5 de novembro de 2014

Começámos a morrer

Lembro-me do primeiro de nós, da minha geração que morreu. Renato. Dezoito anos. O choque. A Mãe a dar-me a notícia e eu que a antecipei sem saber como a premonição estaria correcta:
- O Renato morreu. - Não foi a Mãe que disse, fui eu que, sem saber como, lhe tirei as palavras da boca.
Depois os anos de acalmia porque não éramos nós que teríamos de morrer. E aos poucos começaram a chegar: a Cristina, o Nuno. E eu a fazer luto em pensamento pelo choque que me faz perder gente da minha geração.
Ontem fui ao primeiro velório da minha geração. Os outros fui sabendo choque atrás de choque quando já tudo tinha passado. Distâncias e a vida que me manteve longe. Agora não. Noite cerrada e vejo-me numa capela mortuária com gente que andou comigo no colégio, gente que conheço desde quase sempre, porque o meu antes do sempre ficou num país distante. Gente que me parece envelhecida, face a mim e face ao que me lembrava deles. Que vidas terão e terão tido. E vejo-a: viúva. Como é que alguém da minha geração pode ficar viúva? Nem sequer cai bem a expressão cai bem numa rapariga da minha idade. Viúva.
Via-a como se visse uma velha de anos que enterra o marido de anos. Anti-natura.
Reparo à volta e penso que começamos a ir aos funerais de nós. A minha geração chegou à Morte de nós.

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