27 de novembro de 2010

Não ter filhos e perguntas estúpidas

- Tens de ter filhos! Senão a quem é que vais deixar as coisas?

Tens de? E as pessoas têm filhos para lhes deixarem coisas? É esta a visão de quem tem filhos? As pessoas têm filhos por obrigação social ou genética ou familiar? É que se é assim, I'm out! Às vezes penso que já ouvi tudo o que havia a ouvir sobre esta questão mas quando me atiram um "tens de" apercebo-me de que a sociedade, por muito avançada que seja, me deve considerar um bicho estranho. Algo ao jeito de: as mulheres têm de ter filhos. Os homens ainda vá que não vá, mas uma mulher sem filhos é uma quase aberração.
Primeiro atiravam-me à cara as maravilhas da maternidade. Durou pouco tempo essa fase.
Passei depois à fase do "tu é que fazes bem não ter filhos". E também ouvi muitas vezes o chavão do "se fosse hoje não me metia nisto". No entremeio, quando adoptei o Spotty, ainda ouvi uma ou duas vezes o infame: "um cão não é um bebé" como se eu tivesse tirado o Spotty da rua para assumir uma maternidade substituta, como se alguém no seu juízo pudesse canalizar para um cachorro os sentimentos devidos ao Homem.
Depois começaram a atirar-me a liberdade à cara. Podes ter carreira, podes viajar, podes dormir, podes ir ao ginásio, podes, podes, podes. Um rol infinito de "podes isto e aquilo". Como se eu fosse uma espécie de projecção de frustrações por vidas incompletas, não sei. Sei que esta fase é a mais longa e a que mais me irrita. Sim, irrita-me, bastante. Sabem lá as pessoas porque é que eu não tenho filhos. Sabem lá as pessoas que contigências me terão levado aqui. Sabem lá que opções eu escolho ou que caminhos me são forçados. Não me interessa que saibam. Não me interessa se o meu estado de não-maternidade me foi forçado ou foi escolhido. Acho que nem eu sei e não perco sono por isso.
Agora que o meu sobrinho Manel nasceu eu já esperava a comiseração pelo meu estado e sim, já ouvi que agora é que eu me decido, como se, por contágio, eu agora pensasse num bebé porque a Mana teve um bebé. Ou então dizem-me que ser Tia também é bom, não tão bom como Mãe, é isso que não acabam na frase.
Claro que já pensei como seria ter um filho. Claro que já pensei que na minha vida de seguranças e estabilidades relativas até pode ser um desperdício não ter filhos. Claro que tenho todas estas coisas para deixar. Curiosamente não é nesta Casa que penso, não é nos terrenos. Penso em coisas tão prosaicas como os meus anéis. Os anéis que recebi, os que comprei pelo mundo fora, os que significam coisas importantes e os que são só bonitos e como seria um dia pegar nos cofres onde os guardo e dá-los em legado a alguém. Claro que não é um divórcio monstro que se arrasta nos tribunais há mais de dois anos que me impediria de ter filhos. Claro que também não é estar sózinha ou ter alguém que me impede ou não de ter filhos. É só que a Vida nunca se virou para aí.
E se um dia eu acordar e já for tarde? É um dia em que eu acordo e já é tarde. Aprendi a duras penas que vivemos nas nossas decisões e que nos arrependimentos incuráveis também se vive. Se um dia eu acordar e já for tarde, é tarde para mim, não é tarde para mais ninguém. Ninguém tem nada a ver com isso e, portanto, não me digam coisas obscenas como "tens de" porque sou eu, e mais ninguém, que habita na minha Vida, sim?

24 comentários:

Abobrinha disse...

Ter um filho é uma coisa extremamente íntima. Mandarem-nos ter um filho é pior que mandarem-nos dormir com este ou com aquele, ou ter esta ou aquela prática sexual. No entanto ninguém faz isso porque... porque isso não se faz, e no entanto as pessoas não se sabem calar!

Acho que se resume a isso mesmo: as pessoas não se sabem calar, não sabem respeitar a vida de ninguém, mas acham que como somos mulheres solteiras/sozinhas têm o direito a ser opiniosas! Tudo para o nosso bem, claro, ou para o bem da humanidade.

A realidade é que é assustador para algumas pessoas que possamos ser tanta coisa. Ou não. Podemos decidir ser mães (de barriga ou de coração)... e não precisamos necessariamente de alguém sequer para o fazer!

Por isso deixa-os falar e sorri com a liberdade que tens. De fazer ou de não fazer. A liberdade vem com um preço, mas isso tudo tem. Mas não "ter que", e em vez disso escolher... é impagável.

S* disse...

Os filhos devem ser o melhor do mundo mas a verdade é que exigem tempo, dedicação, dinheiro e sacrifícios. Se valem a pena? claro que valem! Mas pode-se pensar bem sobre o assunto...

Cristina Torrão disse...

Como a entendo, "liebe Blonde"! Conheço bem esses argumentos, esses "tens de", já ouvi tudo isso e mais alguma coisa. É que eu também não tenho filhos. E já sou casada há 18 anos, o que, por um lado, torna a minha obrigação ainda maior.

