28 de setembro de 2015

Que mais saberá ele?

Raramente falo ao meu sobrinho da Avó. Ainda o acho muito pequenino para assuntos que para mim são de perda. Uma vez ele perguntou quem era a pessoa numas fotos, as três que tenho à vista com a Mãe, minha, Avó dele.
- É a Avó Vina - respondi sem puxar mais pelo assunto porque não sei explicar Morte a crianças.
- A Vó Vina?
- Sim. Está no Céu - disse no eufemismo e sem lhe dizer o que é Céu porque ainda não lhe começámos a dar educação religiosa. A coisa passou. Até ontem...

- Tia, quando morreres vais para o Céu e vais lá estar sózinha - a conversa começou com ele em cima da bicicleta no jardim a falar de quando for grande e coisas dessas que as crianças de quatro anos falam. Fiquei parva com a coisa do "Céu" e de eu morrer e comecei logo a imaginar o que lhe andarão a dizer lá pelo colégio.
- A Tia vai para o Céu sózinha?
- Sim, sim - ele gosta muito de duplicados.
- Então a Tia não se vai encontrar com a Avó Vina no Céu? - atirei a pergunta a ver o que ele me respondia e se se lembrava da conversa de quando viu as fotos da Avó.
- Não, Tia.
- Não?! Tens a certeza? Porque é que a Tia não vai ver a Avó Vina?
- Porque a Avó Vina está aqui.
- Está aqui?
- Sim, Tia. A Terra é ou não é um planeta?
Não retorqui porque ele continuou como se eu fosse muito ignorante:
- E as pessoas vivem no planeta Terra. (e só não fez dahh porque ainda não sabe fazer dahh).

O que é que se responde? Mas que quatro anos são estes? Não sei. Sei que algo no meu coração pensou que eu nunca vou ter de me preocupar em lhe dizer que ele tem a melhor Avó do mundo e que só não a conheceu nesta fisicalidade por um acaso cósmico. Acho que ele sabe...

23 de setembro de 2015

Da sabedoria dos quatro anos

Ou de como Tia Bá mete o pé na argola (valentemente).
Manel, e os seus quatro anos, chega a casa com uma nódoa negra a modos que gigante e este é o diálogo que se seguiu porque a Tia Bá quis saber da ocorrência nos seus detalhes:
- Foi o Rodrigo, Tia. ele anda a portar-se muito mal - resposta inócua e bem completa à pergunta expectável do "quem é que fez isto?"
- E tu, fizeste o quê?
- Fui dizer à Miss Debbie.
- E a miss Debbie fez o quê? - continua a Tia armada em CSI.
- Disse ao Rodrigo time out - Manel respondendo mecanicamente e mais interessado nas bolachas que estava a comer.
- E o Rodrigo foi para o time out? - o nível intelectual da Tia claramente acima da média da própria da Tia.
- Não.
- Não?!
- Não, Tia, e a Miss Debbie disse duas vezes "Rodrigo, time out". Sim, sim - diz quatro anos de gente abanando a cabeça.
- Não foi para o time out?! - Tia um bocado baralhada com a impertinência dos outros quatro anos e a inoperância de uma tal Miss Debbie que a Tia está a pensar que deveria ir conhecer um dia destes.
- Não, Tia - replica Manel já um bocadinho farto do "ainda não percebeste que o Rodrigo se anda a portar mal? Caramba, Tia, eu já expliquei!"
- Então, - começa a boa da Tia pronta a dar um sapiente conselho - para a próxima dás uma achega ao Rodrigo se ele te bater, ok?
- Tia, os amigos não se batem! - Resposta ríspida de quatro anos de gente que deixaram de ter interesse nas bolachas porque têm algo muito importante a dizer a uma Tia que não percebe nada de nada. - Até a canção diz isso! - explica melhor o petiz fitando a Tia nos olhos.
Tia sente o cérebro entaramelar-se ao perceber que meteu bem o pé na argola e tenta safar a situação, dando razão ao dito cujo petiz seu sobrinho:
- Gimme five Manel! Sim senhor, os amigos não se batem.
Manel dá high five à Tia e, de bolacha em punho, vai brincar com carrinhos debaixo da mesa.

Quem disse que quatro anos de gente não nos ensinam umas quantas bem boas? E, claro, Manel e Rodrigo continuam amigos como sempre.

