De acordo com a lógica ciberespácica (se é que existe uma) eu hoje deveria vir para aqui falar na desgraça de ontem, da inoperância que nos caracteriza face à eficácia que invejamos nos outros. Deveria lastimar o azar da Selecção Nacional, mas a lástima é uma forma de pena e eu não entro em comiserações que não levam a lado nenhum. Pela lógica, também, deveria vir aqui rememorar o 11 de Setembro, como foi trágico, como me apanhou numa cena orwelliana ainda no jet lag de ter regressado de Nova Iorque "just in time", mas isso é apenas replicar à exaustão um assunto que, temo, se banalizou.
Ao invés, quero falar do meu ontem e de como, apesar de fustigar este povo que me enerva na sua passividade, no seu laxismo e na sua fraca auto-estima, eu amo na sua meridionalidade atlântico-mediterrânica, e nessa sua sociabilidade dócil que não encontro em mais lado nenhum.
Ainda vivo num mundo relativamente suspenso num limbo entre o campo e a cidade. Conheço pouca gente aqui, mas, e sempre para minha surpresa, todos me conhecem. Os vizinhos depositam-me caixas de uvas à porta, sacos com pimentos e pepinos e alguidares cheios de tomates que transformo em doce que envio em frasquinhos aos amigos espalhados na frieza da Finlândia e da Alemanha, ou que, à falta de destinatários, acaba por ganhar bolor porque eu não como doce. Ontem foi diferente. Ontem vieram dar-me um tupperware cheio de dobrada com feijão, ainda fervente, acabadinha de sair do lume. Senti-me tão privilegiada nesta generosidade. Alguém fez o almoço e, antes de se sentar, deu-se ao trabalho de pôr de parte e entregar um pouco a esta estranha. É comovente. E mais ainda o modo como me deram o dito tupperware:
- Eu sei que a X não faz destas coisas e é muito bom.
É verdade que tenho dona-de-casa desesperada escrito garrafalmente na testa, que vivo de saladas e sopas e só descobri que dobrada se deve provavelmente comer com arroz ao pesquisar no Google uma foto que acompanhasse este post. Mas o que importa realmente é que alguém pensou que eu ando a perder as coisas boas da vida e cá veio obstar a essa triste situação. Fiquei sem palavras...
26 comentários:
Início esta jorna comentaristíca dizendo que jamais em tempo algum poderia admitir semelhante trato de polé à nossa gastronomia, não fosse o caso de eu saber que, pronto, conforme a menina diz, ser uma dona de casa desesperada!
Toda a gente, mas mesmo toda a gente, sabe que tripas ou dobrada se comem com arroz.
Mas sempre assevero que se não o puseres a coisa apenas por ela marcha e bem.
Olha lá, e aqui deste real provinciano cá do Norte, aqui fica outro conselho: se sobrar, não se deita fora.
Congela-se.
Feijoada aquecida é um acepipe!
De qualquer modo, começo a desconfiar que esse vigoroso anúncio da dona de casa desesperada mais não é que rigorosa e infame campanha para receber e ser brindada com essas generosas ofertas!
Pepinos, uvas e o que mais os vizinhos lhe depositam aos pés? Pois ... imagino ... a menina às compras, coisa e tal, "ai, que é isto? E aqueloutro?" e as gentes lusas que, benza-as Deus, são mesmo generosas, especialmente essas que ainda guardam a costela rural, a pensarem "coitada, deve passar tanta fome ...!"
Bem, estiquei-me e o melhor é quedar-me por aqui.
Mas gostei não só da leitura mas da passagem em que não conhecendo, és conhecida.
Isso para aquele projecto que cá sabemos é música para os ouvidos!
Olha vê lá se convidaste pá!
Gostaste da dobradinha? mmm? é tããão bom.
(para todos os que estão a estranhar este meu entusiasmo, eu gosto de dobrada, feijoada, pézinhos de leitão de coentrada, migas, acorda, cabidela e arroz de lampreia :) sim não sou muito normal)
Bjs
Eu numa de cabidela ou, em se querendo, mais à rústico, arroz de pica no chão alinho já!
Ferreira.
Cabidela...mmmmmm, fico como o hommer simpson com os donuts :)
bjs
Joaninha, rezemos para que algum vizinho da Senhora Dona deste blogue lhe ofereça um manjar desses ...
Ay caramba!
Jesus, Mary, Joseph ...
Pobrecito que soy ...
nobody gives me such delight!
MEU POVO,
Vocês não abusem aqui deste meu palato! E, já agora, que coisa é essa de pica no chão? Se cabidela for aquela coisa de cabra mando-vos pastar! E já agora, uma inconfidência, a Blonde merece um OSCAR!!!! Sabem porquê? Porque me convidaram para um festival de lampreia e eu comi aquilo e ia tendo um fanico de tão mau que acho que aquilo é:
- Então Srª Drª diga lá que não é bom?
- (Glup) Ó sim... muito bom... Acho que até vou repetir...
- Tá a ver Drª!
E aqui a triste repetiu, cara linda, sorriso e tudo!!!! Desculpem mas deve ter sido a pior coisinha que ingeri na vida, muito pior que tagine de borrego (ugh!!!!) nos Montes Atlas!
