... mas, ao regressar e abrir aqui o blog, vi ali em baixo o comment do Implume e pus-me a pensar - o que é sempre uma coisa propensa a resultados estranhos.
E o Implume diz qualquer coisa de eu ter sempre um abismo à minha frente, e não percebo bem (aliás, nem bem nem bem mal) aquela de não retorno à casa e ao cãozinho e à Paula com as suas flores e mimos e à província disfuncional que nos rodeia e onde, pelos vistos, eu moro na maior parte do meu tempo. Hmm...
Mas eu regresso sempre aqui à casa, ao Spotty, aos mimos da Paula, que, desta vez, me deixou uma garrafa de vinho "caseiro" (dizia no bilhete que acompanhava) emoldurada num laço encarnado e que foi o marido que "fez questão" (também lá estava no bilhete) de me deixar. Regresso aqui à província disfuncional. Levo horas entre o estacionar o carro, tirar as malas e entrar em casa. Primeiro passo ronda ao jardim: a árvore que plantei antes de ir de viagem dá mostras de não se ter aguentado, as nêsperas, que ficaram amarelas de verdes, estão côr-de-laranja e engelhadas. Presumo que deve ter estado muito calor. Em Londres estava de morte (o calor, claro). As rosas, por seu turno, estão lindas e abertas de vida de tal modo que as pétalas pesadas lhes caem despudoradas. A relva foi cortada na minha ausência. Sim, gosto destas coisas do meu mundo provinciano. Gosto de reencontrar o Spotty que primeiro me ignora, castigando-me pela ausência, e que depois me traz a bola para eu brincar com ele. E brinco. E rego a árvore moribunda. E olho o meu mundo de verde e flores com os olhos do coração e de me ver dona dele não o deixando naufragar e vendo o tudo, o tudo que gira no meu mundo de mulher que regressa a casa. À casa vazia onde finalmente entro. As persianas corridas e as janelas abertas que adivinho se devem aos cuidados e esmeros da Paula que não deveria querer que eu entrasse numa casa abafada por estes dias de clausura. Estou só aqui, mas adivinho a presença dos que me amam e espanto-me. Espanto-me todos os dias agora que me vejo a mulher que eu não sabia que era.
Regresso de um mundo cosmopolita que amo. Regresso nas roupas não-provincianas. Regresso com livros. Tantos livros: livros de viagem, das viagens que me correm no sangue nómada, romances, a biografia do meu idolatrado, amado e endeusado David Attenborough, um livro do John Simpson em viagem às terras de ninguém. Regresso a cheirar a aeroporto. Regresso cansada mas regresso feliz. Feliz por ter ido. Feliz por regressar. Aqui. Ao meu mundo de casa grande com o cãozinho e os mimos da Paula. Aqui onde eu também sou eu. Onde me descubro por entre memórias dos que já partiram. Entre ecos de divisões não habitadas. Entre o passado e este presente que se quer futuro e já é passado. Disfuncional? Talvez. Mas sou eu aqui e eu gosto do aqui. Não vejo abismos. Preenchi-os de terra. Atravesso-os a vau. Podem lá estar mas, por enquanto, não me engolfam.
O meu post não ia ser isto, mas acabou por ser.
6 comentários:
Uau! Uma Blonde que pensa, que tropeça em si mesma, surpreendida por finalmente se reconhecer... uma Blonde enamorada.
Enamorada de mim, sim, finalmente.
Bom ter-te de volta...dessas formas todas em que voltas...
Seja bem vinda minha cara Dra Blonde.
Beeeijos
Home sweet home. No final existirá sempre um porto de abrigo, onde descansar e retemperar forças...
É de certeza um privilégio ter acesso ao melhor de dois mundos - o cosmopolita da cidade e da universidade e dos trabalhos internacionais e o tranquilo e repousante da "terrinha". E disfuncionais somos todos, uns mais que outros, é certo, sendo que os piores são aqueles que se acham totalmente normais. Os pobres não se conhecem de todo, nem ao mundo em que vivem. Por vezes, espanta-me que sobrevivam.
:)
[Muita pressa, minha linda]
Enviar um comentário