29 de janeiro de 2009

Six things about being Blonde

Então é assim: a mdsol, que, pelos vistos, gosta de me espicaçar e até me consegue pôr a falar de bola, veio aqui com uma daquelas cadeias que blablabla e tal e coisa e a malta deve seguir e fazer deste modo e daquele. Pois, como Blonde que se preze, eu nunca li um único livro de instruções porque sou geneticamente incapaz de segui-las. Não dá, é escusado. Por isso, quem quiser seguir a cadeia e dizer que foi a Blondewithaphd que sugeriu, terei muito gosto: força nisso. A segunda parte do desafio consiste em dizer seis coisas que não se saibam a nosso respeito. Oh dear Lord: o que é que uma Blonde que tem andado aqui a cuspir a alma pode dizer sem se comprometer ainda mais?



Vejamos:

1. A Blonde é uma bimba (mas isso acho que já é do conhecimento público, o que justifica que as pesquisas Google que vêm dar a este blog sejam, na sua gritante maioria, relacionadas com a palavra bimba e, supreendentemente, bimby - o que francamente me deixa o neurónio em curto-circuito porque nem a Blonde tem uma bimby, nem quer ter uma bimby e, sobretudo, dá-se mal com tachos e panelas. E pronto, aqui está mais uma brilhante tirada para "bimby" ainda mais fazer parte das buscas a este e neste blog! Ah, já me esquecia: o terceiro lugar nas pesquisas é ocupado por "Portuguese Blondes", ao que eu acrescento aqui para já se multiplicarem as buscas "HOT Portuguese Blondes", agora é que vai ser vê-los cair...);



2. A melhor frase de sabedoria feminina que a Blonde alguma vez ouviu e que deve ter sido proferida por uma Beauvoir ou uma Yourcenar, ou uma qualquer dessas mulheres inteligentes, foi: "Uma mulher bonita quer que lhe digam que é inteligente, uma mulher inteligente quer que lhe digam que é bonita". Concordo. Pela minha parte, gostava que me dissessem ambas as coisas porque Blonde que é Blonde é polivalente;



3. A expressão que a Blonde acha melhor caracteriza os "tempos de cólera" em que vivemos é da Hannah Arendt: "The Banality of Evil", a banalidade, a banalização, sobretudo, a normalização do mal, da violência, da estupidez, do egoísmo. Uma vez a Blonde deu aos alunos um texto fantástico chamado "The Banality of the Good" sobre o Eurocentrismo e a banalidadezinha das políticas europeias e dos euro-decisores. Olhando para a classe política portuguesa, à Blonde apetece-lhe dizer: "The Banality of Idiots";

4. A Blonde reza em Inglês (and only God knows why) uma oração que a acompanha desde sempre e que é do Salmo 23: "The Lord is my shepherd, I shall not want [...]. Even though I walk through the valley of the shadow of death, I shall fear no evil; for Thou art with me". Bastam-lhe estes versos em Inglês arcaico e está tudo dito, tudo pedido mesmo quando teve de caminhar pelo Vale da Morte;

5. Das coisas mais inesquecíveis que já viveu (e, feliz e surpreendentemente, já foram muitas e muitos sonhos realizados) foi ter entrado na Grande Pirâmide e acreditem não há lá nada dentro, é um buraco escuro, claustrofóbico, abafado, quente e horroroso mas é a Grande Pirâmide. Já viveu coisas melhores do que ter de andar quase de gatas e sem poder respirar, mas, lá está, é daquelas coisas...;

6. Por fim, descobriu que gosta muito de ter um blog...

26 de janeiro de 2009

Reaver o meu lugar



Por toda a casa ardem queimadores com óleo de madressilva. Quero que tudo esteja perfeito e acolhedor para logo à noite. Abro o louceiro e invade-me o cheiro aprisionado de madeira boa. Os cheiros familiares da minha casa. Escolho o serviço com as cornucópias, tiro copos de cristal e decido usar o faqueiro da Mãe. Gosto de rituais.

