22 de fevereiro de 2009

Nem cá, nem lá



Vivo entre malas por desfazer e hotéis diferentes. Transito entre a pronúncia do Norte e o arrastar das palavras do Sul. Na solidão das viagens vejo a Vida como uma infinita sucessão de possibilidades. Pacifico-me. Dou-me o tempo necessário a deter-me no percurso. Faço desvios e evito as linhas rectas. Saboreio esta imensa liberdade e agradeço baixinho: não sei a quem, não sei a quê.

Por entre a claridade ofuscante dos raios de sol reflectidos no mar, vejo alguém que traz, suspensa no braço, uma cadeirinha de bebé. Não tenho filhos, mas se os tivesse acho que os carregaria assim, a tiracolo, parcelas pequenas numa alcofinha suspensa como uma carteira no meu braço. Gosto da imagem que me fica a pairar na retina. Olho o mar, o horizonte longínquo que se esbate nas ondas revoltas e brancas que fustigam o areal. O brilho intenso do espelho marinho fere-me os olhos pouco dados a grandes claridades. Mas gosto do calor plácido que me aquece a face e que sinto passar por entre a roupa até me tocar a pele. Aproveito os instantes.

A viagem segue. Tenho metas meridionais nas grandes planícies. Alguém me telefona e desvio-me do percurso. Páro na capital da República. Preciso encontrar ovos Kinder. Prossigo. Detenho-me para dar beijos e ovos de chocolate aos meus afilhados. Sou a super-madrinha! Sigo novamente. Na noite escura a planície é apenas uma infinita mancha plana e negra. Não sei onde estou, mas estou algures. Aprecio a sensação da falta de familiaridade. Estou longe de tudo. Levo-me a mim própria e noto que gosto da companhia. Sigo na estrada sem fim, pressinto a presença da paisagem que me envolve. Abro caminho, o meu caminho...

16 comentários:

Unknown disse...

Ai os telefonemas em viagem! São do melhor, não são? Primeiro O norte e a serra depois as lezírias, e finalmente o encontro no deserto. E o leite creme? Ou já te esqueceste?
Beijocas e até à próxima viagem

Blondewithaphd disse...

O leite-creme... Faltou a marmita:)

Anónimo disse...

Ando cá desconfiado que a companhia não deve ser má. não senhor!
O texto está catita, pois está, mas gostei desse remate de te levares a ti própria e de notares que gostas da companhia!
Quando se está assim, somos quase imparáveis!

António de Almeida disse...

Ultimamente tenho viajado pouco, mas viagens solitárias na companhia do telemóvel e do auto-rádio foram centenas. Percebo exactamente o que escreveu.

Anónimo disse...

tenho a grande felicidade de viver uma vida assim. Errante e (relaivamente) descomprometida com horários. Por vezes sinto-me um io-io. Não a trocaria por nada!

Vivi disse...

Só tenho uma coisa a dizer: ADORO O TEU BLOG! SÉRIO!!! =))

antonio ganhão disse...

Tomas-te por boa companhia? Ainda bem! É que por vezes consegues ser bastante cruel...

Anónimo disse...

Dearest Blonde,
Afinal sempre estou "alive"!

Que texto mais belo, este.
Mais do que palavras bem escolhidas e ordenadas é um catalizador de sentimentos. Estive contigo na praia. Vi, de facto uma mãe com o seu rebento. Que lindo é este mar...

Saudações.

mdsol disse...

Levas-te a ti própria
Gostas da companhia
Pressentes o que te rodeia (não te alienas)
Abres caminho, ainda por cima o teu caminho...
Menina, além de escreveres muito bem, pensas e sentes ainda melhor... E, viva a tua liberdade!

beijinho
:))
[Ah! E decididamente também não gosto de carnavais ]

Alexandre disse...

trail blazing. sabe sempre tão bem.

Blondewithaphd disse...

Quinn,
Mas tu duvidas que a minha seja uma ÓPTIMA companhia?!

António,
Pois eu ando feita caixeira-viajante (versão académica!). É, o rádio e o tlm acabam por ser grandes companheiros de viagem!:)

Carlos,
Acho que, no final de contas, acabamos por ser uns privilegiados, não concorda?

Vivi,
E que tal escreveres umas coisitas no teu, hein? ;)

Implume, Implume,
Não há razão para enxofrares essas penas...

André,
Welcome back to life, man!!!! Ah, faltou dizer que aquele mar é ali em Espinho!

mdsol,
Porque será que os teus comments me deixam sempre a sorrir? :) Gracias guapa!

Alexandre,
É bom não é? Muito bom, really!:)

joshua disse...

Blonde, meu Tesouro, inteligentíssima, ultrassensível, como me sinto penetrar na densidade da tua solidão densa! Revejo-me e reencontro-me nela, foi-me sempre um Líquido Amniótico, fonte de Êxtase e de Misticismo de cortar à faca.

O teu texto reclama por quem te ame devastadora e edificantemente de novo ou pela primeira vez porque é sempre absoluta a próxima vez. E talvez, biologicamente podendo, possas encontrar um Porto no Fruto Mesmo das tuas Entranhas.

Quando a Filosofia e a Teologia não nos podem valer, muito menos a nossa magnificente autossuficiência, ainda podemos ser salvos pela Biologia.

Um Beijo Intenso!

o teu josh

Joaninha disse...

Não sei porquê, mas vi logo que a praia era no norte. Olha pergunta ao Ferreira, ele talvez te saiba explicar, as praias do norte são diferentes, tem um não sei o quê....Que nos enche a alma.

Posto isto minha querida, está absolutamente divino o texto...Eu cá fiquei cheia de saudades das minhas viagens de Lisboa a Bragança, ou de Bragança a Seia, sozinha...Eu o meu carro, o meu radio, e a beleza estonteante do nordeste transmontano....

beeijos

Anónimo disse...

Nem por sombras, minha "dearest", nem por sombras!

Ia lá eu agora duvidar da riqueza contagiante da companhia?

E quando quiseres umas lições sobre praias prenhas de iodo, fala cá com o rapaz!
Até sou homem para te levar a comer um peixe grelhado a saber mesmo a mar e umas verduras a saberem a horta e a terra ... batata não, que já sei que a menina tem uma relação complicada com a batata!

Anónimo disse...

«Vivo entre malas por desfazer e hotéis diferentes. Transito entre a pronúncia do Norte e o arrastar das palavras do Sul. Na solidão das viagens vejo a vida como uma infinita sucessão de possibilidades. Pacifico-me. Dou-me o tempo necessário a deter-me no percurso.»

Já somos dois, minha cara, somos dois! Cumprimentos.

Daniel Santos disse...

Belíssimo momento.