Eu não acho nada.
Estranho, se pensarmos que eu fui duas vezes ao encontro de Wojtyla, que sofri a sua morte como a de alguém da minha família, que lhe admirei o calvário que me doía na alma como caminhada para o Gólgota à qual eu e todos assistíamos impotentes. Naqueles tempos, para usar a expressão missal, eu tinha uma fé inabalável. Dei-me conta de que a tinha ainda pequena. Acho que a encontrei nas minhas solidões de miúda que lia muito fechada na biblioteca com cheiro a século XIX dos meus avós maternos e de miúda que se perdia tardes inteiras entre silvados de amoras, rios secos no Estio, e a grande Natureza em que os meus Pais tiveram a felicidade de me criar. E, por uma coincidência cósmica, quando eu descobri a fé, ou melhor, a crença em alguma coisa de infinitamente inexplicável e boa, um algo completamente transcendente e perfeito, eu tinha ali aquele Papa, aquela figura que me lembrava o Jesus das multidões e dos milagres do pão e do peixe. Um Papa que falava quinhentas línguas e viajava incessantemente, um Papa que era alvejado e que peregrinava. Claro que tinha a mentalidade conservadora em extremo das pequenas coisas que me irritam na Igreja dos Homens: o celibato sacerdotal, a não ordenação feminina, a infame campanha anti-anti-contraceptivos e essas mesquinhezes que afastam muita gente do encontro com a religião. Mas, Wojtyla contornava tudo isso com a sua naturalidade de estar connosco: nós, as bases da Igreja, nós os esfomeados de pão de fé.
E tinha também a Mãe para me ajudar no meu caminho porque Ela tinha aqueles vastíssimos horizontes culturais e aquela maneira particular de abordar comigo o tema da religiosidade. Nunca, nem com padres, nem com catequistas, nem com ninguém, eu alguma vez alcancei a profundidade dos debates que eu e a Mãe tínhamos sobre o transcendente. Sendo uma acólita do Cientismo, que eu também professo, Ela conseguia dar um corpo à crença religiosa e à existência cabal de Deus que ainda hoje me surpreende. Tinha aquela visão depurada por anos e anos de pensamento e, portanto, quando conversávamos sobre a coisa teológica as horas passavam e as tardes viravam crepúsculo regadas a cacau quente ou limonada dependendo das estações.
Eu cresci e tornei-me assim num alguém maravilhado ante a religião e na certeza de Deus. Não tenho o espírito tão peculiar da Mãe, moldado no cadinho do Evangelismo alemão e do Catolicismo português. Ela seria, porventura, de índole mais ecuménica do que eu. Mas seja como for, entre aquele Papa e Ela eu nasci para a religião.
E foi a religião e a âncora da crença no divino que me mantiveram à tona quando Ela morreu e eu entrei de rompante como nunca antes pela Igreja dos homens adentro e passei a fazer leituras na Missa, a cantar no coro e a dar catequese. Era como se, ao mesmo tempo, eu tivesse de dar um pagamento a Deus e à religião pelo auxílio que me davam ao espírito partido pela dor e, por outro lado, como se fossem o meu refúgio seguro contra a dor, o abrigo onde eu encontrava consolo. E sempre encontrei consolo.
A Mãe partiu. Wojtyla partiu. (Até o Pe. Faustino mudou de paróquia).
É como se o Tempo tivesse mudado a página para uma nova era. Não me reconheço nesta orfandade. Recolhi-me de um espaço público para um mais privado. A minha fé é intimidada por este Papa cerebral em excesso. Não percebo a histeria dos outdoors que estão colocados por essa Lisboa fora e que dizem patetices de fé miudinha como "Rezar foi o Pai que me ensinou", "Esperar foi o Pai que me ensinou". Não percebo a postura do governo em dar "folgas " e pseudo-feriados só porque este Papa vem cá. Pergunto-me, então, onde estaria o governo nas vezes em que Wojtyla cá veio. Eu, por mim, vou ficar agarrada ao pc a preparar papers para conferências enquanto o Papa por cá andar e durante estes feriados, providenciais para o meu trabalho diga-se de passagem.
O que é que eu acho de o Papa cá vir?
Nada. Não acho nada. E também não acho o sítio onde coloquei a minha fé de outros dias. Sei que a não arranquei de mim, mas anda adormecida, dormente algures e eu não sei onde. Às vezes questiono-me sobre onde ela andará e porque é que me não assoma à alma com aquela força e aquela presença de outrora e não me provoca os arrebatamentos que me levavam a Santiago de Compostela e a Finisterra. Ando vazia de fé num vácuo que não reconheço. E o mais desconcertante é que não me apetece ir à procura da fé que se escondeu. É como se o excesso de fé anterior me tivesse dilacerado ao ponto de eu ter ficado exangue e este Papa tivesse enxugado o resto com a sua aridez pontificial de uma Igreja parada no pó das eras passadas, uma Igreja de sombras góticas ao invés dos espaços abertos e soalheiros por onde caminhava Wojtyla. Recolhi-me, é isso. E acho deprimente, vazia de sentido e indicadora de um pensamento primário e fingidor de fé toda a gritaria solene e oca em volta da vinda deste Papa.
Eu, católica em limbo me confesso...
6 comentários:
Enquanto agnóstico também não penso nada sobre a visita do Papa Bento XVI, é um assunto que não me diz respeito. Discordo da tolerância de ponto, mas não devemos errar o alvo, a responsabilidade cabe aos nossos governantes. Apesar de ter recebido uma educação religiosa, o meu afastamento começou na altura do início do pontificado de João Paulo II, pessoa que sempre admirei que merece um lugar na História, ao lado de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, com a inestimável colaboração de Mikhail Gorbachev, libertaram o mundo do império do mal, deixando à civilização um legado de liberdade, independentemente das vicissitudes que possamos considerar existir...
Pois, compreendo-te bem.
Tb não acho nem deixo de achar sobre a vinda do Papa.
Não concordo com a tolerancia de ponto, não deixando no entanto de sublinhar que também não concordo com a tolerancia de ponto na quinta feira santa, nem a da vespera de natal, nem a da vespera de ano novo, nem com a do carnaval... Por isso choca-me que se faça tão grande alarido com esta, das outras ninguém fala, dão jeito ;). Não acho que justifique este ataque descontrolado até porque quer se queria quer não 90% do Pais é católico...Até eu o sou, dentro dos limites por mim traçados....
Dá-se demasiada importancia à vinda do Papa, fala-se demasiado no custo do altar, todos se indignam...Indigna-me mais o 3.1 milhoes de euros pagos ao Dr António Mexia por prémios...Mas isso sou eu...Davam muito altares...
beijos
"Não me aquenta nem arrefenta" a vinda do Papa. Certos comentários pró e contra é que me provocam bastante urticária.
estou demasiado longe de tudo... apenas que o Papa merece respeito, como merece qualquer líder religioso ou chefe de estado.
O que faz uma imprensa amigável!
Nem sempre o foi com JP II, quando este esmagou com mão de ferro a teologia da libertação, mas depois veio o namoramento mediático e tudo se esqueceu.
A fé, essa está para além dos amuletos, bengalas, desculpas, paliativos e visitas papais.
Cantar e TOCAR no coro!!!
Lembras-te?! ;)
Ai, a minha fé também anda pelas ruas da amargura... Se calhar foi Finisterra... ahahaha!!! Beijinhos!!!
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