27 de maio de 2015

Epílogo de um divórcio: Desabei

Têm sido meses a trabalhar com os meus advogados na elaboração do processo para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que, entretanto, aprendi a chamar familiarmente TEDH ou, ECHR, no jargão inglês. Estudei os processos que lá dão entrada como se estivesse novamente a fazer pesquisa para o doutoramento que já fiz, abordei-o como cientista, expurguei-me de mim para dissecar as leis internacionais e a agora minha tão bem conhecida Convenção Europeia dos Direitos do Homem e todos os seus Protocolos.
Tenho presente as taxas de aceitação dos processos. Tudo tem de ser sólido, comprovado, manifestamente degradante da condição humana, claramente violador da integridade do Homem ao nível da sua pessoa moral e física e das suas possessões materiais. Analisei os processos contra o Estado Português face a outros Estados. Verifiquei que o que mais se invoca para acusar este nosso Estado pelos atropelos ao pleno direito ao bem-estar dos cidadão é o artigo 6, ponto 1: a demora na justiça, o direito à resolução de um problema perante a justiça em tempo "razoável". Invoco esse artigo, claro. Mas invoco outros.
Aproximar-me do meu caso com a distância do investigador tornou-me forte e fechou-me o coração ao que senti e ao que vivi nos últimos bastantes anos. Só assim eu poderia falar a quem me representa legalmente, só assim eu poderia ter a capacidade da lucidez de que necessitava para levar isto por diante. Por isso, o ontem não era algo que eu previsse. O sofrimento dos anos perdidos e angustiados estava no passado e eu, nessa germanidade que me ficou da educação que pouco percebe de apegos revivalistas e saudosistas, fecha-se a cada dia porque eu olho, e tenho de olhar, para a frente.
Vieram os documentos da petição para eu analisar, agora que estavam fixados em letras e palavras no papel. Li a minha vida na legalidade das palavras. E li aquilo como se estivesse a ler de alguém profundamente martirizado por abusos de inoperância e liberdade toldada. Palavras como "privação", "abuso", "impedimento", palavras de contextualidades negativas estavam a ser empregues em relação àquele ser humano que eu lia como alguém outro até me bater na consciência que eu estava a ler de mim e que o ser humano era eu.
Desabei.
Senti as pedras da fortaleza rolarem em desmoronamento. Senti raiva e pena e tudo o que se empapa em lágrimas enroladas em gritos asfixiados. Eu era aquele alguém e eu sou esse alguém.

Está quase pronto o processo, uma coisa de complexidades e formatações legalistas em espécie de labirinto. Exposições de factos para um lado, exposição de violações para outro, alíneas disto e daquilo para outro ainda e listas documentais da prova factual. Sei que quando o enviarmos seremos sujeitos a um primeiro escrutínio que pode nem sequer considerar a nossa admissibilidade. Terei tentado mas acredito que passaremos através desse portal e que haverá justa causa nesta demanda.

Sinto tangivelmente os meus privilégios: os que me permitiram aguentar um divórcio de sete anos na justiça, sete anos, os que me permitiram ganhar cada vírgula da minha verdade, os que me permitem ir medir forças com o Estado que me quis prostrar e que tantas e tantas mulheres e homens na minha situação não conseguem por falta de literacia, falta financeira, falta do aconchego familiar e amigo, falta desta coisa que hoje ouvi dizer que eu tenho e que me surpreende a cada vez, empowerment.

Hei-de conseguir. E o ser humano que ali vai descrito há-de falar perante as instâncias do mundo. Amén!

23 de maio de 2015

Havia uma cadeira...


Havia uma cadeira que estava viva durante a Guerra, a Segunda, nefanda. Sobreviveu-lhe e tomou o rumo do Ocidente atlântico onde ficou entregue à sua sorte de abandono. Era de talha dourada e veludo que teria sido luminoso na juventude. Envelheceu até ser descoberta por um ex-não-marido que achou que spray dourado era algo tão nobre como talha e, vendo a desgraça feita, a abandonou a nova sorte de sótão do esquecimento, prosseguindo, incauto, nesse não-casamento que se desfez em pó.
Só que, de vez em quando, eu lembrava-me da cadeira e da sua história de tristeza. Ainda pensei desfazer-me dela, do passado dela e dos maus-tratos que ela me lembrava. Acho que lhe consegui apagar o passado como, aos poucos fui apagando o passado do meu não-casamento que já não me perturba. Desceu do sótão empoeirado da garagem. Pintei-a e entreguei-a aos cuidados caprichados do Sr. Augusto Pinchas da Bella Harpa, perito em salvamentos de passados desprezados. Acho que ficou digna da entrada da Casa.
Ao Sr. Augusto, o obrigada que se impõe.

