A purga continua.
Ando há três dias enfiada na biblioteca e no escritório cá de casa a ver se ponho, finalmente, alguma ordem em papéis, livros, pastas, prateleiras. Obra titânica. Já não se trata de expurgar o meu espaço de uma existência que por aqui andou sem saudades. Essa fase já está. Agora sou eu que me arrumo a mim própria para abrir um espaço limpo de inutilidades, redundâncias. Limpo até de mim.
Pergunto-me a cada instante que razões saudosistas me terão levado a guardar versões inacabadas de teses de mestrado e doutoramento, versões corrigidas, versões editadas, versões comentadas. Só papel. Fiquei apenas com as teses finais, cujos títulos, descubro, com imenso prazer, já não sei. Também deitei fora as versões papel de artigos publicados e fiquei só com as versões conclusas e efectivamente publicadas. As empresas de reciclagem vão agradecer.
E livros? Fiz uma pilha de livros para doar (aceitam-se sugestões de destino final) daqueles que, por inerência profissional recebo, que nunca abri e que, em rigor, nunca vou ler. O mesmo fiz com as carradas de cópias inúteis de livros com publicações minhas e que as editoras dão aos autores sabe Deus para quê: os meus amigos não deverão achar grande piada às secas que escrevo profissionalmente, portanto, não me vou armar em grande dama da ciência e estar a oferecer leitura absolutamente desnecessária e desinteressante aos meus amigos, claro. Também aceito ideias de doação neste caso.
Revistas? Ui... Decidi, aí sim com algum custo, desfazer-me das minhas revistas de moda: as Vogue e as Elle em edições portuguesas e estrangeiras. Eu, que sem ser fashion victim, sou uma fashion follower, tive mais pena de atirar o coração ao alto pelas minhas revistas de moda do que pelos livros científicos que não vou ler. Fútil? Sim, talvez seja um pouco. E daí? Guardei, no entanto, algumas Vanity Fair, todas as National Geographic, algumas de viagem, uma ou outra edição especial da Time e dessas que tais, uma ou outra Stern e deitei fora todas as de decoração e arquitectura. Também guardei uma ou outra revistas dos meus interesses profissionais. Mas tudo em doses espartanas, diria mesmo: muito espartanas.
Sinto que até respiro melhor, mais um eu leve, como se me desagrilhoasse de coisas que me prendiam simbolicamente. Mas ainda falta muita coisa. Só lembrar-me das resmas de documentos por catalogar... Eles ali a olhar para mim e eu a olhar para eles e vontade, nada. Acho que vou deixar isso para o aconchego do Inverno. E também vou ter de ordenar os cds e, se calhar, não era má ideia passar o pano-do-pó em cada um.
Vida, vida, que a domesticidade tem que se lhe diga! Só que, sem ela, nem vivemos nem nos encontramos no nosso espaço mais Eu.
15 comentários:
quando acabares aí em casa, passa pela minha - dava-me jeito a experiência que ganhares nessa tarefa, para me fazeres uma outra igual (devo ter duas florestas de bom porte em papel desusado em casa) :)
Porque é que guardaste essas versões todas? Eu explico-te: porque tens dificuldade em deitar coisas fora, como eu. Porque podem ser necessárias. Porque podem ter uma frase útil. Porque pode ser interessante ver a construção de um pensamentos que depois não foi para a frente.
Olha... porque somos um bocado lixeiras! E, como eu, possivelmente também transportas esse acumular de coisas para a vida. E na vida, como nas arrumações, é preciso deitar fora o supérfulo. E deixar mesmo só as versões finais. Viver com as perfeições e imperfeições destas.
Também tenho grandes arrumações para fazer. Mas algumas há estão feitas há muito.
Eu adoro mexer em livros, revistas e afins...
odeio jornais porque fico com as maus sujas mas livros antigos... fico deliciada :)
Eu cá não guardo nada que não seja mesmo necessário guardar, tenho o defeito contrario, todos os anos limpo tudo o que é papel, revista, livro etc que não seja util...Não gosto de tralha a empatar o meu espaço.
Beijão loirinha
Tens aqui um pobre ansioso por cultura e por livros :)
Por falar em arrumações, acabei de mudar de casa...
A quantidade de tralha que uma pessoa guarda sem dar por isso... Quanto ao destino a dar-lhe é que já não faço ideia! Talvez "googlar" "doar livros" ou coisa parecida, não?
...another step ahead!
Bolas...quando leio, não sei bem porquê tenho a sensação de me estar a rever...revistas pois...NG, Historia, Archaeology, BAR, KMT e Almadans e dezenas de publicações nacionais sobretudo de arqueologia, egiptologia e história...
Depois as de artes marciais, livros é melhor nem falar...e papéis inerentes acho que tenho mesmo que me organizar porque a «rentrée» está à porta...
As existências que nos habitaram são mais difíceis de expurgar do que o pó que insiste em permanecer agarrado a tudo, a nós.
brilhante
só sei dizer
brilhante
as minhas desculpas pela intromissão... :-(
já reparaste que a tua última frase é um poema?
não tirei nem acrescentei palavras... só alguma pontuação desnecessária
aqui vai:
Vida vida
que a domesticidade
tem que se lhe diga
Só que sem ela
nem vivemos
nem nos encontramos
no nosso espaço
mais Eu
parabéns, poetisa
na versão prática,
livros: oferecer a bibliotecas que os possam usar - paróquia, biblioteca nacional,...
Revistas: oferecer para as bibliotecas tb é uma ideia.
agora o arrumar: é algo que é necessário mas se levado a bom termos ajuda a alma. adorei o teu texto.
Beijos Blonde
Blonde,não achas q (nas devidas categorias) se fazem por aqui comments tão bons como os posts?
No doubt, intelligent people are around.
É melhor usar a máscara (pode ficar já de reserva para o Outono e a famigerada Gripe A), porque a livralhada é dada a fungos marados. Claro que há quem goste de snifá-los. Eu prefiro usá-los numa sopinha de cogumelos com ervilhas e presunto.
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