27 de fevereiro de 2019

Nevoeiro em Cape Cod

O meu fascínio por nevoeiro deve vir de um dos livros da Enid Blyton, ou de "Os Cinco" ou de "Os Sete", já não me recordo, mas havia, numa das histórias, um episódio em que os amigos, e mais o cão, se perdiam num nevoeiro denso e aquilo, para uma adolescente que gostava de aventuras, era leitura fenomenal. Em suma, tenho o paradoxo de detestar dias de nevoeiro e adorar andar dentro de nevoeiro (sobretudo se for a esquiar montanha abaixo sem sequer ver a ponta dos esquis, mas isso é outra história). Desceram as nuvens aqui em Cape Cod. As praias estão desertas e os faróis, tão típicos destas costas serpenteantes, solitários. O som da rebentação das ondas fica abafado pela neblina densa e húmida. A paisagem torna-se romântico-literária e tanto Byron como Shelley seriam felizes aqui. Também sou. Andar por aqui, neste estado de solidão envolvente, tem qualquer coisa de confortável e misterioso. Haverá sol algures no mundo, mas hoje e aqui impera este cinzento que nos abraça molhado.

23 de fevereiro de 2019

Aviso de Tubarões: Jaws

Jaws, o primeiro, continua a ser um dos meus filmes de culto. O suspense, o medo primordial, a banda sonora que arrepia a espinha. Porém, não sei porquê, associo tubarões a mares quentes e latitudes tropicais. Só que Jaws, o tubarão, o Grande Tubarão Branco vive aqui nestas águas frias da Nova Inglaterra e a trama do filme passa-se, precisamente aqui onde vejo estes sinais de aviso aos veraneantes: cuidado, aqui há "great white sharks".
É uma terra de perigos, estes vastos Estados Unidos. Aqui na Europa não estamos habituados à perigosidade da Natureza que nos é pacífica e está domesticada há milénios. Em tantas e tantas milhas de Estados Unidos, colecciono sinais de aviso. Na Flórida, os jacarés. No Texas, as cascavéis. Aqui, os tubarões. Só estes últimos ainda não vi ao vivo, embora já tenha estado no simulador de Jaws no parque temático dos Universal Studios em Orlando e apanhado o susto da praxe porque, mesmo sabendo que tudo é a fingir, o medo primevo é-nos inescapável. Em suma, já tenho mais outro sinal de perigo animal para juntar à colecção.

20 de fevereiro de 2019

Na casa de Mark Twain

Foi no ano em que as Torres foram abatidas que aqui estive pela primeira vez. Lembro-me do deslumbre alegre por estar na casa de um génio literário amado e lembro-me da estranheza da casa com a sua parafernália de maquinetas de última geração que Twain coleccionava. Não havia invenção recente que ele não levasse para casa. Um dos primeiros telefones em Hartford, pois é em Hartford, Connecticut, que estamos, um ferro eléctrico de encaracolar cabelo, maquinetas e engenhocas que eram os "gadgets" daquela altura. Nesse dia, como hoje, reparei no contraste entre esta casa tão masculina e a mais feminina de Harriet Beecher-Stowe que fica do lado oposto do jardim numa propriedade contígua. Esta é escura por fora e sombria por dentro, a outra é clara por fora e luminosa por dentro. Esta é interessante por ser de quem é mas tem algo de estranho que distancia. Chega a ser berrante e tenho de me lembrar que é a casa de quem me/nos deu Huckleberry Finn que eu gosto mais até do que As Aventuras de Tom Sawyer.
Ler Huckleberry Finn é mergulhar na leitura tal como Huck mergulhava no Mississippi. Ler Twain, que assim se chamava por ter trabalhado nos vapores do Mississippi e ter gostado da sonoridade de "mark twain", cujo significado é uma medição de profundidade de água segura para os barcos navegarem, é viajar no tempo e viver uma experiência quase tri-dimensional. Ler Twain é rir a gargalhadas, tal como é angustiar-se com a injustiça daqueles tempos. É, diria, impossível não simpatizarmos com Tom Sawyer e com com Huck Finn. Acho-os leituras aconchegantes, reminiscentes da minha infância feliz. Isso é Mark Twain. Já Samuel Clemens é o dono desta casa, um homem de públicos vícios e sagacidade mordaz, misógino como os tempos em que viveu mas privilegiando a educação das filhas. Twain é o génio, Clemens o homem.
Se gosto de aqui vir outra vez? Sim, mas sem o deslumbre primeiro.

