31 de agosto de 2019

Sardenha: De autocarro

Peço um chauffeur privado no hotel que me leve a passear e a ver vistas. Enfim, quero um guia privado porque venho  sem paciência par alugar um carro e não participo em excursões e empacotamentos para turistas.
Signora  - diz-me a recepcionista do hotel -,  por que quer um motorista se temos um serviço de autocarros que vai de Alghero a Cappo Caccia e passa por todas as praias e sítios bonitos?
Insisto que, então me chamem um táxi.
- Ma, Signora - oiço insistência de volta -, tem aqui o horário e o bilhete diário custa só seis euros.
Decido contra a  minha intenção e sigo o conselho, apesar de desconfiada. Afinal, não ando de transportes públicos desde nem sei quando e, sabendo do gosto italiano para a confusão e não cumprimento de horários, palpita-me que posso arrepender-me de ir ao arrepio do meu pseudo-bom-senso.
O meu hotel está no meio de uma floresta de pinho manso à borda de água mas nas traseiras da propriedade passa a estrada que vai até Alghero, a vinte e tal quilómetros, e que, no lado oposto, vai por todas as praias, baías e enseadas até à monumentalidade natural de Cappo Caccia. Ponho-me na estrada à espera do autocarro. Os italianos são loucos ao volante e, apesar do traço contínuo, vejo ultrapassagens triplas numa estrada onde mesmo dois veículos em contra-mão se têm de encolher. Vendo a estrangeira loura, os carros e motas apitam-me e oiço chamaram-me bella ragazza italiana! Farto-me de rir de mim para mim e escangalho-me algumas vezes.  Aprecio a experiência e só regressarei ao hotel ao fim do dia. Nunca seis euros me levaram tão longe, me renderam tanto ou me fizeram admirar vistas tão deslumbrantes.
A felicidade, de facto,precisa de muito pouco. Gratidão...

28 de agosto de 2019

Sardenha: Cappo Caccia

Há qualquer coisa de A Guerra dos Tronos neste penhasco vertical e sua escadaria de medo até às grutas À borda de água. Estou em Cappo Caccia. Venho aqui em aventura. Disseram-me que podia vir por mar ou, se fosse aventureira, por terra. Escolho a aventura e a vertigem,  eu que sou vítima com provas dadas de intolerância às alturas. Ai, o medo, esse sedutor.
São seiscentos e muitos degraus a pique esculpidos na verticalidade do penedo. O mar é fundo no fundo mas tão incomensuravelmente azul. Poucos se aventuram. Um ou outro casal que desce, aventuroso como eu na minha solidão. Depois há uma ou outra alma que passa por mim subindo, os bofes de fora, a pele ruborizada pelo chicote do sol. Ainda bem que trago t-shirt e calções e chapéu e água A descida é penosa, a subida será um calvário mas vale a pena. Testo limites. Confronto o sol inclemente e olho para a extensão líquida onde vive Poseidon a quem aqui chamam Neptuno e que dá nome às grutas que chamam chusmas de turistas lá onde o penedo toca na água.
Ao cabo da descida, heróica para mim que sobrevivi às vertigens estando só, a entrada da gruta. Há um ancoradouro para os turistas que preferem vir no conforto dos barcos turísticos que os vomitam à entrada das cavernas. Olho para a fila de centenas de gente de mochila às costas e penso que não estou para aturar isto. Estou de férias e não me considero uma turista apenas. Desisto de ver as grutas dessecradas e devassadas por tanta e tanta gente. Faço-me à escadaria do precipício. Absorvo as vistas, sinto os pulmões e chego a fim, bem no cimo da montanha de pedra a desejar sentar-me nem que seja no chão. Recomponho a respiração. Estou feliz com o meu feito e aqui de cima a vista deste mar é sublime. Sublime. Estou só e a paisagem é tão tudo.
Gratidão...

24 de agosto de 2019

Sardenha-Paraíso

Em Portugal chove em Agosto o Tejo está seco e há uma comoção por causa de greves de motoristas. Estou a um mundo de distância e acredito que ainda há paraísos na Terra. Não sei se durarão muito mais com este abuso que impomos ao planeta. Para já, desligo a mente, não quero saber de notícias e vou viver numa bolha auto-imposta e fantasista. Andamos todos a precisar de escapes de um mundo cada vez mais absurdo.
Inspiro o Mediterrâneo meu amigo numa Sardenha onde nunca vim.

