6 de agosto de 2009

Dia 6


Acordo cedo (como de costume). Hoje decido que vou tomar o pequeno-almoço a Fronteira. Não sei o que exista lá de interesse turístico para Louras com PhD, mas vou. Descubro que têm um Grémio Artístico, o que quer que isso seja, e admiro-me na admiração idiota de citadina que desce à província. Eu conheço o Grémio Literário em Lisboa, onde imagino sempre que me vão saltar à vista o Eça ou o Batalha, agora este Grémio? O que será? Não sei e continuo sem saber embora ache uma delícia.
No largo do centro histórico faço a habitual entrada triunfal da bimba loura de óculos escuros e chapéu de abas. Já sei que me vão dizer:
- A menina nã é daqui, pois não?
- Não, não estou só de passagem.
Não precisava adivinhar e também já me habituei à cena da loura no aquário. Saio do café e sigo para ver as vistas. Há um oratório fechado que me apetece ver.
- Ó que pena estar fechado. - Pronuncio alto a uma senhora que está a caiar uma empena de uma casa em frente.
- É bonito, menina. Experimente ir ali àquela casinha, tá vendo ali, e pergunte lá pela chave.
Não preciso. Alguém ouviu a minha conversa e vem com uma chave. Passam-ma para a mão e eu própria vou sózinha abrir o oratório.
Silêncio. O silêncio da paisagem grande transportado ali para aquele cubículo em forma de santuário. Cheira a cal e a fé, a velas e a mofo. Perco uns minutos a absorver a fé dos alentejanos.
- Obrigada, gostei muito.
- É bonito, nã é, menina?
- Sim, muito. Mesmo muito bonito.
- Vou lá pôr uma velinha por si, menina.
Nem sei o que respondi de tão atónita pelo espírito pacato e humilde destas gentes que caiam casas e rezam aos santos na imensidão quente da planície seca.
Sigo para o Redondo. Aqui há dias vi um anúncio em Monforte que falava de ruas de flores de papel. Quero ir ver o que é.
Atravesso a Serra de Ossa com o Freddy Mercury a cantar "Who Wants to Live Forever". Canto baixinho e contente porque era uma das canções preferidas da Mãe (que pronunciava sempre "Marcurry" à alemã). You wouldn't want to live forever, Mutti.
- Desculpe, para o Redondo? - Pergunto às primeiras pessoas que vejo à sombra de um toldo de supermercado na primeira povoação depois da serra.
- O Redondo é isto!
- ?! - Caramba, e onde é que estava a placa indicativa?
Entre manobras e contra manobras com a carrinha lá consigo estacionar mais ou menos onde me indicaram. Percorro as ruas enfeitadas a papel multicolor numa demonstração da cultura popular que atrai forasteiros, como eu, à vila. Not my cup of tea, mas aprecio a experiência naïf e, claro, a paciência e o trabalho dedicado que deve dar montar uma coisa destas.
Já que estou aqui, apetece-me levar vinho do Redondo. Pergunto pela adega cooperativa e lá vou eu, sabendo de antemão que me vou perder mais a carrinha um cento de vezes. Entro na adega. Não vejo loja nenhuma. Aliás, não vejo ninguém. Entro por portas abertas e dou comigo no laboratório. Depois passo para a adega dos tonéis. Ainda penso gritar o inglório"Está aqui alguém?", mas refreio o ímpeto. Oiço martelar em metal e sigo a origem do som.
- Boa tarde. Desculpe, sabe onde se vende vinho?
O homem deixa de martelar e juro que consigo ver-lhe um enorme ponto de interrogação a pairar sobre a cabeça.
- Ai menina, isso é lá na adêga mais êm baixo. - Explica qual a rotunda que tenho de tomar, a saída e todos os etcs.
- Então já foi à nossa festa?
- Ó sim, venho de lá agora.
- E gostou? É bonita de se ver, nã é?
- Sim, muito bonita.
Trago vinho em garrafas que tilintam na bagageira. Algures a meio da serra passo por cima do único buraco nas estradas no Alentejo. Que raio foi aquilo?
Chego a Estremoz e ouço o meu neurónio dizer qualquer coisa que não percebo (o normal!). Travo o cérebro a fundo e, sem saber como, dou comigo a caminho de Vila Viçosa: o primeiro palácio português que vi devia ter alguns 7, 8 anos.
Entro na visita guiada das 4 da tarde. Lenta. Desinteressante. Oiço o guia dizer que o Kaiser Guillherme II começou a II Guerra e que Queens é um bairro negro. Inspecciono o grupo. O desgraçado do único alemão que lá vai não fala português, Gott seid Dank!, e não há americanos. Acabo de destruir uma memória boa da infância e fico danada com a ideia peregrina desta cabeça loura. Chego ao carro e tenho um pneu em baixo. O único buraco de estrada no Alentejo deu-me cabo de uma jante! Tenho assistência em viagem mas não estou para esperar eternidades.
O resto é a história típica da Loura desconhecida numa oficina de pneus... Mas, ao menos, venho de volta a Cabeço de Vide com os pneus numa maravilha. Am I good or what? Damm, I'm good!
Foi um dia bom. Um dia destes bons aqui no Alentejo.
Chego a casa. Um corcel atropela-me e acho que tenho um enfarte. Deve ter sido das amoras silvestres.

8 comentários:

antonio ganhão disse...

O mundo esforça-se, mas nunca estará à altura de uma loura com PhD...

Daniel Santos disse...

grande viagem...

Carol disse...

Ó Blondie, estas crónicas de viagem são uma delícia de se ler! Já me arrancaste uns quantos sorrisos e olha que isso, para esta aloirada mal acabada de acordar, é um feito e tanto!

António de Almeida disse...

Andou demasiado para um dia apenas, perdeu o convento na Serra d'Ossa, e se pretendia vinho, Borba também merecia uma visita, aliás como Estremoz. Compre pelo menos em Portalegre, que é bom, e também enchidos em Sousel.

Unknown disse...

Bela Blonde,

é sempre um prazer ver as suas notas de viagem. O pneu é pena mas acontece aos mais prevenidos.

Em relação aos vinhos vou andando de acordo com os comentários anteriores, mas deixe-me juntar que para os acompanhar faltam os queijos e as chouriças, e se os há bons por aí.

E sim o povo é simples e bem intencionado como em quase todo o País.

Em Cabeço de Vide lembro-me de uma velhinha que os vendia de estalo, do melhor. E porque não uns torremos do rissol.

Enfim, gastronomias do petisco...

Boas continuações.

mdsol disse...

Linda.
:))

Canseiroso disse...

«Só uma pena me existe....minha doce jovenzinha....é olhar pro tê rosto e ver-te assim tão criancinha....
Ver-te assim tã criancinha....ver-te assim tã poca idade....só uma pena me existe oh minha doce saudade...»

Por sugestão deste alentejano peço-lhe «encarecidamente»...que peça para lhe cantarem esta moda para os lados da margem esquerda do Guadiana...

Adoa Coelho disse...

Bonito relato, muito bem escrito!

Adorei o "Mutti"!

É tão carinhoso!