27 de março de 2017

Dia 16: E depois de casar?

Acordo num dia estupendo. Na mente um único pensamento isolado que é um todo: casei no inesperado. Pensei que não ia ligar nenhuma a semelhante ocorrência, que estava acima de sensações, que tudo seguiria igual porque eu estaria igual e eu me sentiria igual. Não é bem assim. Nesta manhã acordo a pensar em ontem e no que ontem me terá mudado para eu me sentir assim feliz, não o feliz por estar a viajar, mas o feliz por estar a viver. Acho que, finalmente, terei morto fantasmas e desacorrentado grilhões. Há uma estranha, porque a não reconheço, leveza que me cerca e que me faz querer viver e começar a estrada que, afinal, e só por causa de ontem, me é nova. Como é que eu cheguei aqui? Sei e não sei e já não me interessa saber. Cheguei e sem saber que aqui alguma vez chegaria, Aqui é onde eu sempre quis chegar.
Estou mais feliz hoje do que ontem porque hoje é o depois da curva e a paisagem neste depois é infinitamente bela e cheia de promessas de descoberta. Ontem vislumbrava a curva sem saber o que estaria depois. Agora já sei e não tem os temores que eu receei, não é o igual ao de sempre, não é nada do que eu pensava, é uma coisa nova e desassombrada. Que eu Aqui esteja é o absoluto.
Meses depois o homem que me fez casar dirá destes dias numa cidade sem alma "surreal quality Vegas" e é isso: surreal. Porém, real, o meu real.

20 de março de 2017

Dia 15: O bom de casar em Vegas

Tirando duas pessoas em Portugal e duas nos Estados Unidos, uma destas últimas a que me tomou a decisão de eu me casar, ninguém sabia que eu ia fazer uma coisa destas. Aliás, já a viagem estava marcada e nem eu sabia que ia casar (pois sim, eu casar?! só se estivesse doida varrida e chalupa! jamais!, prometido a pés juntos. nunca!). Não é surpreendente a vida?
O email chegou num dia banal: "Devias casar", dizia enquanto acrescentava, "irei a qualquer lugar no mundo to give you away". Fechei o email. Marquei não lido e esperei que o tempo me dissesse algo. Casar estava-me na gaveta fechada do nunca mais. Só que eu amo e respeito (talvez até o tenha num pedestal) o homem me enviou o email e não o queria desapontar. Engraçada esta coisa de casar para não desapontar terceiros. E onde estava nesta equação estranha o homem com quem me diziam para casar? O homem com quem agora me diziam para casar dar-me-ia a liberdade do não e do sim. Já me tinha dado a liberdade do não. Um não por cada anel que me deu quando me pedia sim. Três. Deixei o coração falar com a mente para trocarem ideias sobre aquele mail. Talvez chegassem a um entendimento
"Ok, caso," respondi ao email. "Passo por Las Vegas e se quiseres vem lá ter comigo para me levares ao altar." E foi assim que decidi o meu novo casamento na condição de nada ter a ver com o primeiro e, já agora, e porque seria em Vegas, que não fosse o Elvis a casar-me numa pimbalhice qualquer sem graça e elegância porque eu tenho alergia às coisas sem graça e elegância.
Contratei uma wedding planner e disse-lhe que preparasse tudo para que o tudo estivesse pronto à minha espera quando eu chegasse para o grande momento. Não queria chatices, não queria pensar que me ia casar. No dia antes de embarcar para a América comprei um mini-vestido tipo Jackie O e levei o colar da Mãe, o colar dos anos sessenta que lhe assentava tão bem e que calhava bem com o vestido.
Casei sob um belvedere de verduras plásticas à sombra de 45ºC e aspersores refrescantes. Quem me enviou o mail levou-me ao altar e escolheu a música de entrada, se era para "give me away" pois que o fizesse em pleno, que escolhesse a música e me libertasse das chatices de preparar o meu próprio casamento, pois essas eu não as queria. não, nunca e jamais! No público apenas a wedding planner que chorou a rodos por chorar sempre em casamentos. Entrámos de braço dado ao som da música que ele escolheu. Deu-me ao homem bom, de olhos mansos e coração paciente que me recebeu. Em cinco minutos o sim pronunciado "Yes, I do" e a audição, como num filme, do clássico "By the power invested in me by the State of Nevada, I pronounce you husband and wife". "Wife..." Bateu fundo. Olho para o homem a que a lei daquela terra estrangeira me faz marido e percebo o que fiz. Aterro na minha vida e reparo que sou infinitamente feliz.
Chego ao hotel, onde ninguém sabia que eu ia casar e há champanhe e morangos com chocolate e uma carta da gerência escrita à mão a dizer como descobriram que eu ia casar. Isto só mesmo em Las Vegas, penso.
O bom de casar em Vegas? Para mim, foi o bom de um dia feliz, o primeiro, por fim, da minha vida. Não quis casar. Não fiz nada para me casar. Pensaram por mim que eu haveria de casar e eu casei. No sítio mais insuspeito no mundo, perante as testemunhas mais insuspeitas no mundo, o casamento mais insuspeito do mundo. Isto só mesmo em Las Vegas ou, então, isto só mesmo numa vida feliz...

