24 de abril de 2017

Ficar no Lawrence's

Tinha este desejo, o de me alojar no Lawrence's em Sintra, há muito tempo. Não desde sempre, mas há bastante tempo, desde o tempo em que comecei a gostar de Português por me ter afeiçoado à língua e feito as pazes com o Eça.
Eu tinha 9 anos quando me puseram nas mãos A cidade e as Serras do Eça de Queirós. Tive de ler, não por prazer mas na obrigação de aprender Português. Detestei. Vomitava as palavras na cabeça. queria fugir da língua. Anos depois veio a obrigação de ler Os Maias porque eu estava a fazer a instrução secundária aqui em Portugal e Os Maias era outra obrigação. Resultado, quanto mais o Eça me aparecia à frente mais eu o detestava porque o associava a obrigações e a uma língua difícil.
Só que a vida é de uma ironia fenomenal e eis que me, anos mais tarde, me vejo a fazer um doutoramento em gente da Geração de 70, a tal em que o Eça se encontrava. Foi um momento de paradoxo na minha vida. Lá fui reler tudo, agora na obrigação de me encontrar com aquele autor já na minha vida adulta. Gostei. Surpreendi-me por gostar e descobri Ramalho Ortigão que fala de o Português ser uma língua de sol e Meridião. Achei que tinha razão. E daí veio a curiosidade de um dia me hospedar no Lawrence's e sentir-lhe o espírito de letras antigas.
O dia veio. Cada quarto tem um nome e não um número. Fiquei no Jane Lawrence com vista para árvores centenárias e para a humidade tão característica de Sintra. Sim, que a humidade também se vê no verde tristonho e musguento das árvores. Um dia cinzento a dar com a inspiração romântica de Byron, outro dos hóspedes de letras antigas do hotel.
Tem o seu charme que vale mais pelo passado e pela alma do que pelo hotel de hoje. Cumpri o desejo e, depois de conseguir a paz com esta língua, aqui vim no espírito tranquilo de quem apenas quer a experiência. Gostei de imaginar o elenco saído da cabeça do Eça aqui a estanciar e os próprios "monstros sagrados" que por aqui passaram. Dorme-se muito bem.

20 de abril de 2017

Dia 17: Tempo de regressar

Dezassete dias depois de chegar a esta terra de contrastes é tempo de regressar. Engraçado como os contrastes da terra proporcionam os contrastes na vida. Em dezassete dias parece que vi o mundo inteiro. Percorri desertos e estradas, vi gentes, vi nadas. Engolfaram-me tempestades, tive encontros e desencontros com as autoridades da terra, calor, chuva e frio foram as estações, desci às entranhas da terra e subi a cumes de montanhas, vi o tempo esculpido na rocha e o tempo esculpido pelo Homem Antigo, vi o moderno e o kitsch, o velho e o espiritual, conversei com o vento e comigo. Fiz a estrada. Casei na cidade perdida às escondidas e por entre Amor. Chego ao aeroporto e é um sinal de "Welcome" que me diz adeus. Confundem-me com uma actriz conhecida, negam que eu não seja ela e perseguem-me por eu ser ela. Rio. Abraço o futuro novo e velho que me aguarda ao cabo deste interregno.
Regresso feliz à Vida que me espera.

17 de abril de 2017

Dia 16: Pulo à Califórnia e regresso ao Nevada

O passeio pela vastidão leva-me à Califórnia que não é só a Hollywood dos filmes ou a gigantesca Los Angeles e a icónica São Francisco. A Califórnia é a continuação do deserto e das grandes imensidões contidas neste pleonasmo.
Uma fuga breve que me leva a entrar fronteira adentro na Califórnia também me trará de regresso ao Nevada e a Las Vegas onde assentei poiso por estes dias. E a reentrada no Nevada tem a monumentalidade kitsch associada a um estado onde o que interessa para o mundo é apenas, e só, Las Vegas. É assim que me vejo em Primm, auto-proclamado outlet de Las Vegas, a entrada no Nevada como quem vem da Califórnia pela Interstate 15.
Parece mais um parque temático do que uma localidade. É ambos. É o kitsch a esteróides, o prenúncio da loucura de Vegas. Pergunto-me quem é que aqui vem veranear, porque há aqui montes de resorts, porque aqui encontro matrículas vindas de todos os estados e mais alguns, até de Nova Iorque, tão distante na outra costa! Refreio o pensamento na certeza de que há gostos para tudo e porque, afinal, eu também vim casar a Vegas e, por isso, também entrei no rol destes turismos de massas fascinadas pelo kitsch por muito que eu me ache diferente. Não me detenho aqui mais do que a meia hora para o olhar pasmado e regresso ao coração do Nevada onde me aguarda um hotel elegante fora da Strip e um balde com garrafas de champanhe que sobraram do meu casamento...