16 de fevereiro de 2019

Na casa da Harriet Beecher-Stowe

Não é a primeira vez que venho a Hartford, capital do Estado do Connecticut, e sempre que venho é por causa de dois escritores, Harriet Beecher-Stowe e Mark Twain que aqui têm, ou tiveram, casa lado-a-lado, embora não tenham sido vizinhos contemporâneos, bem só um niquinho.
Beecher-Stowe (1811-1896) era uma dona-de-casa burguesa que é hoje conhecida por ter escrito "A Cabana do Pai Tomás" (1852), um dos primeiros textos de ficção a retratar as condições sub-humanas em que se processava a existência dos africano-americanos, sobretudo em regime de escravidão. Ficou-lhe a fama de abolicionista e, mérito lhe seja dado, o livro foi outra das faúlhas que acenderam o fogo que desembocaria na Guerra Civil Norte-Americana. Não estamos perante um génio literário, estamos perante alguém que se condoeu com a dor do Outro e lhe deu voz. Vir aqui é prestar homenagem.
A casa de Beecher-Stowe é hoje um museu, tal como a mais imponente casa ao lado. É uma casa discreta e calma, diferente da de Twain, ostensiva e berrante. É uma casa feminina. Na última sala, dedicada à obra de Stowe e às traduções de que foi alvo, detenho-me na coincidência de estarem juntas a tradução portuguesa e a alemã. Essa é, também, a a minha coincidência de vida e acho piada quando vejo estas materializações coincidentes.

13 de fevereiro de 2019

Expressão com autocolantes

O que os americanos expressam das suas opiniões e individualidade através dos autocolantes que metem nos carros é assombroso. "Land of the free, home of the brave" diz o chavão que tentam viver na materialidade das suas existências. "Freedom of speech", liberdade de expressão é uma máxima que levam à letra e só posso respeitar que numa era, em que a Verdade vai sendo amordaçada, as verdades continuem a surgir à tona. Assim se entende que, mesmo à frente de um poderoso arauto da verdade como o New York Times, esteja uma parede inteira pintada contra as verdades do New York Times. Assim se entende que, num estado tão conservador como o Ohio, eu tenha visto um carro com um sticker a dizer "Dump Trump". Viva a liberdade de expressão!

9 de fevereiro de 2019

Nos Finger Lakes

Andando a passear pelo "Up-State New York", dei uma volta pelos Finger Lakes. Andava curiosa por visitar a área desde que o meu amigo John C. Hartsock publicou um livro chamado "Seasnos of a Finger Lakes Winery" e com ele se fartou de ganhar prémios. É uma região rural conhecida pela produção vinícola.
Acho que nunca vi tanto ganso junto como aqui. Bandos e bandos. No Lago Onondaga, que é um dos onze lagos que compõem os Finger Lakes, quis fazer amizades com os gansos. Estavam tão sossegados a pastar ervinha que pensei que meter-me no meio deles ia fazer de mim uma espécie de David Attenborough rodeada de vida selvagem. Ó imprevidência...

6 de fevereiro de 2019

Angola nos Estados Unidos

Perco a conta aos sítios chamados Angola pelos quais já passei nos Estados Unidos. Este aqui na foto é uma Angola no estado de Nova Iorque. Mas há uma Angola no Louisiana, por onde também já passei, e há também no Indiana, no Kansas, na Virginia e na Carolina do Norte. Curiosamente, não conheço sítio nenhum nos estados Unidos chamado Portugal...

2 de fevereiro de 2019

Vietnam Veterans

Há qualquer coisa que admiro nos americanos: o espírito de ter lutado pelo país mesmo que a guerra fosse uma injustificação, como, aliás, costumam ser as guerras. A carrada de carros que têm autocolantes de veteranos de guerra, a carrada de congressos e reencontros de veteranos de guerra, a carrada de programas de auxílio médico a veteranos de guerra. A admiração que se tem aos veteranos de guerra.
Aqui também temos veteranos de guerra e o que a sociedade lhes dá é silêncio... Nunca percebi isto.