2 de junho de 2010

Não é bem medo...

... é aquele receio fininho na antecipação do desagradável que adivinho vem aí. Apetece-me música nostálgica. Talvez me apeteça chorar. Mas não. Proíbi-me a fraqueza das lágrimas que só posso derramar nas saudades imensas da Mãe. Prometi chorar só por essa razão e sinto que me desonraria se chorasse por coisas mundanas. Guardo as lágrimas para o amor mas é difícil. Ao invés, venho desabafar para o blog agora que estou aqui na solidão da minha casa e antes que os que me amam me venham consolar.

Eu devia estar feliz. Vou ser tia. Tenho a profissão dos meus sonhos. Amo a minha casa com um amor genético de matriarca, herdeira do legado que preservo com tanto orgulho. Tenho Amor, tanto. Devia estar feliz. Mas como é que posso estar feliz se ainda não sou dona de mim, do meu futuro, da minha vida, da minha liberdade, das coisas básicas que nos são devidas na nossa condição humana?

Vai para dois anos que me tento divorciar na justiça deste país. Dois anos. Dois anos... Estou cansada. Cansada de uma batalha judicial que me tolhe o livre-arbítrio, que insiste em que eu continue presa a um homem de quem não sei nada há dois anos, com quem não comunico por canal algum, que se evaporou da minha vida, que nem comparece no tribunal mas que se faz presente na minha prisão. A crueldade da ironia é tal que não posso dispor do património que me legaram gerações anteriores porque preciso sempre de consentimentos e assinaturas de um homem que não tem nada a ver com as minhas coisas ou com a minha família. Assustador o poder da assinatura. Assustadora uma justiça que me amesquinha nas salas de tribunal. Dependo de terceiros: advogados, juízes, secretarias de funcionários públicos que se comprazem em dizer-me que os processos estão por despachar. Dependo d ehumores e disposições. Dependo da voz do meu advogado porque a justiça não quer ouvir a minha. São todos doutores e doutoras e eu, a Professora Doutora, que os trato a todos na praxe dos títulos, passo a um "você" destitulado, um "você" de inferiorização. Não me dão autorização para me sentar. Apetece-me pedir-lhes o respeito que me devem como pessoa, como pessoa mais que não seja, mas tenho consciência da represália e, afinal, é a minha vida que se joga nas salas de audiência. A minha vida...

Penso constantemente nos milhares de mulheres sujeitas a esta morosidade, mulheres que não têm a minha independência, a minha literacia, os meus privilégios sociais, as minhas âncoras. Mulheres com filhos e salários mínimos, mulheres sem capacidade de defesa perante a voracidade judicial e os caprichos de ex-companheiros cujo único sentido é o material. Sim, porque num divórcio, a moralidade única é o dinheiro. Um divórcio é uma transação de capital. Ganha quem arremata o capital.

Não é bem medo, é a fragilização na impotência que sinto. Espera-me novo embate na justiça. Quero que passe rápido. Gostava, usando um chavão gasto, que a justiça fosse justa. Gostava que a justiça me divorciasse. Gostava de não sentir-me a ré julgada e torturada por querer o divórcio, palavra doce no que para mim significa de libertação.

No início do meu penoso calvário em direcção ao divórcio ouvi:

- Queres o divórcio? Paga.

Sim, é isso. O divórcio não tem mal nenhum. O divórcio é um dispositivo legal como outro qualquer. Mas um divórcio tem um custo. O desfazer de um casamento, palavra amarga no que para mim significa de provação, tem um preço. A liberdade tem um preço. Um preço a vida. Só eu não peço dinheiro. Enoja-me. A minha moral não se traduz num valor material. Não peço nem as compensações monetárias que me são devidas. Só peço liberdade...

8 comentários:

Goldfish disse...

Boa sorte, rapariga! Sei o que isso é, os meus pais nunca chegaram a fazer partilhas... Não valia a pena discutir dinheiro com uma pessoa assim. É muito triste.

Eu Mesma! disse...

Força e sim...
um dia irás mesmo ser livre... por mais penosa que essa liberdade agora seja...

um dia irás acordar e ser livre mesmo...

Daniel Santos disse...

Aquele abraço e a minha solidariedade.

A.B. disse...

Se isso de algum modo a consola - e não acredito - o meu caso demorou onze anos e paguei muito. Força.

Olá Amor disse...

Se é que isto ajuda alguma coisa, deixo aqui um pouco de força para enfrentar toda essa adversidade! E não posso deixar de me insurjir contra mais um dos grandes atrasos do país. Burocracias na justiça são o que mais há por aí, de tal forma que obrigam as pessoas a abdicarem muitas vezes de uma parte da vida para resolver um problema.

Dias as Cores disse...

(...pois, isto é mesmo um planeta de provas e expiações!)

Liberta-te por dentro! Não deixes criar rancores, amarguras e revoltas dentro do coração! Isso atrasa a resolução!

Age, faz uso dos teus direitos e luta pelo que consideras justo, mas não dês espaço para que nada entre em ti!

Carlota e a Turmalina disse...

Mas parece que os homens pensam em dinheiro, sim ...e muito...
Vou aqui torcer para que tudo isso se resolva bem logo :o)

Joaninha disse...

Princesa, a liberdade custa!

É penoso, mas tu és a Blonde!

beijos

(desculpa a ausencia mas isto por aqui não anda famoso)

Kiss darling Blonde