26 de agosto de 2009
Countdown 3 - Caminhando sobre vulcões
24 de agosto de 2009
Countdown 5 - Primeiras impressões
A água está à distância de um braço. Lembro-me de que é o Oceano largo, o largo Oceano. Ocorre-me, num mínimo lapso de segundo, o pensamento de um Airbus despenhado. Nunca tal me ocorreu. Aterramos sobre a praia e acho que só por milagre não arrancámos a cabeça aos poucos banhistas que devem ter levantado voo com a sucção aérea do avião.
Da janela parecia-me estar em Marrocos mas isto é um pedaço de África alocado a um país da União Europeia. Por instantes é-me difícil reconciliar estas ideas disjuntas. Será que o Saramago pensa nelas quando aqui aterra? Na terra a que chama casa?
Ankunft. Gepäck. Nicht eintreten! Ausgang. A primeira língua é o alemão, constato com o espanto espantado de isto ser Espanha e os espanhóis serem férreos na protecção e disseminação do seu idioma. O inglês vem em segundo e no pódio de bronze o espanhol. "Nicht möglich!", penso ajeitando-me mentalmente à envolvente e dando tempo ao cérebro para perceber que sim, esta deve ser uma ilha tomada de assalto por hordas de pensionistas fugidos à inclemência climática das invernias alemãs. Hey, afinal eu também fugiria. Não: eu fugi e nem precisei da pensão!
Eu vinha em busca de um vulcão onde tocar o céu e terminar em transcendência estas férias mágicas. Mas há vulcões por todo o lado. Basalto, leitos de lava fria exangue. A terra é dura de tortura. Rugosa. Seca. Inerte. O meu desejo do deserto que amo e que me faz saudades de regresso eterno é aplacado. Inspiro a plenos pulmões o ar saturado do interior da Terra e do que ela se esventra. É primordial. É um cheiro ressequido, se é que ressequido é cheiro. Mas é, porque é a isso que me cheira nesta terra negra do fogo ardido.
Estou numa ilha de fogo. Um fogo extinto presente por todo lado. Fogo vivo afinal. O quarto elemento, simbolicamente dicotómico: ao mesmo tempo destruidor e purificador. Queima a Fénix e permite-lhe a regeneração. E eu? Eu estou a meio de um rito iniciático: destruo passados purificando novas fases.
Sim, é um bom sítio. O fogo circunscrito pela água cristalina e profunda do oceano largo. A água baptismal regeneradora. Gosto de símbolos. Fazem sentido, ou melhor, são sentido. E eu? Eu preciso de sentido.
Glossário:
Ankunft - Chegada(s)
Gepäck - Bagagens
Nicht eintreten! - Não passar!
Ausgang - Saída
Nicht möglich! - Não é possível!
22 de agosto de 2009
Just because I like him
Esta coisa de limpezas de escritórios tem muito que se lhe diga, como por exemplo que, na minha colecção duvidosa de cds, o nome com mais parafernália do que o George Michael é... exactamente: o senhor da voz de quatro oitavas que está a cantar e, tão ou mais apimbalhado do que o meu querido George Michael, o Michael Bolton (deve ser do Michael. Não, não, perdão, que o Pai também é Michael e de pimba não tem nada, alto lá Blonde Josefina!).
Gosto desta canção na voz da Cher e que o Bolton compôs originalmente para a Laura Branigan (sim, uma one-hit wonder desses saudosos 80s, a tal do "Self-Control"). Mas prefiro a versão do Michael Bolton que ontem ouvi à exaustão em mais um episódio de limpezas que parecem não ter fim.
Havia, de facto, muita limpeza a fazer, muito pó a sacudir, muita prateleira a arrumar, muito espaço a ganhar. Amanhã parto de novo. Desta vez para tocar o céu lá do alto do vulcão. Porém, sei, com a certeza absoluta da clarividência serena, de que nada será tão mágico como o que eu vivi no Alentejo do meu início promissor de Agosto. Descobertas e limpezas, eis o resumo das minhas férias. Com estas feitas, o que resta? A Vida. Ah, pois... a Vida. E eu gosto tanto da minha. Tanto.
19 de agosto de 2009
Limpezas
Ando há três dias enfiada na biblioteca e no escritório cá de casa a ver se ponho, finalmente, alguma ordem em papéis, livros, pastas, prateleiras. Obra titânica. Já não se trata de expurgar o meu espaço de uma existência que por aqui andou sem saudades. Essa fase já está. Agora sou eu que me arrumo a mim própria para abrir um espaço limpo de inutilidades, redundâncias. Limpo até de mim.