Tinha pensado celebrar o meu aniversário num restaurante. Afinal, é o primeiro depois da separação. Mas não, não quero a impessoalidade de um espaço público. Nem quando a Mãe morreu fizémos interregnos nos nossos rituais. Não!, vou celebrar aqui em casa, no meu espaço do qual me dou conta tenho andado afastada. Já bastou no Natal ter cedido o meu lugar como matriarca da família à Mana. Tomaram conta de mim, mimaram-me, tanto, tanto. Deixaram-me ser pequenina, filha, irmã. Aconchegaram-me naquele amor telúrico, umbilical que só temos na família. Mas agora está na altura de eu regressar ao meu papel, aquele que tomei da Mãe e que constrói parte diária da minha identidade como pessoa.

É verdade que sou uma loura bimba, uma dona-de-casa desesperada e desajeitada na cozinha, mas transcendo-me como anfitriã. Aí brilho. Poucas coisas me são tão gratas ou me dão tanto prazer como abrir as portas de casa para receber quem amo, quem estimo, quem, em suma, me acompanha no meu percurso de vida, nos vários capítulos que se vão escrevendo neste livro auto-biográfico. Passo a tarde sózinha a preparar tudo. Sinto-me feliz. Sinto-me eu.

Faço um "chèvre" em massa crocante, regado com mel e polvilhado com ervas provençais que vou servir como entrada quente. Antecipo o sucesso e vou sorrindo de mim para mim. Preparo o meu mundialmente aclamado lombo com castanhas, cujo segredo vou deixar testamentado para ser revelado só após o meu passamento para outra melhor. Faço também um misto de frutas envoltas em molho de baunilha e lascas de amêndoa (esse já partilhei com a Mana mas fi-la jurar segredo eterno) e que vou levar à mesa numa saladeira que trouxe de uma olaria na ilha de Djerba. Abro uma caixa de trufas de chocolate que trouxe da minha última ida a Londres e que era suposto ter sido aberta pelo Natal, mas que acabou esquecida. Vai ser tão bom que só a ideia me deixa alegre.

Ei-los que chegam. Animados e em bando. Misturo-me neles. A meio do serão, a Mana sussura-me: "O Pai está tão feliz por ti". Sorrio e olho para ele tagarelando do outro lado da mesa. A felicidade é tão simples...

P.S. - As flores são as primeiras que recebo neste novo capítulo que comecei a escrever na minha vida.

24 de janeiro de 2009

Mafalda Veiga in Concert



Enquanto aqui estou de chávena de café na mão, aborrecida à espera que chegue o jardineiro para mais um dia de confusão nesta casa, aproveito o tempo para debitar por escrito a mais recente lição na minha auto-educação para a cultura portuguesa.

Lá fui linda e maravilhosa ao Coliseu ver a Mafalda Veiga numa noite de chuva miudinha e desagradável em que me apetecia ter ficado em casa a descomprimir do stress de uma semana anormalmente louca. Mas enfim, corações ao alto, abertura de espírito e aí vamos nós à descoberta.

Que dizer? Que a única música que eu conheci em todo o espectáculo foi o "Stayin' Alive" dos Bee Gees que passou no trailer de abertura com imagens da cantora? Que passei a primeira canção a perguntar quando é que ela entrava em palco e ela ali sentada bem à minha frente, franzina e com um ar de miúda? Que pensei estar a ver uma encarnação do Carlos Paião quando entrou em palco outro cantor que desconheço (esse ainda mais completamente) de um grupo chamado Estranja? Não, isso são detalhes irrelevantes.

Confesso que o estilo de música e de espectáculo Mafalda Veiga não faz o meu género. Mas surpreendi-me quando me dei conta que aquele tipo de canções melancólicas enche o Coliseu (e hoje há segundo concerto), o que significa que há muita gente a gostar. Fico com a sensação de que os portugueses gostam mesmo da saudade, da nostalgia, da exteriorização da intimidade dos pensamentos. Ingenuamente pensei que houvesse uma ou outra música mais mexida, mas não. Nem sei se se pode chamar àquelas canções baladas. Pareciam-me, antes, canções que se tocam na igreja mas laicizadas para uma forma pop.

Depois, como não se passava nada no palco, dei comigo concentrada de olhos fechados a ver se percebia a música e o que caracteriza Mafalda Veiga. Comparei-a a uma blogger. Sim, pensei que cada canção podia ser o post de uma mulher sensível que se detém no seu mundo e cristaliza cenas e pensamentos num momento parado na escrita. Envolve esses momentos numa semi-religiosidade e auto-revê-se de fora e, desse modo, compõe e canta.

