"Despedi-me das ovelhas,
Do meu cão,
Das casas velhas,
Do lugar onde nasci, ai, ai, ai..."
Apetece-me cantar esta canção. Certo que nasci numa grande cidade do Norte da Europa, mas ali, no meio da imensidão alentejana onde por estes dias me senti tão bem e tão em casa, apetece-me cantar esta canção alegre de despedida. Já fiz viagens fantásticas por esse mundo fora. Já estive em lugares de sonho exóticos. Porém, poucas viagens me têm deixado esta sensação pacificadora cá dentro do peito. Não sei explicar. Emudeço. São as primeiras férias em muitos anos que passo sem a figura de um marido e de amigos. Acho que faço um ritual de passagem e assumo esta minha vida nova com uma alegria inexplicável. Descubro que gosto da minha companhia. Perco-me sem bússola no meio dos meus pensamentos. Estou feliz para além de quaisquer palavras. Tão feliz que gostava de contagiar o mundo e repartir por todos esta sensação. Continuo sem saber explicar. E pasmo. Pasmo porque não precisei de ir ao Tibete ou ao cume do Kilimanjaro ou a um sítio inolvidável desses para ter esta experiência benigna de revelação feliz. Foi ali, no meio do campo alentejano, sob o luar cheio num céu infinito. Ali, a ouvir os badalos das ovelhas pela manhã e a apanhar amoras pela fresca. Ali, nas estradas infindas que atravessam a fronteira e nos levam ao passado em Mérida ou que sobem a Serra d'Ossa e desembocam em povoações decoradas a papel recortado. Penso em todas as férias maravilhosas que já tive: o Algarve da minha infância com a Tante Ruth e a Tante Henny a corrermos pelo sapal em Vale de Lobo, o deserto que amo e que me chama como sereia, a rota do Marco Polo na Ásia Menor, o Nilo, o Niagára, nem sei. Tantas férias maravilhosas e estas foram tão absolutamente especiais e únicas. E não precisaram de nada de extraordinário, só o céu, a estrada longa e o montado como paisagem. Tão pouco, e contudo, tanto...
Eu pensava que, nas férias perdida no Alentejo, me ia armar em Karen Blixen e trabalhar num livro que, por timidez, nunca deverá ver a luz do dia, ou que ia preparar papers para o novo ano académico. Mas nada. Havia sempre um chamamento qualquer que me levava para longe de escritas e trabalhos. Sempre uma tentação, à qual eu docemente sucumbia, que me transportava à terra seca, às sombras das árvores ou à estrada longa que acabava algures num horizonte inusitado. Qual Karen Blixen! Eu fui a Blonde miúda, a Blonde Blonde em paz com ela na curiosidade destes dias em que solidão foi tudo o que eu não senti.
Despeço-me. Caminho uma última vez com o meu chapéu de abas pelo restolho entre os sobreiros. Colho amoras que vou trazer comigo. Apanho fenos e galhos. Vou à horta e arranco pés de beldroegas que aposto a Zana não sabe que são deliciosas nas saladas. Inspiro o ar morno e sereno da tarde. Lentamente dou-me o tempo que me prepara para o regresso. E fico feliz por ter tanto de bom que me faça regressar à casa que amo com o seu cheiro a madeira antiga e polida, ao meu cão que me vai ignorar pelos dias de ausência, à minha família milagrosa porque só um milagre cósmico justifica a existência em união destas pessoas tão fabulosas e aos meus amigos que nunca me deixaram soçobrar quando a maré era mais forte do que eu.
Zana e Zé, obrigada por me terem dado as chaves da vossa casa e ma terem confiado nestes dias de sol e alegria.
Do meu cão,
Das casas velhas,
Do lugar onde nasci, ai, ai, ai..."
