7 de novembro de 2010

Estamos a conhecer-nos

Nunca segurei nada tão inestimável. E nunca um abraço me foi tão quente, tão sem pensamentos. Finalmente estou a conhecer o bebé Manel. O irónico é que, tendo sido a primeira pessoa a vê-lo na maternidade, sou a última a vê-lo cá fora à conta da gripe dos últimos dias. Ontem acabou-se a quarentena e pude ir vê-lo.
Nunca fui muito fã de bebés, confesso. Não os sei distinguir. Acho-os todos um bocado apáticos. Não sei comunicar com eles e acho-os intimidatórios e pouco sociáveis. Acho até que a única vez que algo parecido com um resquício de instinto maternal me passou pelos ossos, foi a adopção do Spotty e mesmo aí não sei se o que senti não foi, antes, obrigação moral de tirar aquele cachorrito do frio da rua. Recém-nascidos então fazem-me muita confusão e pergunto-me sempre como é que a espécie sobreviveu com crias destas.
Quando cheguei à maternidade para ver o Manel pensava que me ia apaixonar no incondicional e imediato. Pensava que por ele ser meu sobrinho, filho da Mana adorada, eu me ia derreter por ele sem ser preciso mais nada. Pensava, em suma, que a genética, o instinto de clã ia ser suficiente. Ao invés, surpreendi-me porque era na Mana que eu me concentrava, era pela Mana que o meu amor jorrava. Sim, o Manel era lindo, não tinha aquela cara encarnada e cheia de pregas dos recém-nascidos, era gordinho e, sobretudo, calminho. Mas não lhe encontrei parecenças connosco. Ainda agora não consigo ver traços que digam que ele vem de nós. Gostei dele por ser filho da Mana mas não deixava de ser um bebé e receei seriamente se as minhas antecipações jubilosas não tinham sido um exagero nos últimos meses. Até ontem...
Cheguei à casa da Mana com uma espécie de determinação em desfazer equívocos sentimentais e ver o que é que o meu coração sentia pelo Manel. Fiquei a sós com ele que dormia. Fiquei hirta sem lhe tocar com medo que acordasse e me mandasse embora aos gritos. Naquele momento pensei sinceramente que sim, que tinha antecipado demais e que o Manel, era, afinal, um bebé que não é meu e que, ser meu sobrinho ou não, não ia fazer com que nos déssemos de maneira diferente da que eu me dou com os outros bebés. Mas ele não acordou nem gritou nem me mandou embora. E eu fui descontraindo. E fui começando a tocar-lhe: primeiro a cabeça macia, depois as orelhas e quando dei por mim tinha a mãozita dele envolta no meu dedo agarrando-o com força. E quando acordou não teve medo de mim e não se assustou e não me mandou embora. E eu pude pegá-lo e sentir-lhe a roupa quente e cheirá-lo suave e encostar-lhe o meu rosto. E depois ficou-se ali aninhado em mim, os dois a conhecerem-se como passageiros que vão partilhar um vagão num comboio prestes a dar a volta ao mundo. Adormeceu. E o que eu me espanto de espanto é como é que um bebé adormeceu em mim. Como é que um bebé quis adormecer ao colo de uma mulher que tem medo de bebés. Acho, no fundo, que foi o Manel que se aproximou de mim: "Anda Tia, vem daí." Eu que pensava que ia ser ao contrário: "Anda Manel, vem daí com a Tia." Paralisei nos meus excessos de antecipação e o Manel resgatou-me com aquele abandonar-se no meu colo e deixar-me perceber que eu tenho colo.
Hoje, quando acordei aqui na Casa Grande, desejei que o Manel estivesse aqui...

10 comentários:

Salvador disse...

Sorri ao lê-la... ))

Guilhim disse...

Sinto falta dessa sensação... quer dizer, nunca fui tia (e não é por falta de apelos à Mana velha), mas de alguma maneira sinto falta dessa sensação!

Texto lindo!

Pedro disse...

como é que o Manel te ia mandar embora?! :))
se chorasse o mais provável era que precisava de ti, não que te fosses embora, nunca te esqueças disso :) no futuro, numa pequena queda num quintal, ou noutra circunstância qualquer, o choro vai ser pedido de ajuda, pedido de aproximação

faz como ele
deixa-te ir
num abraço
num sorriso
ou num choro
se for preciso
:)
all the best
para ti Tia
para ti Manel
love, a quest
:)

Ältere Leute disse...

Ah, já percebi tudo ! E também me tinha esquecido da gripe... Olha se fosse o ano passado: era logo a H1 ! E aí que grande quarentena !

Dias as Cores disse...

...morno e doce, não é?

I. disse...

Tive sensações semelhantes com a minha primeira sobrinha. Tê-la ao colo era tão estranho... não percebo nada de bebés, e muito pouco de crianças. Mas ela adoptou-me e ensinou-me o que precisava de saber :)

antonio ganhão disse...

A Blonde humaniza-se!

Cristina Torrão disse...

É mesmo, implume!

Nada como as crianças (ou bebés) para nos ensinarem o que é o amor incondicional, o amor sem interesses, a confiança a 100%. Bastou sentir um colo para o Manel pensar: ah, estou seguro, alguém me agarra. E adormeceu, cheio de confiança.

Vocês já repararam que há muito pouca gente capaz de amar incondicionalmente?

Eu acho que a Blonde ainda tem muito a aprender com o Manel. Esteja atenta! E, acima de tudo, não tenha medo! Aceite-o como ele é, ele também aceita a Tia como ela é ;)

mdsol disse...

Parabéns. Aproveita bem, que o tempo vai passar a correr.
Beijinhos ao bébé Manuel

:)))

sem-se-ver disse...

mesmo comentário de Salvador