Também tentei perceber o vocabulário: "chão", "céu", "lua", "abismo", "mão", "janela" replicam-se por todas as canções. Palavras muito simples e um léxico inspirado nas coisas da natureza: "mar", "vento", "restolho". Lá está, as canções de igreja e da fé simples dos Homens. Acho que reside aí a chave para o sucesso das mensagens de Mafalda Veiga.

Não me revejo muito neste tipo de canções e, se me perguntassem, diria que percebi o concerto como uma única canção que durou duas horas e tal. Foi bom como aprendizagem e gostei imenso da dicção da cantora. Ali todos os sons "ss" e "zz" que fazem do Português uma língua áspera como o vento que sopra por entre folhas secas. Foi bom ouvir esse Português. Aliás, acho mesmo que Mafalda Veiga tem a melhor dicção que eu conheço.

Não gostei nada foi de ouvi-la cantar Jorge Palma. Ela não tem estilo para aquelas letras agressivas e revolucionárias: uma mulher sensível a cantar coisas de um homem zangado com o sistema foi essa a sensação que me deu. Mas fiquei curiosa por saber mais do cantor/compositor. A ver se ele tem um concerto proximamente para eu ter mais uma lição na portugalidade.

Memorizei um verso que estou a trautear: "Há que ser trigo, depois ser restolho", é ou não é triste? Primeiro somos a Vida, depois a Morte. É muito triste, não é? Muito derradeiro e inclemente.

E o jardineiro que nunca mais chega...

23 de janeiro de 2009

Destes gosto mesmo!

O Carlos Barbosa de Oliveira em o Delito de Opinião achou por bem elencar o Blondewithaphd entre uma lista de blogs preferidos, com a óbvia subjectividade que tal acarreta. Acho que exagera, mas agradeço a distinção que muito me honra e muito perplexa me deixa. Parece-me que se deve dar continuidade à iniciativa e nomear 15 blogs da nossa preferência. Não o farei, contudo, nos moldes solicitados.

Por razões subjectivas também, nutro particular carinho pelos blogs que aqui figuram do lado direito. Os outros de que gosto igualmente são "mainstream" e dispensam publicidade. O repto fica e quem quiser dar seguimento à corrente sinta-se à vontade.

Já agora Carlos, essa noção do blogbairro não sei de onde vem mas agrada-me bestialmente.

20 de janeiro de 2009

President Obama



Against all odds... and there you have him.

Eis o 44º Presidente norte-americano, herdeiro de uma corrente notável desde o "Founding Father" George Washington, recipiente da "Emancipation Proclamation" de Abraham Lincoln, versão carismática séc. XXI de um John F. Kennedy, Barack Obama. Eis o 1º cidadão afro-americano Presidente dos Estados Unidos.

Hoje, toda a gente vai dissecar o discurso de inauguração do novo Presidente, analisar-lhe as promessas, procurar-lhe as inexequibilidades, buscar-lhe os pontos condensadores da mitologia norte-americana - e estavam todos lá: Gettysburg, o Gen. Washington a atravessar o Delaware gelado (gostei da imagem usada do sangue na neve, o cliché que cai sempre bem), a segregação, a Depressão. Há quem lhe vá desenhar o cenário do primeiro ano de governação pela positiva, quem o fará pela negativa. Depois há os politólogos que vêm falar das medidas que vai tomar e de quais os seus grandes desafios. E virão, ainda, aqueles que se vão concentrar no momento histórico: o primeiro Presidente negro da única super-potência mundial, de um país permeado pela clivagem étnica que eu, politicamente incorrecta e sociologicamente errada, transcrevo para rácica.

Não vou dizer que fechar Guantánamo vai ser um labirinto politico-burocrático que toda a gente já sabe. Não vou aludir à crise porque é global. Israel é um problema tão complexo e já tão antigo que o dou de graça. Sair do Iraque vai ser um quebra-cabeças e felizmente que a Clinton é Secretária de Estado. Hoje, ao ver Barack Obama frente ao Capitólio penso em coisas dispersas:

- Rosa Parks;

- Brown vs. Board of Education of Topeka;

- Freedom Rides e civil disobedience;

- A Million March over Washington do Rev. Luther King e este homem pôs dois milhões de pessoas no mesmo sítio, meu Deus.