Apetece-me cantar esta canção. Certo que nasci numa grande cidade do Norte da Europa, mas ali, no meio da imensidão alentejana onde por estes dias me senti tão bem e tão em casa, apetece-me cantar esta canção alegre de despedida. Já fiz viagens fantásticas por esse mundo fora. Já estive em lugares de sonho exóticos. Porém, poucas viagens me têm deixado esta sensação pacificadora cá dentro do peito. Não sei explicar. Emudeço. São as primeiras férias em muitos anos que passo sem a figura de um marido e de amigos. Acho que faço um ritual de passagem e assumo esta minha vida nova com uma alegria inexplicável. Descubro que gosto da minha companhia. Perco-me sem bússola no meio dos meus pensamentos. Estou feliz para além de quaisquer palavras. Tão feliz que gostava de contagiar o mundo e repartir por todos esta sensação. Continuo sem saber explicar. E pasmo. Pasmo porque não precisei de ir ao Tibete ou ao cume do Kilimanjaro ou a um sítio inolvidável desses para ter esta experiência benigna de revelação feliz. Foi ali, no meio do campo alentejano, sob o luar cheio num céu infinito. Ali, a ouvir os badalos das ovelhas pela manhã e a apanhar amoras pela fresca. Ali, nas estradas infindas que atravessam a fronteira e nos levam ao passado em Mérida ou que sobem a Serra d'Ossa e desembocam em povoações decoradas a papel recortado. Penso em todas as férias maravilhosas que já tive: o Algarve da minha infância com a Tante Ruth e a Tante Henny a corrermos pelo sapal em Vale de Lobo, o deserto que amo e que me chama como sereia, a rota do Marco Polo na Ásia Menor, o Nilo, o Niagára, nem sei. Tantas férias maravilhosas e estas foram tão absolutamente especiais e únicas. E não precisaram de nada de extraordinário, só o céu, a estrada longa e o montado como paisagem. Tão pouco, e contudo, tanto...
Eu pensava que, nas férias perdida no Alentejo, me ia armar em Karen Blixen e trabalhar num livro que, por timidez, nunca deverá ver a luz do dia, ou que ia preparar papers para o novo ano académico. Mas nada. Havia sempre um chamamento qualquer que me levava para longe de escritas e trabalhos. Sempre uma tentação, à qual eu docemente sucumbia, que me transportava à terra seca, às sombras das árvores ou à estrada longa que acabava algures num horizonte inusitado. Qual Karen Blixen! Eu fui a Blonde miúda, a Blonde Blonde em paz com ela na curiosidade destes dias em que solidão foi tudo o que eu não senti.
Despeço-me. Caminho uma última vez com o meu chapéu de abas pelo restolho entre os sobreiros. Colho amoras que vou trazer comigo. Apanho fenos e galhos. Vou à horta e arranco pés de beldroegas que aposto a Zana não sabe que são deliciosas nas saladas. Inspiro o ar morno e sereno da tarde. Lentamente dou-me o tempo que me prepara para o regresso. E fico feliz por ter tanto de bom que me faça regressar à casa que amo com o seu cheiro a madeira antiga e polida, ao meu cão que me vai ignorar pelos dias de ausência, à minha família milagrosa porque só um milagre cósmico justifica a existência em união destas pessoas tão fabulosas e aos meus amigos que nunca me deixaram soçobrar quando a maré era mais forte do que eu.
Zana e Zé, obrigada por me terem dado as chaves da vossa casa e ma terem confiado nestes dias de sol e alegria.
15 comentários:
É o que eu digo: estar sozinha é uma arte. Estou também a cultivá-la. Se fosse uma planta, estaria neste momento a tentar analisar se lhe faltaria água ou nutrientes. Mas vai florir de novo, isso eu sei!
Parabéns pelo teu reencontro contigo mesma.
Parabéns por te encontrares e pelo texto!
Fantástico como o mais simples dos lugares nos faz maravilhas!
Beijos!
o lugar onde és presente é o lugar especial, e o lugar físico é secundário
o que me pergunto, e não é retórica, é pergunta que faço e procuro de resposta, é esta: como cultivar o estado de ser presente, de viver o momento, de estar entregue, de modo tal que se viva esse estado sem ser por um momento excepcional
vou encontrando aproximações de resposta, e nisso vou sabendo que me aproximo da felicidade, que eu sei que não é utópica, que é bem real, que se cultiva e caminha longa longamente, num estado de ser-se muito e longamente
nenhuma caminhada é sem momentos menos bons, e uma caminhada só de momentos bons era capaz de se transformar em chata, e uma caminhada de descobertas de como ser o ser presente deve ser interessante e resultar nalguns frutos; acredito nisto
Um dia descobrimos que existe mais do que aquilo que conhecemos. Um dia começamos a olhar a vida com outros olhos. Se calhar, comigo foi, ela sempre ali esteve, nós é que vivíamos para o dia a dia, donos de um mundo de plástico.