Pergunto-me a cada instante que razões saudosistas me terão levado a guardar versões inacabadas de teses de mestrado e doutoramento, versões corrigidas, versões editadas, versões comentadas. Só papel. Fiquei apenas com as teses finais, cujos títulos, descubro, com imenso prazer, já não sei. Também deitei fora as versões papel de artigos publicados e fiquei só com as versões conclusas e efectivamente publicadas. As empresas de reciclagem vão agradecer.
E livros? Fiz uma pilha de livros para doar (aceitam-se sugestões de destino final) daqueles que, por inerência profissional recebo, que nunca abri e que, em rigor, nunca vou ler. O mesmo fiz com as carradas de cópias inúteis de livros com publicações minhas e que as editoras dão aos autores sabe Deus para quê: os meus amigos não deverão achar grande piada às secas que escrevo profissionalmente, portanto, não me vou armar em grande dama da ciência e estar a oferecer leitura absolutamente desnecessária e desinteressante aos meus amigos, claro. Também aceito ideias de doação neste caso.
Revistas? Ui... Decidi, aí sim com algum custo, desfazer-me das minhas revistas de moda: as Vogue e as Elle em edições portuguesas e estrangeiras. Eu, que sem ser fashion victim, sou uma fashion follower, tive mais pena de atirar o coração ao alto pelas minhas revistas de moda do que pelos livros científicos que não vou ler. Fútil? Sim, talvez seja um pouco. E daí? Guardei, no entanto, algumas Vanity Fair, todas as National Geographic, algumas de viagem, uma ou outra edição especial da Time e dessas que tais, uma ou outra Stern e deitei fora todas as de decoração e arquitectura. Também guardei uma ou outra revistas dos meus interesses profissionais. Mas tudo em doses espartanas, diria mesmo: muito espartanas.
Sinto que até respiro melhor, mais um eu leve, como se me desagrilhoasse de coisas que me prendiam simbolicamente. Mas ainda falta muita coisa. Só lembrar-me das resmas de documentos por catalogar... Eles ali a olhar para mim e eu a olhar para eles e vontade, nada. Acho que vou deixar isso para o aconchego do Inverno. E também vou ter de ordenar os cds e, se calhar, não era má ideia passar o pano-do-pó em cada um.
Vida, vida, que a domesticidade tem que se lhe diga! Só que, sem ela, nem vivemos nem nos encontramos no nosso espaço mais Eu.
17 de agosto de 2009
Home...
E o meu coração está nesta casa. Aqui, com os meus espíritos, o meu passado, as boas e as más memórias, os espaços que conheço de cor, o cheiro a madeira antiga, o eco das escadas, o jardim.
Hoje. Hoje, estaciono à frente do portão e olho a minha casa com os olhos da primeira vez. O que será que vê quem vê esta casa pela primeira vez? A bougainvília fúchsia que cresce desmedida e que a Mãe plantou. A hera que eu plantei. As árvores sem nome que eu trouxe do Egipto dentro de uma garrafa de água vazia. As flores que o Sr. Luís plantou na Primavera e sim: o Spotty que percorre o seu reino com a pose de dono e a relva com os carreiros que ele abre nas suas deambulações. Home. My home. My heart.
Entro. Está fresco. A frescura calma que a minha casa tem no Verão, graças às ideias isolantes do Pai que a construiu anti-sísmica quando não se falava disso. Deposito as chaves na mesinha da avó Ária (sim, Ária). Subo à biblioteca que já foi do Pai, que a Mãe idealizou no papel e que hoje é só e tão completamente minha. Levo ideias de purga e a vontade derradeira que me tem faltado nestes últimos meses, pelo tanto que tenho sempre que fazer, pelo cansaço provocado por outras arrumações de quem tira alguém da vida. Há já muito pouco da outra existência. Mas esse pouco é para ser erradicado, agora, com a urgência vital que me toma de arremesso.
Papéis insignificantes, tão quanto os do meu casamento de papel esboroado, revistas que nada me dizem, disquetes de quando os computadores tinham disquetes, caixas de vídeo, molduras vazias: esqueletos de vidas passadas tão ocas quanto as molduras esventradas. Nada me dá nostalgia, nada me evoca nada. Será possível este nada? Este desapego? Este nada emocional? Tão nada que nem chega a ser vazio. Um nada que não me perturba e me deixa incólume à sua não-existência.
Cada coisa que sai é espaço meu que entra. Escorro suavamente para dentro da casa grande, "obscenamente grande para uma só pessoa", dizia eu por estes dias. Quero desmedidamente ocupar o espaço, o meu espaço. Apoderar-me das divisões onde nunca entro. Quero sê-las mais do que tê-las. A casa que é um pedaço tão grande de mim, como grande ela é. "Obscenamente grande para uma só pessoa"... Não me importo mais. Não me incomodam mais os ecos da minha única presença. Não me perturba mais o espaço em que me perco. Vou vivê-la com a vida de uma nova vida: a minha.