E penso também que este é o primeiro aniversário realmente histórico da minha existência.

Grandes esperanças se depositam sobre os ombros deste novo Presidente. Grandes conquistas permitiram este dia.

Remarkable!

19 de janeiro de 2009

Blonde e Futebol


Este post surge de uma, acho que, provocação a brincar da mdsol mas que, ironicamente, me deu para levar em espécie de desafio intelectual para o neurónio: o que é que uma Blonde sabe para falar de futebol? Francamente, não sei o que a tipa saiba do assunto àparte o ter a certeza de que o futebol só lhe traz desgostos em termos clubísticos. O Benfica é o que se sabe e o Borussia Mönchengladbach não lhe fica atrás (é uma espécie de Belenenses à alemã). Entre um e outro não sei qual o que a deixa mais (in)feliz. Também simpatiza com o Werder Bremen e com o Bayern München (mais com o primeiro do que com o segundo), isto porque se deixa encantar nostalgicamente pelos sítios onde já viveu. Neste momento, gostava que o Leixões recuperasse o primeiro lugar, mas sabe que isso é um pensamento utópico (curiosamente, também já viveu em Leça da Palmeira mas não se lembra bem desses tempos, daí, talvez, este presente simpatizar com o Leixões, vá-se lá saber).

A Blonde prefere o futebol desempenado do norte da Europa, o holandês e o alemão, sobretudo, ao futebol de brios do sul do continente. E não gosta de paragens por causa de faltas. Caramba, aquilo é um jogo de rapidez e as faltas, tirando as entradas mais violentas, são uma coisa normal. Daí que jogadores como um Cantona, um Moser (Mozer?), um Klinsmann ou um Vialli estejam entre os seus favoritos por jogarem muito fisicamente. Confesso que, no jogo do Europeu entre Portugal e a Alemanha - sempre difíceis esses jogos - a Blonde fugiu para o ginásio, mas para seu desespero teve de gramar com o jogo na mesma e assistir àquela entrada brutal do Schweinsteiger para golo. Aquilo doeu que se fartou no orgulho luso da Blonde, mas temos de admitir que foi um golaço dos que a Blonde gosta. O tipo não esteve para pedir licença e cá vai disto, é o suficiente para quebrar a moral de qualquer adversário. Mas enfim, estamos a falar de uma tipa com um espírito iconoclasta que vai ao ginásio todos os dias e só não pratica Krav Maga porque dá aulas numa universidade e, convenhamos, aparecer lá com as nódoas negras das sessões dava mau aspecto.


Para a Blonde o jogador mais irritante de todos os tempos é o Beckham (a voz então é insuportável) e o melhor nº 2 de sempre o Ronald Koeman (man, aquilo era pujança). O jogador português favorito é o Ricardo Carvalho. O mais giraço o Fernando Torres e antes dele o Matts Magnusson (sim, que a malta não é cega e já teve 16 anos!). Se lhe falassem do Marco Van Basten diria: "um senhor dos relvados". Quanto ao mais simpático, fácil: o Gary Linecker. E houve um dia, na Bulgária, que só não andou à bulha com o dono de um bar local à conta das coisas que ele dizia do Figo porque tem um grande espírito de contenção e um, ainda maior, auto-controlo germânico.


Não perdoa as decepções que a Selecção Nacional lhe dá e não gosta dos jogos arrastados do campeonato português que são uma pasmaceira. Por vezes pensa que lhe deveriam dar uma equipa para treinar que ela punha o balneário em sentido num instante! Tem pena que o Major Valentim já não esteja à frente do Boavista e mais pena tem que o Benfica não tenha lá um Pinto da Costa. Vai ter saudades de ver as conferências de imprensa de alguêm que fala em "muita dranquilidade" e que tem um penteado de desenho animado. Torce sempre pelas equipas portuguesas no estrangeiro, mesmo que elas sejam o FCP e mesmo que joguem contra equipas alemãs da sua preferência.


No aspecto controverso do futebol, enoja-lhe que o desporto seja um negócio pouco explícito. Não se importa com os milhões que se fazem (afinal, o entretenimento é suposto ser pago e vale o dinheiro que por ele se paga porque o que nos dá prazer não tem preço). Mas desgosta-a a economia paralela, a obscuridade, a falta de lisura. Também lamenta a politização do futebol. E lastima que os jogadores, tão principescamente pagos, não tenham o nível de educação suficiente para saber lidar com o dinheiro que ganham nem com ele comprarem o polimento que lhes falta em termos de background educacional/educativo (e não se importa que esta afirmação soe elitista).