9 de março de 2017

Dia 14: E o que é que se faz em Las Vegas?

Quem não joga, casa-se. Quem não se casa, joga. E depois também há quem se case e jogue. Ou, basicamente, cada um sabe ao que vem.
Acho mesmo piada é aos drive-thru weddings. Isto ele há com cada ideia! Pedir um hambúrguer leva mais tempo e é mais difícil do que casar num destes sítios. Valentes!

6 de março de 2017

Dia 13: Chegar ao Nevada

O cair da tarde apanha-me na estrada a atravessar a fronteira para o Nevada. Mudo a hora nesta sucessão de fusos horários que me acompanha desde que, há treze dias, saí de Houston no já distante Texas. Trago a alma e os olhos cheios do canyon e das joshuas trees. Venho do deserto e, no horizonte, aproxima-se velozmente Las Vegas, a cidade que se arrancou à areia.
Dificilmente haverá maior e tão mais paradoxal contraste do que o deserto dar lugar a uma cidade que vive de vícios, turismos, excessos de toda a ordem e para onde eu sigo com um propósito que me faz igual às massas que buscam esta cidade. Detestei Las Vegas a primeira vez que aqui estive há uns anos. Nunca pensei regressar. Jamais!, diria a quem me perguntasse. Sei que novamente não irei gostar da cidade mas, palpita-me, vou levar daqui algumas das melhores recordações da minha vida, não por causa da cidade mas por causa do meu coração...

2 de março de 2017

Dia 13: Grand Canyon, Skywalk

O Skywalk é uma atracção turística pensada, executada e gerida pelos Hualapai. É uma tentativa de encapsular a grandiosidade do Grand Canyon numa experiência de aço e vidro que convoca a adrenalina e a vertigem no turista como se o Canyon precisasse de algo que o tornasse ainda mais excitante. Sucumbo ao apelo e lá vou sabendo do meu pânico de alturas que, por mais do que uma vez, já me ia levando desta para melhor. Pago o balúrdio de vergonha pelo bilhete (engraçado pagar bilhete para ver a Natureza em majestade), calço as pantufas protectoras, desfaço-me de carteira, máquina fotográfica, telemóvel e tudo o que levo comigo, incluindo a garrafa de água e abeiro-me do precipício vidrado.
Por baixo dos meus pés, a altura em queda livre é maior do que qualquer edifício construído pelo Homem. O Empire State, no topo do qual já senti as ditas vertigens que me assolam, é um anão insignificante face ao abismo sobre o qual caminho. Quero desistir desta ideia maluca mas há um fotógrafo que me agarra a meio da fuga. Olho para o céu enquanto ele me tira as únicas fotos permitidas neste local. Olho para o céu, sempre para o céu, enquanto os meus pés dão a volta a este miradouro suspenso. Se olhar para baixo caio de tontura. Verei sobre o que caminhei quando, vinte minutos depois, vou ver as fotos que me tiraram enquanto eu caminhava a olhar para o céu. As minhas pernas ainda tremem. Não desejo repetir a experiência do Skywalk mas o Grand Canyon é e será sempre um bom destino de repetição. Dêem-me a Natureza pura e crua. Não é preciso estes artifícios vertiginosos para que a apreciemos em total esplendor.