Ia eu de dedo armado para lhe dar uns conselhos sobre a feijoada e deparo com a "lição" do ferreira-pinto! Adinate, porque ele já disse tudo...
Quando regressei a Portugal, experimentei desses miminhos. Homem solteiro não sabe cozinhar, pensou a vizinhança e vai de me encher de tudo quanto é bom!
Um dia - oh, erro meu! - resolvi demonstrar-lhes a minha gratidão e convidei-os para jantar em minha casa. Desastre! Não é que gostaram?
Quando lhes disse que cozinhava desde que comecei a viver sozinho, aos 17 anos, as oferendas foram escasseando até se reduzirem praticamente a zero.
Por isso, aqui lhe deixo o conselho: se pretender obsequiar a vizinhança com um jantar, diga que encomendou fora, nunca cometa o erro que eu cometi!
Bom, lá venho eu esclarecer ... quando se mata o galináceo, a modos que é necessário "chinar-lhe" o pescoço ... ora, em espetando a "naifa", aquilo deita sangue correcto?
Então, o sangue recolhe-se que depois vai para o arroz que leva uns têmperos entre um bocado de vinho tinto e vinagre, para dar ainda mais cor, e umas pitadas de sal e aquelas coisas mais ... com salsa depois no fim para enfeitar e com o galináceo aos bocados lá mergulhado ...
Carlos,
Parece, então, que o rótulo "loura bimba" funciona, não?:) Ah, não sei porquê, mas também costuma funcionar nas prioridades nos cruzamentos, algo do estilo: "Aí vem desastre da condução, abram alas!", é garantido:)
Ó Quinn,
Tu estás a passar-te?!
Moi?
Então, não se pode responder à questão formulada a propósito do arroz de pica no chão?
Digamos... eu queria mesmo era os teus vizinhos!
Loooira,
Não gostas de lampreia? que desgosto que me deste. Mas não te preocupes nem tu nem mais de metade da população mundial. Eu sou uma aberração eu e o ferreia pelos vistos :)
Olha lá mas tu não sabes o que é cabidela menina? O ferreira descreveu bem, sim é sangue, mas olha é booooom :)
Não te esqueças de nós se algum visinho carinhoso te oferecer um destes assepipes boa?
beijos
Vai gozando Quinn!
Carol,
Ao menos temos o ginásio! Não sei como é com estes tipos que para aqui andam numa de comezainas se aguentam com o colesterol!
Rói-te aí Implume!!
Olha Jo,
Posso não saber o que é cabidela mas sei o que é Pflaumenauflauf, ok? :)
-Um arroz de lampreia, umas tripas à moda do porto, ou uma feijoada à transmontana, são imperdiveis. Mas a gastronomia lusa é riquissima, poderia aqui enunciar sem problema 20 pratos, que estaria a ser injusto, deixando outros tantos de fora.
Plaufau quê?
Raio de linguajar que um homem vê-se nas horas ...
UnSpicy Blonde, quando te levei ontem a dobrada, nunca me passaria pela cabeça que a internet ficasse a saber duas coisas: 1. que te levei a dobrada bem acomodadinha.
2. que te comoveste e logo esqueceste o nosso tríptico basilar passividade, laxismo e fraca auto-estima. A verdade é quem enquanto nos desapiedamos dos outros iguais a nós, os outros iguais a nós vêm mansa e pacientemente a apiedar-se de nós.
E não é apenas pelo evidente desespero-de-dona-de-casa, mas pelo teu e meu, confesso-o já, desalinho comunitário de individualistas impenitentes, remordidos, cônscios do erro, mas sem recursos para a devida inclusão.
Esses tomates e esses pepinos postos ao pé da entrada, por outro lado, por mais afáveis que aparentem também encerram uma provocação e um protesto por que vivamos as coisas boas da vida: basicamente as pessoas na nossa vida, mesmo.
Wir werden dem Tode nicht entgehen. Erklär dich näher mir: wovon lebst du? Verzeih, das ich zweifle, aber reich mir deine Hand und blogieren wir viel.
PALAVROSSAVRVS REX
Dear António,
Da comida portuguesa eu gosto muito de arroz doce e cozido à portuguesa (sem carne de vaca). Há coisas que até posso gostar mas não conheço. Ah, e adoro sardinhas assadas com pimentos e pão caseiro:)
Ferreira,
Pflaumenauflauf é:
carne picada com geleia de ameixa embrulhada numa massa de crepe e coberta com molho de chocolate (do piorzinho que aquela terra já inventou, ugh!)
Lieber Josh,
Seher viel bloggieren? Stimmt! Aber, nicht nur, sondern auch, verstehst Du? Meinst Du "wovon" oder "woraus"?
Woraus é lacraus ... só pode ... e wovon deve ter a ver com cotão ... acho eu ... plau qualquer coisa com laxante e por aí fora ... eis como começo a decifrar aquela língua feita neblina que se fala para lá do lime da Germânia!
Loira,
Ok, ok não te zangues comigo :)
beijos
Enviar um comentário