26 de junho de 2012

E hoje?

Hoje penso nos milhares de mulheres que, como eu, lutam infindamente na justiça pelo dia da libertação. Mulheres asfixiadas de burocracias, lentidões, custas judiciais de coisas inomináveis e etéreas sem ofício nem benefício. Penso nas mulheres incapazes de apelarem para a justiça inoperante que as salve. Penso na sua opressão enquanto assisto à minha. Caminhamos um calvário de lajedo áspero e íngreme. Queremos que o caminho acabe depressa num Gólgota que nos crucifique de vez ou nos redima e permita o único arrependimento que queremos nos seja consentido: o de ter casado e, nisso, errado.
Enquanto caminhamos expiamos. Pensamos que temos este caminho porque ele é expiação e nesse pensamento tentamos encontrar a justificação que não percebemos para o que nos aconteceu. Expiamos termos ousado quebrar o que jurámos e só assim tentamos perceber a morosidade, a pena.
Olho para quatro anos a tentar divorciar-me na justiça e penso que a justiça me inflinge as chicotadas do calvário porque fui eu que a importunei, fui eu que quis acabar com um casamento que nunca o foi sequer. Olho para todo o absurdo de quatro anos de papéis, de gastos sem efeito, de audiências em que nada se resolve ou se determina, de requerimentos sem despacho, olho e penso que a justiça se arma em vingadora social pela minha petulância.
Mas também penso na maravilhosa coincidência de ter nascido num mundo com divórcio. Imagino frequentemente, nos dias de desânimo, o que me teria acontecido, que fim eu teria tido, se não me fosse possível pedir que a justiça me desfaça o meu não-casamento.
Será que é tão difícil assim uma pessoa divorciar-se neste país ou serei eu uma aberração, um caso de estudo?
Hoje penso no cansaço que levo de quatro anos que vivo num limbo: casada sem o ser. Hoje penso na injustiça de não poder tocar nas heranças que recebi e, sendo minhas, não as poder alienar sem uma coisa tão feudal como o consentimento do cônjuge. Um cônjuge que não sei onde exista, um cônjuge que não tem direitos sobre o meu património herdado, mas um cônjuge que tem sobre mim o poder do consentimento como se eu fosse uma criança sem autonomia enquanto pessoa.
Hoje penso nesta existência assombrada. Na minha máxima felicidade sempre enevoada. Hoje penso nas outras que não têm os meus privilégios, que têm filhos a cargo, que estão mais cansadas, mais amordaçadas que eu e penso: para quando a libertação? 

7 comentários:

Guilhim disse...

Muita força! Sei - por ser filha de um divórcio - que há um equilibrio perverso entre aquilo de que a mulher está disposta a abdicar (por ser ela a ter a coragem de pôr o ponto final) e o tempo de limbo. Mas parece-me que a celeridade do processo não evita um luto prolongado. Seja como for, quantas mais desafiarem a justiça mas eficaz ela se tornará... ou pelo menos é nisso que quero acreditar.

Muita força e paciência!

Olá Amor disse...

Força Blonde! Não podendo ajudar muito...

A vida tem caminhos tortuosos, e este é sem dúvida um deles. Espero que em breve deixes esse caminho para algo mais "brighter"! :)

Unknown disse...

Incrível este país em que vivemos! E falam eles em reforma do sistema judicial. Tenho uma amiga que, contra tudo e contra todos, pôs um ponto final numa história amarga. Ela seguiu em frente, os filhos também, o ex também... mas não se consegue divorciar. Ninguém os deixa. Comentava ela no outro dia "Não sei como é que fazem os que não têm dinheiro..." numa alusão às quantias astronómicas exigidas por cada papel que preenche. País triste, este nosso Portugal!

Tinta Permanente disse...

Que injustiça, tanto tempo... Pensei que as coisas já fossem melhores. Realmente, dá cabo da paciência.
Bjs e coragem.

mfc disse...

Um grito de revolta assumido com frontalidade e com toda a razão.
A justiça é uma quimera por estas terras.
E eu que ando por lá por dentro posso atestá-lo.
Beijinhos,

sem-se-ver disse...

bolas.






abraço

A.B. disse...

Mas Blonde, após 3 anos comprovadamente sem vida em comum, pode pedir o divórcio. As partilhas são um pesadelo diferente, mas o divórcio já é qualquer coisa de libertador. Tem confiança no seu advogado? É que creio que a lei não mudou quanto a isso: 3 anos.
Boa sorte.