22 de maio de 2015

Cenas de Prof: O melhor texto do ano (so far)

Depois de esta semana ter batido recordes mínimos no nível de Português que me vem parar debaixo dos olhos que, desgraçadamente, tiveram de ler "ele está no aus da carreira", aqui um texto brilhante sobre esta coisa do ensino na universidade:
Message to my freshman students
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First, I am your professor, not your teacher

19 de maio de 2015

À moda antiga

Em Abril o meu telemóvel e o cartão de memória resolveram entregar a alma ao criador ao mesmo tempo. Valentes! E eu, sem back-ups dos contactos, percorri as capelinhas a tentar reconstruí-los e a pensar que "um destes dias" faço o tal back-up. Claro, não fiz back-up coisíssima nenhuma e, na semana passada, o meu telemóvel novinho em folha, o seu maravilhoso carregador e o cartão foram literalmente surripiados mesmo de debaixo das barbas que não tenho. Valentes!
Fiquei no zero absoluto (além dos transtornos de queixa na polícia, cancelamento de imei, ou o raio que aquilo é, inutilização do cartão roubado, o diabo a sete), mais zero do que em Abril que ainda se conseguiu salvar alguma coisa. Estranhamente, muito estranhamente, achei uma certa libertação no facto de ter ficado no zero dos zeros. Folha limpa. Começo fresco e, sem que eu ande a fazer grande coisa, noto que só os contactos realmente importantes estão a reaparecer, vindo ter comigo e não eu a ir ter com eles.
Senhores Ladrões, deram-me um transtorno do caraças, mas fizeram-me o favor de acabar o que não foi bem feito em Abril.
Agora, a cada contacto que recebo, coloco-o, à boa e fiável moda antiga, num caderninho especial para o efeito. Lição aprendida (até à próxima lição).

18 de maio de 2015

O presente preferido

Inundada de presentes, a minha sobrinha Maggie preferiu este boneco, criação exclusiva da Zana (Aqui). Chama-lhe Neca, como quem diz boneca do alto da eloquência dos seus dois anos acabados de fazer. Abraçou o boneco mal ele saiu do invólucro-embrulho que a Zana fez com tanto esmero para a Tia Bá ofertar à sobrinha. E que bom que a Zana apareceu por cá, vinda do seu Alentejo, justo em dia de festa, justo no dia em que o boneco era revelado.
Há dias na vida que valem pela vida...

12 de maio de 2015

Dois aninhos de Maggie

A Maggie já não é um bebé. Passou tão depressa a bebezice dos meus sobrinhos. Tão depressa... E aqui está ela, a Maggie como ser falante e a autonomizar-se a cada dia. Ainda ontem cabia no meu vestido de baptizado e tinha a cabeça careca.
Tão diferente do Mano. Tão ela, como tão ele é ele. Tão capaz de se expressar no que a mente quer mesmo sem o saber verbalizar. Determinada. Senhora de si e do seu querer. Vê as coisas em largo e não se detém. E depois, o rasgo da meiguice e o gastar-me a pronúncia de Tiaaaaa carregando a última sílaba. Tiaaaaa. E eu Tia-mãe de sobrinhos. Feliz por felizes serem.
Parabéns, Maggie. Que sejas sempre feliz. Feliz para sempre. A Tia adora-te!

10 de maio de 2015

Havia três andorinhas


Havia três andorinhas do Bordallo que me chegaram dos tempos da Avó. Agora há um bando a tentar sair pela chaminé. Trazem a Primavera, a Primavera que Aqui chegou...

8 de maio de 2015

Epílogo: Já tenho passaporte

E agora o mundo é a minha ostra. O nome fresco do nome de sempre sem apêndices de má memória e pior fortuna. As viagens que me esperam, e a super-viagem das viagens que ainda vou fazer este ano já com o meu nome de Eu. Até vou já pedir o waiver de entrada nos Estados Unidos que ainda não tinha pedido só por estar à espera deste momento.
É bom pensar e sonhar que vou ser eu Eu que vou às Galápagos, eu Eu que vou à Ilha de Páscoa, eu Eu a cruzar céus e o espaço e nunca mais aquele eu que me Eu não era. Vou ser tão feliz...