21 de agosto de 2019

Rumo à Sardenha

Depois de vários anos a viajar sem intermediação de agências, este ano em que profissionalmente me desgastei como nunca, preciso de entrar numa espécie de retiro do mundo e de tudo. Desligar. Estiar. Como o Mediterrâneo sempre me foi amigo e abrigo, escolho a Sardenha. Bem sei que é infestada de turistas, por isso na agência que vai tratar deste escape, pois nem força tenho para planear as férias e dou de bandeja que mas tracem e mas dêem prontas a consumir, o pré-requisito é explícito: não quero proximidade à Costa Smeralda, não quero enxames de turistas à volta. Quero paz e sossego.
A agência que contrato só trabalha com viagens à medida  por isso a escolhi e, por isso, a certeza de que estará à altura. Encontram-me um local fantástico numa zona menos descoberta da Sardenha. Nunca ouvi o nome Alghero na vida, nem sabia que aí havia um aeroporto. Há. Só deve receber meia dúzia de voos por dia. É longe de Cagliari, a capital da Sardenha. Longe da Costa Smeralda, o íman de turistas na Sardenha. O hotel onde vou ficar nem sequer é em Alghero. Perco-me e é mesmo isso que desejo. Sardenha,aqui vou eu!

17 de agosto de 2019

Córsega-Sardenha

Por muito mundo que eu corra, há sempre um chamamento que não sei como nasceu mas que sei de onde vem. Chama-se Mediterrâneo. Talvez que me tenha sido incutido pelo David Attenborough e pela sua série que mais me marcou a adolescência e se chama "O Primeiro Éden: O Mundo Mediterrânico e o Homem"ou talvez tenha nascido nos Verões com cheiro a pinho no Algarve da minha infância, dias longos e felizes passados com a minha família luso-alemã. Não sei, só sei que  Mediterrâneo me é irresistível e, embora o Algarve não seja mediterrânico, o cheiro é e o cheiro é um poderoso criador de memórias. Sempre fui feliz no Mediterrâneo, esse mar quase sem vento e sem marés. Qualquer das orlas, sul, norte, este, oeste me são favoritas. Este ano vou conhecer mais um destino neste Mare Nostrum. Acho piada ao sobrevoo entre a Córsega e a Sardenha, o motor do avião, que me está na mira de visão, a fazer a divisória entre estas ilhas do Mediterrâneo ocidental. Vou para um delas. Talvez para o ano, ou em breve, vá à outra. Já estou feliz e ainda não aterrei. Primeiro vou a Roma fazer um transbordo e já regresso aqui.

14 de agosto de 2019

Já não há Tejo

Sobrevoo a planície da várzea ribatejana e vejo um risco serpenteante cor de areia onde deveria estar um fio azul líquido. De Santarém para cima o Tejo secou. A constatação entristece-me na mesma medida em que me surpreende e me zanga. Serei só eu a notar este desastre? O que é que andamos a fazer e como vamos viver neste cenário de devastação?

7 de agosto de 2019

Mudança de vida

Sem que nada o desse a entender, esta estação de comboios, numa Baixa lisboeta que nunca frequento, nem mesmo me são sítios próximos as estações de comboio, mudou-me a vida há exactamente dez anos. Nunca mais nada foi igual. A própria Lisboa não era igual a esta, tão sobrelotada.
A cor da noite caíra sobre o céu, o relógio da Estação do Rossio marcava as 21.30. A vida aconteceu e acontece desde aí...

3 de agosto de 2019

Acordar com Atlântico

Pensei acordar num atlântico inundado de sol e azul. Acordei entre brumas e cinzentos. Fixei-me na beleza selvagem e nórdica que a palidez das cores evoca. A meio do Norte, este Atlântico é tão vasto, profundo e misterioso que me lembra paisagens muito mais setentrionais e frias. Depois há o vento, essa presença aqui denominada nortada, o vento que nos refresca as noites, tão diferentes das do domesticado Mediterrâneo. Aliás, comparo sempre estas duas massas de água na lembrança de que uma é um oceano, a outra um mar e só isso faz toda a diferença.
Abro a portada e inspiro a brisa salina que me desalinha os cabelos e cuja frescura considero fria na contacto com o corpo. Podia ter acordado num belo dia de sol azul mas este cinza também tem o seu encanto.