Quando eu era miúda e escrevia-me nas páginas dos diários que todas as adolescentes guardam, tirava sempre o dia anterior ao meu aniversário para me deitar a escrever o que fora o meu ano de Vida. Deixei-me disso quando veio a Vida, aquela que nos consome os momentos adultos. Mas hoje repego o hábito esquecido na gaveta que quase nunca se abre.
Este tinha tudo para ser um ano mau: o divórcio que se prolonga infindo nas barras dos tribunais, o aprender a viver na solidão desacompanhada, porque da outra havia uma rotina muito oleada que me fazia até preferi-la ao meu casamento, o reaprender a estar neste casarão sem a família tal como eu me lembro dela existir antes de a Mãe morrer, o curar o coração dos abanões que levou no entretanto, enfim o ser Eu por Mim. Estavam lá todos os ingredientes para a hecatombe, para o desânimo, a dúvida, a fraqueza e a falta de vontade para ir em frente nos dias em que quase não apetecia levantar, nos dias em que as lágrimas vinham de manso, nos dias em que o paternalismo amigo dos que nos amam só nos apieda de nós próprios e nos vulnerabiliza, nos dias em que pura e simplesmente nada faz sentido e tudo pesa mais do que o que podemos carregar no nosso cansaço.
No entanto, acabou por ser um ano bom, um ano entre os melhores. Voltaram os sorrisos e a voz soltou-se na vontade de cantar depois da mudez. Descobri-me tanto. Despi-me tanto: aos meus olhos e aos dos outros. Passei de um estado de transparência perante a Vida para um outro de densidade, de agarrá-la mais do que nunca. Desmecanizei-me de tantos grilhões rotineiros. Apreciei tanto a minha solidão em mim comigo.
Não fiz tudo sózinha. A família estava lá: todos nós e cada um dos três a viver uma vida nova num caminho novo que fizémos e a que nos tivémos de habituar depois de a Mãe partir. Voltei a ter o Pai, o Papi que eu não conhecia desde que o descobri Homem e não Pai e como custa descobrir que os nossos pais são outra coisa que não somente pais depurados de todas as outras facetas de homens, humanos e masculinos. A Mana cuidou de mim e não o inverso: afastou-me de solidões porque nunca me tinha visto na solidão, sabia-me solitária, sempre, mas não me conhecia dona de mim por mim. E estavam lá os amigos, as bóias de salvação a que eu sei me posso agarrar quando o quotidiano me atemoriza mais ou me fustiga mais do que o costume. Estavam lá, mesmo. Porém, o caminho era meu, uma espécie de via-sacra que, por muita gente que me rodeasse, era eu que subiria ao Gólgota pelos meus próprios pés. Não subi exactamente ao Gólgota, mas fica a imagem.
Surpreendo-me hoje, e tantos dias, por este ano assombroso: porque sublime, porque emancipado, porque de descobertas e conquistas. Viajei o que tinha de viajar. Fiz o que tinha a fazer profissionalmente e o resultado foi compensador, tão. Conheci gente. Dei-me com e dei-me a gente. Sobretudo, descobri que a felicidade está no final de um caminho para onde convergem os passos que demos sempre, sempre que pusémos um pé à frente do outro. Descobri que há coincidências à nossa espera se soubermos ler nas entrelinhas e estivermos de mente aberta para as deixar acontecer. E descobri que ler sorrisos nos olhos do outro é ler os sorrisos do nosso reflexo.
Mil vezes este ano, mil vezes a todos os anos acéfalos, habituais, sem mossas, sem inquietudes e inquietações. Mil vezes os dias de lágrimas e solidões que depois desaguam nisto: o flashback que diz que tudo valeu a pena, aos dias de alegrias fáceis ou fingidas, aos dias em que vivemos por viver para não sentir porque o sentir dói. E a dor ignora-se facilmente. Meu Deus, como dá trabalho encarar a dor e sair do comodismo da ignorância e do faz-de-conta. Como é fácil abstrairmo-nos da dor. Sim, muito mais fácil do que sair para o grande mundo não-cartografado da Vida lá fora.
O que vos digo? Vale a pena. Vale tudo a pena quando nós somos a meta, quando olhamos para o medo e nos apercebemos que, afinal, e nós não sabíamos, o medo tem medo de nós.
Amanhã faço anos. Dizem que os nativos de Capricórnio atingem a felicidade depois dos 40. Ainda me falta um pedaço, mas já a espreito...
15 comentários:
Por isso é que não és só a Blonde with a PhD, mas também a blonde com tomates!
Grande percurso de auto-descoberta! Parabéns pelo aniversário que se aproxima e pelo ano que terminaste. E que muitos e melhores anos se sigam!
Vale a pena ser feliz? Ás vezes a solidão aproxima-nos dos que sempre estiveram aí...
Como não se antecipam os parabéns, cá estarei amanhã.
adorei ler-te...
acho que neste ultimo ano te deste a descobrir da mesma forma que te descobriste a ti propria...
continua assim :)
Olá Blondie...
( amanhã passo cá!!!)
Quanto a capricornianas, tenho uma cá em casa.
e se é para fazeres o balanç do ano decorrido e teres estes pensamentos, então hoje foi o dia ideal.
é que amanhã começa um novo ano, em que só alegrias caberão...
bjs
Parabéns pelo texto parabéns pelo ano passado em redescobrir-te, parabéns pelo aniversário!!!
Muitos beijos!
Muitos parabéns pelo Nascer e pelo Renascer.
Porque o texto foi publicado ontem, retiro a conclusão que é hoje o dia do seu aniversário. Parabéns!
quando a alma escreve
escreve sublime
quando a alma sente
é que vive gente
quando
olha, parabéns
já não serei o primeiro, mas parabéns!!!
Pedro
Minha querida Blondinha
Parabéns. Só não ponho flores para ti, lá no meu canto, porque estou a 5 minutos de sair para apanhar o avião para a tua outra "terra".
Muitos parabéns
Bis bald!
:)))
Pois é! Não me lembrava ! Mas tinha registado em tempos que era na véspera do aniversário daquela outra menina que nasceu oito anos antes de si( e tb encontrou uns "escolhos" por aí... ) !
Kopf hoch?! Não é preciso recomendar ! Esse balanço - já bem antecipado - diz tudo! Só falta aquele bocadinho... que há-de ficar pronto um dia destes.É a "obrigação" deste ano que entra: havemos de cá estar a comemorar no próximo balanço!
Hoch! Hoch! Hoch!
Um pedaço?
Um pedaço?
Deixa-me rir ... ui que mentirosa! :))))
Recebeste ao menos o SMS ó desgraça que me desliga o telefone na cara?
Então e post de Aniversário, nada?!
Hum!
Parabéns!!!!!!!!!!!!!!!
Bjs
Parabéns
(pelo dia, pelo têxto, pela força)
e um beijo
Blonde:
Não há maior solidão do que aquela que podemos sentir, junto de gente que julga que nós nos sentimos sós e não nos deixa estar sós, quando o desejamos.
Gosto de me sentir acompanhada, mas acompanhada por dentro, e para isso preciso de liberdade para sentir a liberdade.
Faço-me compreender?...
Bj
Maria
Enviar um comentário