15 de agosto de 2009
Carta da Mãe
Ontem recebi uma carta enderaçada à Mãe. Endereçada e selada com carimbo de 11 de Agosto de 2009. Abri a caixa do correio e fiquei retida em mim com a carta para a Mãe na mão. Eu sou, hoje, a dona da casa da Mãe, eu sou, hoje, a Exma. Sra. que mora na casa da Mãe. Não quero abrir o envelope. Não quero saber do que trata. A Mãe recebeu uma carta onze anos depois de morrer e sou eu que a recebo. A carta não é para a Mãe. A carta é para mim.
- Mãe, tenho uma carta para ti que chegou para mim.
13 de agosto de 2009
11 de agosto de 2009
Sonhos de um dia de Verão
9 de agosto de 2009
No Regresso a Casa
Do meu cão,
Das casas velhas,
Do lugar onde nasci, ai, ai, ai..."
Apetece-me cantar esta canção. Certo que nasci numa grande cidade do Norte da Europa, mas ali, no meio da imensidão alentejana onde por estes dias me senti tão bem e tão em casa, apetece-me cantar esta canção alegre de despedida. Já fiz viagens fantásticas por esse mundo fora. Já estive em lugares de sonho exóticos. Porém, poucas viagens me têm deixado esta sensação pacificadora cá dentro do peito. Não sei explicar. Emudeço. São as primeiras férias em muitos anos que passo sem a figura de um marido e de amigos. Acho que faço um ritual de passagem e assumo esta minha vida nova com uma alegria inexplicável. Descubro que gosto da minha companhia. Perco-me sem bússola no meio dos meus pensamentos. Estou feliz para além de quaisquer palavras. Tão feliz que gostava de contagiar o mundo e repartir por todos esta sensação. Continuo sem saber explicar. E pasmo. Pasmo porque não precisei de ir ao Tibete ou ao cume do Kilimanjaro ou a um sítio inolvidável desses para ter esta experiência benigna de revelação feliz. Foi ali, no meio do campo alentejano, sob o luar cheio num céu infinito. Ali, a ouvir os badalos das ovelhas pela manhã e a apanhar amoras pela fresca. Ali, nas estradas infindas que atravessam a fronteira e nos levam ao passado em Mérida ou que sobem a Serra d'Ossa e desembocam em povoações decoradas a papel recortado. Penso em todas as férias maravilhosas que já tive: o Algarve da minha infância com a Tante Ruth e a Tante Henny a corrermos pelo sapal em Vale de Lobo, o deserto que amo e que me chama como sereia, a rota do Marco Polo na Ásia Menor, o Nilo, o Niagára, nem sei. Tantas férias maravilhosas e estas foram tão absolutamente especiais e únicas. E não precisaram de nada de extraordinário, só o céu, a estrada longa e o montado como paisagem. Tão pouco, e contudo, tanto...
Eu pensava que, nas férias perdida no Alentejo, me ia armar em Karen Blixen e trabalhar num livro que, por timidez, nunca deverá ver a luz do dia, ou que ia preparar papers para o novo ano académico. Mas nada. Havia sempre um chamamento qualquer que me levava para longe de escritas e trabalhos. Sempre uma tentação, à qual eu docemente sucumbia, que me transportava à terra seca, às sombras das árvores ou à estrada longa que acabava algures num horizonte inusitado. Qual Karen Blixen! Eu fui a Blonde miúda, a Blonde Blonde em paz com ela na curiosidade destes dias em que solidão foi tudo o que eu não senti.
Despeço-me. Caminho uma última vez com o meu chapéu de abas pelo restolho entre os sobreiros. Colho amoras que vou trazer comigo. Apanho fenos e galhos. Vou à horta e arranco pés de beldroegas que aposto a Zana não sabe que são deliciosas nas saladas. Inspiro o ar morno e sereno da tarde. Lentamente dou-me o tempo que me prepara para o regresso. E fico feliz por ter tanto de bom que me faça regressar à casa que amo com o seu cheiro a madeira antiga e polida, ao meu cão que me vai ignorar pelos dias de ausência, à minha família milagrosa porque só um milagre cósmico justifica a existência em união destas pessoas tão fabulosas e aos meus amigos que nunca me deixaram soçobrar quando a maré era mais forte do que eu.
Zana e Zé, obrigada por me terem dado as chaves da vossa casa e ma terem confiado nestes dias de sol e alegria.
8 de agosto de 2009
A Guerra acabou - RIP
Quando eu cheguei a Portugal havia a vaca Cornélia a preto e branco. Eu vinha de um país onde o meu desenho animado favorito era um boizinho azul com super-poderes. Enfim, tudo muito bovino. E foi assim que eu conheci o Raúl Solnado.
Sempre gostei da imagem da senhora a vender castanhas à porta da guerra.
Um grande humorista. Obrigada!