6 de julho de 2012

Recordações felizes

 Regresso e não reconheço o espaço. Estranhou-se aos meus olhos. Faltam os pavões, o fotógrafo à la minute e o cavalinho. O rio é o mesmo. Largo como me lembrava. Serenamente enrugado de ondas lentas. Gaivotas. Faltam canteiros de flores e bebedouros a que eu não chegava. Modernizaram o espaço e eu perdi-o. Sento-me a absorvê-lo de volta na calmaria de pensamentos que recuam no tempo. Trouxeram-me aqui no dia em que a Mana nasceu na pressa de nascer neste país. Tiraram-me a fotografia. E eu estranhei tudo. As gentes. O cavalinho de pau que não era o golfinho mecânico e balouçante de Rheydt. A língua. Mas havia um parque infantil com um
escorrega gigante e ameaçador ocupado por miúdos audazes e chilreantes cujas palavras eu mal entendia. Desapareceu o parque infantil de areia no chão e escorregas gigantes. Tornou-se uma coisa almofadada e mínima que não permite aventuras e esconderijos. E havia um coreto imenso que eu imaginava preenchido por filarmónicas de instrumentos metálicos brilhantes. Reconheci que ainda lá está um coreto. No ar de velho acabado presumo que seja o mesmo, só que está tão triste e abandonado que música alguma o alegraria. Não sei se me reconheceu: a menina estrangeira que veio ver a Mana que tinha acabado de nascer. Passaram depois a trazer-nos ao Domingo a passear e ver os comboios e os pavões e o rio. Passeio eu agora nas alamedas de árvores que me viram. Os meus passos são outros agora. Eu sou outra mas trago sempre
comigo a menina pequenina que eu não sabia se ia tornar nisto ou iria regressar aqui num dia distante quando crescesse. Escolhi coisas para ela que a maltrataram. Cortei-lhe os sonhos das passadas que dava pelas alamedas sombreadas pelo arvoredo e do olhar que se perdia na margem longínqua do rio largo. Vejo-a de joelhos dobrados e mãos esticadas por entre as grades da jaula dos pavões. Dava-lhes miolo de pão e esperava o leque de penas abertas no esplendor azul. Cresceu a menina e algures no tempo passámos a ter pena uma da outra.

2 comentários:

mfc disse...

É uma situação de grande desconforto quando não reconhecemos os sítios que em tempos nos disseram algo!

Cristina Torrão disse...

É giro que tragas a menina pequenina sempre contigo. Mas tens a certeza de que ela tem pena de ti? E porque tens tu pena dela? Não podes fazer nada para modificar essa situação? Talvez a possas consolar...