Enquanto aqui estou de chávena de café na mão, aborrecida à espera que chegue o jardineiro para mais um dia de confusão nesta casa, aproveito o tempo para debitar por escrito a mais recente lição na minha auto-educação para a cultura portuguesa.
Lá fui linda e maravilhosa ao Coliseu ver a Mafalda Veiga numa noite de chuva miudinha e desagradável em que me apetecia ter ficado em casa a descomprimir do stress de uma semana anormalmente louca. Mas enfim, corações ao alto, abertura de espírito e aí vamos nós à descoberta.
Que dizer? Que a única música que eu conheci em todo o espectáculo foi o "Stayin' Alive" dos Bee Gees que passou no trailer de abertura com imagens da cantora? Que passei a primeira canção a perguntar quando é que ela entrava em palco e ela ali sentada bem à minha frente, franzina e com um ar de miúda? Que pensei estar a ver uma encarnação do Carlos Paião quando entrou em palco outro cantor que desconheço (esse ainda mais completamente) de um grupo chamado Estranja? Não, isso são detalhes irrelevantes.
Confesso que o estilo de música e de espectáculo Mafalda Veiga não faz o meu género. Mas surpreendi-me quando me dei conta que aquele tipo de canções melancólicas enche o Coliseu (e hoje há segundo concerto), o que significa que há muita gente a gostar. Fico com a sensação de que os portugueses gostam mesmo da saudade, da nostalgia, da exteriorização da intimidade dos pensamentos. Ingenuamente pensei que houvesse uma ou outra música mais mexida, mas não. Nem sei se se pode chamar àquelas canções baladas. Pareciam-me, antes, canções que se tocam na igreja mas laicizadas para uma forma pop.
Depois, como não se passava nada no palco, dei comigo concentrada de olhos fechados a ver se percebia a música e o que caracteriza Mafalda Veiga. Comparei-a a uma blogger. Sim, pensei que cada canção podia ser o post de uma mulher sensível que se detém no seu mundo e cristaliza cenas e pensamentos num momento parado na escrita. Envolve esses momentos numa semi-religiosidade e auto-revê-se de fora e, desse modo, compõe e canta.
Também tentei perceber o vocabulário: "chão", "céu", "lua", "abismo", "mão", "janela" replicam-se por todas as canções. Palavras muito simples e um léxico inspirado nas coisas da natureza: "mar", "vento", "restolho". Lá está, as canções de igreja e da fé simples dos Homens. Acho que reside aí a chave para o sucesso das mensagens de Mafalda Veiga.
Não me revejo muito neste tipo de canções e, se me perguntassem, diria que percebi o concerto como uma única canção que durou duas horas e tal. Foi bom como aprendizagem e gostei imenso da dicção da cantora. Ali todos os sons "ss" e "zz" que fazem do Português uma língua áspera como o vento que sopra por entre folhas secas. Foi bom ouvir esse Português. Aliás, acho mesmo que Mafalda Veiga tem a melhor dicção que eu conheço.
Não gostei nada foi de ouvi-la cantar Jorge Palma. Ela não tem estilo para aquelas letras agressivas e revolucionárias: uma mulher sensível a cantar coisas de um homem zangado com o sistema foi essa a sensação que me deu. Mas fiquei curiosa por saber mais do cantor/compositor. A ver se ele tem um concerto proximamente para eu ter mais uma lição na portugalidade.
Memorizei um verso que estou a trautear: "Há que ser trigo, depois ser restolho", é ou não é triste? Primeiro somos a Vida, depois a Morte. É muito triste, não é? Muito derradeiro e inclemente.
E o jardineiro que nunca mais chega...
16 comentários:
Não sou apreciador de Mafalda Veiga, nunca ouvi um CD completo da cantora, ou assisti a qualquer espectáculo. Reconheço-lhe no entanto qualidade, ao contrário de outros que já temos falado por aqui. Gosto muito de ver concertos no Coliseu, a propósito, dos melhores que por lá assisti foram Nick Cave, Beck, Divine Comedy ou Massive Attack...
Eve era um robot sofisticado de última geração, dotada de meios de diagnóstico avançados de busca de vida. Wall e era um robot de primeira geração cuja função era a de compactar lixo e limpar o nosso planeta. Wall e era um bom robot, de gosto duvidoso, que decorava a sua casa com gambiarras de Natal e era capaz de deitar fora um anel de brilhantes, guardando a respectiva caixa.
Encontraram-se um dia; dois universos distintos afastados de 700 anos. Wall e ficou maravilhado, irremediavelmente perdido por Eve. Mas Eve não podia ter por Wall e algo mais do que simples curiosidade. Passaram momentos juntos, descobrindo-se, passaram provações. Eve aos poucos deixou de estranhar aquele mundo primitivo de Wall e, deixou de se sentir ameaçada e aos poucos superou a falta de vocabulário de Wall e…
O amor é uma ponte entre dois mundos separados entre si de 700 anos.
Blonde voltou a redescobrir o amor. E a viagem só agora começou…
Nao acho triste Blonde. Nascer e morrer por si só já é muito bom. Existir é bom nao achas?
Jokas :)
ps: o jardineiro não 'folga' hoje? lolololol
Está-me cá a parecer que se não fosse esse exercício intelectual, o concerto teria sido uma grande seca.
