... e já lá não ia há algum tempo. Eu sei que a Mãe não mora ali debaixo daquela laje de mármore e de flores que murcham com o tempo. Mas hoje fui lá e levava muitas coisas para lhe dizer e queria mostrar-lhe outras tantas. Sim, a Mãe não mora ali. Mas foi bom ir lá e eu já lá não ia há nem sei quanto tempo, bastante se levarmos em conta que durante os primeiros cinco anos depois de Ela morrer eu lá ia todas e todas as semanas, e caso eu cá não estivesse, incumbia alguém de lá ir. Tantas solidões ali naquele cemitério. Tantas vezes eu só e a chuva ali naquele cemitério, onde eu seguia os ritos de renovação de flores e de falar com ela com sílabas de voz. E tantas vezes eu ao crespúsculo fresco de Verão a ouvir os grilos que acordavam do calor ali entre as paredes alvas e ermas do cemitério - a morada da Mãe. Tantas vezes na angústia. Umas vezes a correr, outras em pausas de quem está cansada demais e só a mecanicidade empresta um simulacro qualquer de actividade. Despedi-me muitas vezes. Despedidas para as viagens dos sonhos que aconteciam. Despedidas para as viagens das primeiras conferências e do nervoso todo. Fui lá buscar o conforto da companhia em vezes sem conta. Aquela irracionalidade que compartilhamos com os elefantes que afagam os ossos dos mortos do clã. Eu ia lá assim, nessa animalidade. E também lá fui alegre, nos júbilos das coisas boas, na alma pacificada por nada ter ficado por dizer e nenhum beijo ter ficado por dar. Hoje fui lá num repente, daqueles que rasgam a mente e nos impelem. Queria falar com Ela.
Falo muito com Ela. Mas hoje as sílabas com voz não saíram. A voz tolheu-se. Também, de que é que servia a verbalização do pensamento se Ela sabia o que eu lhe ia dizer? Acho que foi isso. Não fazia sentido a grandiloquência da oralidade. E depois, bem, depois Ela só ali tem um invólucro, um nada perecível, uma casca de um casulo do qual Ela há muito se libertou.
Sim, Ela sabia o que eu lhe ia dizer. Mas e eu? Eu sei o que Ela me ouve, a única coisa que eu, às vezes, e hoje em particular, queria era ouvir Dela. Ouvir uma resposta:
- Mãe, orgulhas-te daquilo em que eu me tornei?
12 comentários:
tu sabes que sim
não tenho a menor duvida do orgulho que ela tera...
beijo grande
de certeza que sim
Sentes essa dúvida?
Apenas posso dizer que nos primeiros tempos também ia semanalmente visitar o meu pai, depois a periodicidade com que o fazia foi diminuindo, agora já lá não vou há uns tempos. Isso não diminui nem aumenta a lacuna que me ficou, apenas a necessidade que sinto de lá ir vai sendo alterada. Mas é sempre algo demasiado pessoal, por isso falo apenas de mim.
Nós nunca nos "tornamos" em nada definitivamente.
Mudança e continuidade SEMPRE!...
São tudo passagens de uma evolução, e a morte apenas mais uma.
Acho que não nos é favorável, alguma vez, dar o trabalho por acabado...
E então? Ouviste a resposta ou não? É que tenho a leve sensação que a tua MÃE já deve estar cansada de a repetir, ó distraída!
Conhecê-la, a si, é entender este texto ! Só por isso, ELA está ( sempre esteve ) orgulhosa ! E, se não pôde impedir nada, decerto ajudou a tudo o que levou à consolidação da afirmação e à libertação. BEISTEHEN heisst das!
Só para ter uma evocação assim, eu gostaria que existisse uma laje, a tal que não quero; mas espero que possa ser feita à simples memória de uma flor alimentada de cinza orgânica. Um beijinho.
É claro que sim :o)
Ora esse, claro que se orgulha! Tontinha!
beijos
Se tu te orgulhas de ti porque é que a tua Mãe não o faria?
Tenho muito orgulho em ti minha Amiga. E a tua Mãe ainda mais, estou seguro.
Beijinhos
Claro, minha linda!
:))
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