10 de abril de 2017

Dia 16: Uma luz no deserto

À distância parecia uma coisa de Ficheiros Secretos. Percebe-se como é que num país de vastidões, a mente colectiva se assole com episódios de OVNIS e alienígenas. Um ponto de luz sem explicação e a curiosidade para saber o que a emanava. Muitos e vários quilómetros depois percebe-se a razão do ofuscamento: uma quinta de painéis solares no desterro do nada envolvente. É assim uma roadtrip, o percurso a revelação, a descoberta de inesperados.

6 de abril de 2017

Dia 16: Nelson, Nevada

A wedding planner que me tratou do casamento disse que, além de Vegas, um local muito popular para casamentos é Nelson, a uma hora fora de Las Vegas. Que é muito pitoresco, que muitos casais lá fazem fotos giríssimas e que seria um bom passeio para darmos. Sigo o conselho e, neste dia depois de casar, dou comigo a ir a um sítio dito pitoresco onde fazem casamentos que dão fotos giríssimas. O sítio dá pelo nome de Nelson e imagino de onde terá vindo semelhante denominação. Nelson?!
Lá vou. Perco-me no El Dorado Canyon. Encontro minas e aldeias perdidas e nada de Nelson, muito menos um Nelson pitoresco e bom para fotos giríssimas. Estou mesmo, mesmo a desistir quando se vislumbra um aglomerado de casas e, já que aqui estamos, what the hell e vamos lá ver. É Nelson.
E o que é que é Nelson? É uma espécie de hotel com um ferro-velho de Americana (a memorabilia do passado dos Estados Unidos) à volta. Como é que um sítio destes pode vir credenciado no mapa como localidade é que me pasma. Barracões corroídos, carros enferrujados, trastes e trastinhos, velharias a céu aberto e... até um avião despenhado onde muitos casais posam para fotos giríssimas e pitorescas (or so they say).
Fujo. E fujo contente. Na pimbalhice envolvente de Vegas e Nelson, o meu casamento foi um acto de elegância. Deus me livre de me ver noiva em cima de um avião caído! Cruzes que há gostos para tudo!

3 de abril de 2017

Dia 16: Fora da Strip em Las Vegas

A bem dizer, a Las Vegas megalómana dos casinos e dos turistas é a Las Vegas da Strip, uma rua/avenida com umas quantas milhas de extensão e o resto é paisagem (nem sempre agradável ao olho). Não gosto propriamente de Vegas. Aliás, a primeira vez que cá vim abominei o sítio jurando nunca mais voltar (sim, eu também tinha jurando nunca mais casar e, juntando dois juramentos quebrados, voltei a Las Vegas e casei em Las Vegas, a Vida tem umas ironias engraçadas).
Fujo da Strip e, lembrando-me de, no ano passado, ter ido de propósito a Alexandria, Louisiana, à procura dos Cajun Pawn Stars, o programa do Canal História, fui, agora, à procura da série original que, justamente, se passa aqui em Vegas: Pawn Stars.
Encontrei. Vi. Está visto. O Rick e os boys não estavam, ou será que estavam? Dou uma vista de olhos à loja transformada em loja de merchandising da série e vou-me embora. Ainda me perguntam como é que eu, com uma matrícula do Texas, ali estou. Explico apenas para, mais uma vez, ouvir um espantado e quase histérico:
- Really?! That's awesome!!

Fui! Bye Rick! Bye guys!