"Comparei-a a uma blogger. Sim, pensei que cada canção podia ser o post de uma mulher sensível que se detém no seu mundo e cristaliza cenas e pensamentos num momento parado na escrita. Envolve esses momentos numa semi-religiosidade e auto-revê-se de fora e, desse modo, compõe e canta." Excelente análise. :)
Mas há aqui uma frase que não está de acordo com o espírito do post "ali todos os sons "ss" e "zz" que fazem do Português uma língua áspera como o vento que sopra por entre folhas secas"; ao invés de "folhas secas" deveria estar "restolho"... :)
I told you (about the concert)!...
Mas se queres explorar o universo da música portuguesa, porque não começares por Sétima Legião, UHF ou até mesmo Xutos e Pontapés?
Quanto à história de WALL E, vale a pena ver...
O post é um mimo! Além de ter aproveitado para "reflectir" quando poderia só ter-se lamentado por não estar a gostar do espectáculo, ainda sintetisa a reflexão de um modo criativo!
Também não conheço muito bem a "obra" da Mafalda Veiga. Desde o seu primeiro sucesso, [violento sucesso que nos pôs a ouvir o
"Pássaros do sul
bando de asas soltas
trazem melodias
p'ra cantar às moças
em noites de romaria
em noites de romaria
lai lai lai lai lai
a toda a hora] que pouca atenção dei ao que foi saindo.
Agora Blondíssima: o verso que fixou, parece-me que quer dizer o contrário...
"Há que ser trigo depois de ser restolho"... Há que voltar a ser vida mesmo depois de ter sido um caule de gramínea ceifado... Não?
É um grande prazer vir aqui!
:))
E eu que sempre pensei que era impossível filosofar ouvindo a choradeira da Mafalda Veiga ...
Quanto ao "fiel jardineiro", apareceu ou não?
Não trocava 5 minutos de Mozart por duas horas de Mafalda Veiga.
De resto, nada como os nus gregos periclesianos e a estatuária romana clássica para nos fazer pensar na raiz da nossa 'solitate' solidade, soidade, saudade: há no Português somente a nostalgia de uma Tróia Incendiada, de uma Cartago violentada, de ser um todo imperial, quando o Latim rústico unia o que é hoje a Romenia ao nosso extremo ocidental.
Mafalda Veiga é somente um trovador bem simples a fazer eco e aliás incompatível com gente que não cabe em si de importante.
Acredito, com a minha medula, na floricultura das almas e na prevalência dos trastes.
É por essas e por outras que o amarelo sobrevive - se gostássemos todos da mesma cor, coitadinho dele, do amarelo...
De qq forma, a análise da Blonde é, para variar, inteligente e bem humorada. Que mais podemos querer?
António,
Também não aprecio Mafalda Veiga por aí além, mas valeu a experiência. E, já agora, sem gozo nenhum, vocês que me arrastam para o Nick Cave, pensam que eu não era menina de ir vê-lo em concerto? Pois desenganem-se que até ia!! E esta, hein?
Implume,
Está-me cá a parecer que andas a ver muitos filmes infantis, ó homem! E já agora esclarece-me aqui um pequeno pormenor: que raio de amor é que a Blonde redescobriu? SE mo quiseres apresentar também não te ficaria nada mal:)
Dante,
Tu não me fales em morrer que isso é um bocado mórbido para Blondes como eu. Nós gostamos mesmo é de vida!!!! Muita vidinha!!!!!
José,
Grande seca não diria, mas a modos que uma semi-sequita!:)
Alexandre,
Point well taken!!!!! Bem vista essa do restolho e do vento! Gostei!
Tina,
Pois disseste e, se bem me lembro, até me aconselhaste a levar uma almofadita... Agora UHF????!!!!! Tu vê lá ao que sujeitas os meus afilhados, ouviste? Tu não me traumatizes os mafarricos!
mdsol,
Querem lá ver que eu não percebi que o verso tem aí essa preposição "de"? Não me espantava nada! Pois, é que se for assim muda o sentido todo, é verdade!!!!
O prazer em recebê-la é todo meu, creia.
Quinn,
Párem tudo!!!! Tu queres ver que há, por uma única e primeira vez nesta vida, um ponto musical em que Quinn e Blonde se entendem?! Tu não me vais zurzir a paciência desta vez? Não posso crer!
Josh,
Liebling, se me traduzires a tua última frase pode ser que eu entenda o sentido. No resto, só tu mesmo...
PRD,
"Que mais podemos querer?" Bem, eu querer até queria muitas coisas... Mas para já, comentários dessa natureza já são qualquer coisa:)
Blondinha!
Tem lá um desafio no branco no branco. Boa sorte!
:)))
Ó Carol,
Para a próxima a ver se te lembras de dizer aqui a esta alma onde é que o Jorge Palma vai tocar (mas vê lá para onde mandas uma pobre Blonde: dava jeito aqui pelos lados da capital, right?).
mdsol,
Xiiiii, coisa tão difícil! Mas vou pensar e logo cá venho com meia dúzia de coisas (não sei bem o quê, mas algo se arranjará!).
O amor pelas coisas simples e pela diferença!
Nup, Mafalda Veiga never, não gosto, quem ouviu uma musica ouviu todas e mesmo essa uma não é grande coisa...
Estou como a Carol gabo a tua paciência.
Jorge Palma tem coisa muito boas, outras menos, mas é melhor ouvires os albuns, se vais a um concerto corres o risco de ele estar completamente bebado e não cantar um caracol....hehehe
beijos
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