, como é nesses que penso de coração apertado quando vejo o Manel na sua vida de gente feliz e me lembro das injustiças que acometem às pessoas mais frágeis, mais tudo deste mundo.

Se ao menos se poupassem as crianças...