Quanto a estar só, primeiro estranha-se, depois entranha-se, espero que não seja a última vez que se perca no Alentejo, aquela região e suas gentes, merecem bem que os descubra.
Antes de desgraçares as beldroegas numa salada, follow the link:
http://pedroroloduarte.blogs.sapo.pt/66356.html
... E verás que és mais feliz!
Beijoooooo
PRD
Until you realise the true Way, whether in Buddhism or in common sense, you may think that things are correct and in order. However, if we look at things objectively, from the viewpoint of laws of the world, we see various doctrines departing from the true Way. Know well this spirit, and with forthrightness as the foundation and the true spirit as the Way. Enact strategy broadly, correctly and openly.
Then you will come to think of things in a wide sense and, taking the void as the Way, you will see the Way as void.
In the void is virtue, and no evil. Wisdom has existence, principle has existence, the Way has existence, spirit is nothingness.
in "Book of the Void" - Miyamoto Musashi
Creio que já lhe disse num comentário , num otro dia, que a melhor sensação da vida é viajar sozinho e encontrarmo-nos. Aprender a gostar de nós e a conhecermo-nos melhor. Em férias no Alentejo ou no Douro, a viajar pelo mundo, fora dos roteiros turísticos, tendo encontros casuais que tanto podem durar uns dias como umas horas, são momentos de Liberdade que nos fazem bem. Percebo muito bem a sua alegria. Pelo menos duas vezes por ano, procuro esse encontro comigo ( cá dentro ou lá fora, é uma questão de oportunidade) e fico sempre nesse estado. Mantenha-o o mais tempo que puder, Blonde, poque o regresso às rotinas diárias faz dissipar esse estado impossível de transmitir.
Regressando à terra... Registei o seu reparo, mas sabe que lá no CR há muitos leitores da minha geração e quando regressei de férias vinha com alguma nostalgia, por razões que um dia destes vou explicar.
De qualquer modo, aqui fica o aviso: acabo de postar sobre uma coisa para Under- 30. creio que vai gostar, mas depois diga de sua justiça.
Continuação de boas férias
Creio que já lhe disse num comentário , num otro dia, que a melhor sensação da vida é viajar sozinho e encontrarmo-nos. Aprender a gostar de nós e a conhecermo-nos melhor. Em férias no Alentejo ou no Douro, a viajar pelo mundo, fora dos roteiros turísticos, tendo encontros casuais que tanto podem durar uns dias como umas horas, são momentos de Liberdade que nos fazem bem. Percebo muito bem a sua alegria. Pelo menos duas vezes por ano, procuro esse encontro comigo ( cá dentro ou lá fora, é uma questão de oportunidade) e fico sempre nesse estado. Mantenha-o o mais tempo que puder, Blonde, poque o regresso às rotinas diárias faz dissipar esse estado impossível de transmitir.
Regressando à terra... Registei o seu reparo, mas sabe que lá no CR há muitos leitores da minha geração e quando regressei de férias vinha com alguma nostalgia, por razões que um dia destes vou explicar.
De qualquer modo, aqui fica o aviso: acabo de postar sobre uma coisa para Under- 30. creio que vai gostar, mas depois diga de sua justiça.
Continuação de boas férias
Olá :)
Já estou de volta!
:)
A interioridade portuguesa pode provocar esses estados de excitação, semelhantes a subir o Kilimanjaro...
Bem regressada a casa.
Contribuir para a felicidade alheia carrega-nos de felicidade. Comprovado!!!
Que bom Blondinha!
Fico contente por ti.
Não é só virtualmente que torço por ti!
Beijinho e bom regresso
:)))
Enviar um comentário