Já quanto à prática, houve uns tempos em menina e moça que experimentou a baliza, mas aquilo era demasiado parado e sofria muitos golos porque ia lá para a frente jogar e deixava as redes expostas aos contra-ataques adversários. Hoje-em-dia joga umas futeboladas com o Spotty e tenta subverter os afilhados para apoiantes do Benfica... com algum sucesso, há uns um pouco renitentes (espertos), mas ainda há esperança.

A imagem ilustra o sofrimento por que tem de passar...






18 de janeiro de 2009

Do melhor do mundo

Cenário: Quarto infantil cheio de bonecos. Persianas fechadas. Domingo de manhã. Cama single.
Personagens: Blonde. 3 anos de gente.

Acção:

3 anos de gente - Madinha, ficaste cá de noite?!
Blonde - Sim, a madrinha dormiu cá com a 3 anos de gente.
3 anos de gente - És linda!

Sorriso rasgado. Abraço.

Cai o pano.

16 de janeiro de 2009

Australia

E lá fui ver o "Australia"... Que coisa tão pobrezinha!
Meter as "Stolen Generations" à força num guião lamechas e tentar produzir um épico com o "outback" metido à mistura com o esforço de guerra australiano e as evacuções do Northern Territory é uma confusão, digamos, "épica".
Este é o trailer de um filme que até há dois anos atrás eu mostrava aos meus alunos para lhes explicar o que são "assimilation policies" e para os contextualizar em relação à forma peculiar do governo da Commonwealth of Australia, um país que nunca pediu independência e que continua sendo um dos legados do Império Britânico. "Rabbit Proof Fence" é um filme doloroso que espelha bem o facto de os australianos ainda não se terem reconciliado com o seu passado de perseguição à cultura aborígene. As últimas "gerações roubadas", retiradas às famílias originais no início dos anos 70 têm hoje a minha idade: não sabem de onde vêm, quem são as suas famílias e, se hoje, o governo e ONGs tentam localizar famílias perdidas, o trauma continua. A assimilação forçada presumia a erradicação dos próprios traços étnico-culturais daquelas crianças que passavam os cabelos crespos a ferro para os alisar e eram levadas a casar fora da sua etnia para, segundo a teoria governamental, se tornarem brancas ao cabo de 5 gerações de casamentos mistos.
Quando estive em Queensland fui, como é óbvio, ver o que se faz em termos de conciliação Austrália/Nação Aborígene. É muito: livros e publicações aos milhares, museus, exposições, projectos antropológicos. Mas no fim, sabem quantos Aborígenes eu vi na rua? Dois! Mãe e filha: a mãe claramente alcoólica, ambas andrajosas, perdidas em sacos de plástico numa manhã bem cedo num jardim de Brisbane, onde só estava eu (curtindo um valente jet lag sem poder ir para a cama para não ficar mais tonta) e uns poucos Brisbanites a fazer o seu jogging matinal. Deprimente...
Pensava eu que ia ao cinema ver um filme de fôlego como o que Collen McCullough escreveu em "The Thorn Birds" e dei-me com a plástica da Nicole Kidman e um romance da improbabilidade...

13 de janeiro de 2009

Is Blonde Back?

Eu hoje, supostamente, e só supostamente, viria aqui discorrer do como é pelo futebol que Portugal ganha estatuto internacional, mas que se fosse eu, os meus votos tinham ido todos para o Fernando Torres, por razões que não as futebolísticas... Mas depois pensei que não, que não fica bem a uma Senhora Professora Doutora (por extenso) andar para aqui a falar de futebol e menos ainda de... bem, isso não importa nada. Vai daí pensei que, como os interregnos são intervalos e não temporalidades perpétuas, deveria dar descanso ao fado.
Apresento os dignos herdeiros dos Deff Leppard. Maravilhosos! Finalmente à venda em Portugal! (Mas sempre davam uma boa desculpa para ir a Londres: "Ó que chatice, lá tenho de me meter num avião para ir comprar o cd dos Nickelback!").
Como diria o George Michael, "listen without prejudice" e depois digam lá se não são bons (dentro do género, claro!). Para quem me anda a atentar a cabeça que Nick Cave é que é bom...
Esta chama-se "If Today was your Last Day", não tem vídeo, e faz parte de "Dark Horse", o álbum mais recente.