18 de setembro de 2015

É (só) uma vez por ano

Foi ontem. E depois há a cena do avião a sobrevoar os flamingos ao som do John Barry... Mata-me. Vejo a Mãe com os olhos brilhantes da vez que vimos o filme juntas. A primeira vez que vi o filme. O filme que me ficou preferido, que vejo e revejo sempre com saudades, que me faz pensar em um sem número de coisas, que me devolve a alma ao passado em que Ela cá estava.
Houve coisas que deixei de fazer porque as não consigo reviver sem Ela. Coisas que me ficaram dolorosas, que se tornaram monumentos de perda sem fim. Estranhamente, o filme não entrou nesse rol de abandono. Vejo-o e revejo-o sempre como se fosse aquela primeira vez. Pouco importa que saiba os diálogos e as cenas de cor. O filme ficou-me por memória da Mãe, memória doce de um tempo em que o tempo era infindo e a vida eterna. Ou talvez eu goste do filme por me lembrar a não eternidade da vida e a capacidade que temos de lhe sobreviver...

16 de setembro de 2015

Inebriada

Saio da faculdade passa das oito e meia da noite escura e chuviscosa. Passo pela casa de amor na cidade para deitar anjos-gente. Conto a história de um T-Rex que invento chamar-se Jasmim e que o Manel quer, por força, seja um T-Rex preto com olhos cor-de-rosa. Seja. Afago caracolinhos de Maggie que me vai chamando "Tia?" a confirmar que eu ali estou até ela adormecer. Saio de mansinho e volto à noite que me aguarda para o caminho de regresso Aqui por entre pingos de chuva que não sabe ser chuva.
Finalmente chego. Abro a porta do carro e o cheiro toma-me por completo envolvendo-me nele. É denso como presença física. Terra molhada e ervas secas que se hidrataram com os chuviscos. Cheira a vindimas interrompidas e, de longe, vem um cheiro suave a caruma de pinho. É inebriante e deixo-me abraçar. Aprecio o momento para lhe fazer memórias. Entro em casa feliz porque é Aqui que me mora a alma...

13 de setembro de 2015

Obras de Verão 2015: janelas

Desde que vim morar para a Casa que foi dos meus pais (já há mais de dez anos e depois da tragédia toda e do abandono em que a Casa ficou), acho que não houve ainda um Verão em que eu não me tenha visto entre obras, remodelações, pincéis e tintas. Aliás, dêem-me um pincel e tinta e vejam-me feliz. Sim, é o passado e os fantasmas a serem espanejados e sou eu a abrir as asas reclamando-me Dona. Muitas memórias...
Enfim, este ano dei-me ao branco e à luz. Andei a pintar molduras de janelas passando-as do escuro da madeira ao reflexo alvo. Três já foram e estou contente com o resultado. Faltam dez, mas acho que ficam para o ano...

9 de setembro de 2015

Qualquer coisa

Nunca sei porque me seduzem os jardins privados abandonados.
Jardins públicos abandonados parecem-me lixo, a degradação ultrajante da espécie. Já os privados têm o seu quê que abre o pensamento para o passado do que são. Quem passeou por estas alamedas de silêncio deserto sob o calor do Sul?

6 de setembro de 2015

Mais ao Sul

Chamo-lhes momentos David Attenborough. Este aconteceu à beira de águas prestes a desabarem por entre rochas que a água ainda mal erodiu nesse confronto eterno sem vencedores ou vencidos. Pensei que não ia chegar tal foi a distância. Pensei no desapontamento ao cabo dos quilómetros todos por estradas de sul e abandono. Mas não. A grandiosidade surpreendeu-me, a vertigem que me esperava e que eu combato contra mim porque quero ver. Fui feliz.
Como feliz fui pelo pôr-do-sol digno de Pacífico num local insuspeito, perdido entre minas há muito abandonadas. O Sul...

5 de setembro de 2015

Sul

Nem sempre viajo para Sul mas o Sul é sempre um destino, o caminho que primeiro me ocorre, sempre.
Chegar e ter isto à espera...

2 de setembro de 2015

É no que dá

Levar alunos alemães ao CCB dá nisto:
- Ah, e tal a Ute Lemper quando cá vem até costuma actuar aqui.
- QUEM?
É oficial: entrei na provecta idade. Até houve um que me perguntou se eu me lembrava do "Der blaue Engel" da Marlene Dietrich! Ja, aliás, eu é que ensinei a Dietrich!
Vida...