(Sim, eu sei... é um bocado pimba, mas fazer o quê?)

10 de janeiro de 2009

Crisálida


Metamorfose. Sempre gostei desta palavra. Tem o sentido científico a par com um outro simbólico e imagético. Quando eu era a miúda de tranças louras que queria ser cientista, trazia para casa as crisálidas que apanhava no jardim e, por mais do que uma vez, acordei com borboletas na janela do quarto. Pequenos milagres...

Ter ido naquela noite àquela casa de fado...
Aquilo foi uma espécie de rito iniciático, um ritual de passagem (Adela em A Passage to India atordoada pelo eco das cavernas). Depois daquilo fui ver o "Amália" e nessa sequência fui de propósito à FNAC comprar cds de fado. Só que eu não tenho estilo de fado, eu não posso ser vista a comprar cds de fado: não liga, não bate certo (ok, comprei também o último dos Nickelback para esconder os outros e para ser mais eu). Eu não oiço fado! Eu não gosto de fado! Eu não percebo o Fado!
Claro que não!
Então porque é que me dei ao trabalho de ver um concerto do Carlos do Carmo na televisão? E porque é que fui ao site do Camané ver quando é que há um espectáculo para eu ir assistir? E porque é que, não havendo Camané no horizonte mais próximo, vou para o Coliseu ver a Mafalda Veiga em jeito de consolação (sempre há-de ser giro, o people todo a cantar e bater palmas e eu a fazer algo tão primário como tentar perceber as letras)? E porque é que gastei um dinheirão de vergonha nuns pendentes de cristal estilo Amália (lindos de cair para o lado) para estrear na Passagem de Ano e ofuscar o fogo de artifício? Pior, porquê estas tristes cenas:

"Com que voz...
- Buáááá, isto é lindo!!!!

... chorarei meu triste fado."
- Buáááá, que coisa tão triste... Buááá, isto é Camões e Amália... Buáááá, isto é a lusitanidade (e gaita que se o Gilberto Freyre inventou a tropicalidade eu posso bem inventar a lusitanidade), buááá...

Ando com a Via Verde avariada e passo as maiores vergonhas quando abro o vidro para pagar a portagem porque de dentro do carro sai fado em alto som. Que vergonha, meu Deus! A loura bimba super fashion a ouvir fado?! Não, não condiz! Só que isto até nem é o pior dos piores. É como dizem os ingleses: if worse comes to worst...
Acho que o "worst" chegou. Preparei agora um abstract para levar a Washington a uma conferência sobre imagens urbanas, qualquer coisa como "Visualizing the Urban Jungle", e isto é o que me saiu como sinopse do paper: "blablabla... the urban space, an abyss, a labyrinth, a jungle similar to the dark, unhealthy and remote forests of Africa, a place of suffering where early social scientists could prove Darwinian theories of the survival of the fittest". Ó deuses, isto é lúgubre! Ó deuses, eu escrevi esta deprimência ao som de fado?! Então eu que falo sobre bombardeiros Stealth e guerras e crises diplomáticas ando aqui nestes meandros escuros? Mas o que é isto?

Há aqui qualquer coisa que não bate certo. Onde é que anda a minha Blonde?

8 de janeiro de 2009

Notícias frescas (?)


De que é que se fala quando não há nada para falar?
Certo!, do tempo. Os ingleses falam do tempo, as pessoas educadas falam do tempo por cortesia, os telejornais nacionais falam do tempo. Rewind, please! O que é que existe de tão especial ou anormal para os telejornais falarem do tempo? Não estão 40º graus à sombra, nenhum furacão devastou o litoral algarvio, não há tornados a varrerem o aeroporto da Portela, mas há Inverno. Frio, geada e esses etcs. que costumam acompanhar Janeiro estão aí, e depois? Ai que o país vai enfrentar uma vaga de frio polar, ai que há não sei quantos distritos em alerta amarelo e outros tantos em alerta laranja, ai que vai gear de noite, ai que as pessoas têm de se agasalhar (esta então é das minhas favoritas). Ainda gostava de saber o que é que a normalidade do Inverno tem de valor noticioso acrescentado, palavra de honra que gostava! Agora, o que eu acho mesmo nojento e desprezível, pardon my French, é que se faça da miséria humana e da caridadezinha para inglês ver um show de morbidez. Fazer directos dos abrigos que por estes dias frios se montam para os desvalidos da sociedade que dormem ao relento é, desculpem, uma ode ao voyeurismo cretino, é um peep show do horror a que a condição humana chega. Enoja-me!

Crianças a morrer estupidamente em Gaza (bem, crianças coitadinhas morrem todos os dias, é banal), o Governo propõe um orçamento correctivo, suplementar ou qualquer coisa do género (é o orçamento rectificativo, idiota!, e não se fala mais nisso, é banal), a Ucrânia e a Rússia não se entendem e vai de apertar o torniquete do gás e a Europa que se amanhe (e alguma vez os gigantes do Leste se vão entender?, ó que coisa banal), e já alguém se deu ao trabalho de apreciar bem, com todos os significados subreptícios, o que é ver uma foto da galeria de Presidentes norte-americanos vivos com um Barack Obama lá no meio? (e essa banalidade lá é notícia?). Sim, de facto a invernia é notícia e os pobrezinhos com frio um filão mediático. Que asco!

6 de janeiro de 2009

Biografia da Crise


Começa o ano, (re)começa a crise. Pelo que tenho entendido, nas mensagens natalícias e de ano novo os dirigentes da nação explicaram ao povo português que se avizinham tempos críticos. 2009 não será o ano da abundância. Ainda ontem, o Primeiro-Ministro prevenia que nem é crise o que aí vem, é uma recessão monumental e agora o Banco de Portugal vem divulgar a notícia requentada de que "caríssimos, isto não vai ser nada fácil". E será que alguma vez foi?

Desde que me entendo por gente só conheço Portugal como um país em estado de crise endémica, algo como a malária no Gabão ou na Serra Leoa. Nos finais da década de 70, princípios da de 80, quando o Pai decidiu assentar arraiais em Portugal e eu passei a ver a Heidi a preto-e-branco e a levar com doses generosas de desenhos animados checos do Vasco Granja (de facto, o que não nos mata torna-nos mais fortes), o país estava em crise. Ele era a crise na Lisnave e ele era a crise exposta nas manifestações das bandeiras pretas. Lembro-me de a Mãe perguntar ao Pai o que eram aquelas bandeiras.
- São as bandeiras da fome. - Dizia ele, assim a seco, sem mais explicações. Nem era preciso.
Eram tantas, tantas as bandeiras de um país em crise. E eu pensava que aquelas pessoas todas não tinham pão com manteiga para comer. É que lá em casa, mercê de outros hábitos, comíamos pão com manteiga e mel, pão com manteiga e fiambre, pão com manteiga e doce, pão com manteiga e queijo, o Pai acompanhava as refeições com pedaços de pão com manteiga e a Mãe comia uvas brancas e figos com pão com manteiga (garantidamente a coisa mais gostosa à face da Terra). Por isso, para mim, pão com manteiga era o mínimo indispensável à vida humana. E, por causa da crise e das bandeiras, aquelas pessoas todas não tinham pão com manteiga.

Mais tarde veio a crise da deslocalização de empresas para países de Leste. Depois, quando me casei, houve aquela grande crise das empresas a fechar e lembro-me de ver o Rodrigo Guedes de Carvalho abrir um telejornal com aquela cara solene do catastrofismo:
- É oficial, Portugal entrou em crise! - Ao que se seguiu um desrolhar absurdo de falências de empresas. Aí pensei no duro que era ser adulto e ver a economia em derrocada. E pensei, também, que aquela era a crise que estava reservada para a minha geração, como a de 80 estivera para a geração do Pai e da Mãe.

Agora, que até o casamento já partiu, está aí uma crise financeira que se transforma em recessão económica. Ou seja, a minha triste geração, a tal que via a Heidi vestida de cinzento, já leva duas crises às costas e ainda agora aqui chegámos. Pergunto-me se algum dia deixaremos de estar em crise? E vaticino, desde já, que dentro em breve a vida continua em novos capítulos de nova crise. Vai uma aposta?