Conheço uma história verdadeira, passada com um casal (em Portugal)que não tem filhos. Já têm uma certa idade (talvez já sejam reformados, não sei) e, apesar de não serem ricos, claro que pouparam bastante dinheiro, só os dois. Têm uma casa bonita, com um grande jardim, que vão apetrechando, a sua última aquisição foi uma piscina. Um dia, alguém mais descarado perguntou: "Para que querem tudo isto, se não têm a quem deixar?" A senhora respondeu: "Sabe, é que nós gostamos de viver bem e de gozar as nossas coisas!" Ora toma, que já almoçaste!

Cristina Torrão disse...

P.S. Quando me dizem que a Lucy é a substituição do bebé, eu respondo: "Sim, claro que é!" Calam-se logo!

antonio ganhão disse...

Gostei dos comentários anteriores por isso salto directamente para a conclusao: existe um lado de finitude que nao se resolve com os filhos, mas que pura e simplesmente deixa de existir, deixa de se colocar. Talvez seja isso a que as pessoas se referem com "deixar as coisas", nao sao os objectos em si, mas a sua história, os seus afectos; os que nos deixaram vivem em nós atravès deles. Senti isso com as minhas filhas.

Agora perguntam-me se nao tenho pena de nao ter um filho a quem transmitir o nome de família... nunca nos deixam em paz.

Goldfish disse...

Há um certo tipo de pessoas que nunca está satisfeita com a vida dos outros. Cada vez me parece mais que é apenas por não se sentirem bem na deles (isto sem querer ser crítica, é apenas o resultado do que tenho vivido).

Goldfish disse...

Esqueci-me: sim, essa do cão é de morte, também já levei com ela e é de gritos!

Dias as Cores disse...

Life is a stage e se os papéis fossem todos iguais, adormeceríamos antes do meio!(E não te irrites com o que os outros dizem, são só "as falas" deles...)

Eu Mesma! disse...

Um filho só deve vir ao mundo porque alguém o deseja verdadeiramente ...

e quando alguém está disposto a ser "a família" desse filho para o resto da vida...

e não porque alguém nos obriga ou apenas porque fica bem...

estamos no século XXI....

Anónimo disse...

Também nunca quis ter filhos e por isso ouvi os mesmos reparos, mas não me arrependi da opção de vida que fiz.
Há pessoas a quem custa muito admitir as opções dos outros.

Anónimo disse...

Fiz link, Blonde. Obrigado.

Não Matem a Cotovia disse...

Cheguei aqui através do link do Carlos. Fico muito feliz por cada vez mais existirem mulheres que pensam como eu e 2 ou 3 amigas minhas. O resto é insuportável...
Sempre me apercebi de alguma pressão da sociedade em geral, quando me diziam: "quando fores mãe", "quando tu isto, quando tu aquilo." Agora que estou mm a fazer 30 e, azar dos azares, resolvi casar, como se isso acarretasse outras obrigatoriedades que desconhecia, toda a gente decidiu chatear-me. Os amigos, novos ou velhos, dizem que tem de ser agora, porque estou a ficar velha e dp é tarde demais. Os pais e os sogros dizem que tem de ser agora, porque mais tarde eles não têm paciência. Eles??? Este é o argumento que mais me tira do sério.

Fê blue bird disse...

Vim aqui através do amigo Carlos do Crónicas do Rochedo, e apesar de ser mãe duplamente,também detesto que me imponham seja o que for só porque parece bem ou é normal.
Continue firme nas suas convicções, e se elas mudarem é por assim o decidiu.

Beijinhos

I. disse...

Como mulher "desfilhada" mas tia orgulhosa, e também eu com uma gatinha qie já foi vista por muita gente como uma substituta do afecto maternal (rolar de olhos!), não posso deixar de me rever neste texto. Há quem opte por não ter filhos, há quem não os tenha por a sua vida a tal ter conduzido, mas acima de tudo, cada um sabe de si e ninguém tem nada a ver com isso, e muito menos terão legitimidade para fazer juízos de valor.

Um dia, tinha a minha sobrinha 4 anitos, perguntou-me porque eu não tinha filhos. E eu, na altura divorciada e sozinha, repondi-lhe "Porque não calhou". Aceitou a resposta com mais sabedoria que muitos adultos. Nunca mais me fez a mesma pergunta, apesar de entretanto me ter voltado a juntar.

As minhas coisas? Que me tragam bons momentos enquanto cá estiver. Depois, logo se vê.

Carlota e a Turmalina disse...

Eu sou maternal até o último fio de cabelo...minha casa parece um zoológico, tantos os cachorros e gatos que acolhi.Aqui também nos visitam duas famílias de sagüis e dois esquilos(caxingueles).
Todos, animais racionais ou não, são sempre muito bem recebidos.
Pelo menos uma vez por mês faço questão de ir ao abrigo para carinhar as crianças que lá vivem.
Não pude ter filhos mas fiz uma opção mais que consciente de adotar um.Não que eu sentisse um vazio, ou que me pressionassem, mas eu queria compartilhar mais diretamente esse meu amor todo.E o que me deixa mais realizada é me ver nele hoje.
E a pior coisa que já escutei foi:
- Agora que seu filho já está crescido, você podia "arrumar" uma menininha para lhe fazer companhia na velhice.
Eu queria saber o que estas pessoas pensam da vida. Da próxima vez vou deixar a educação do lado e perguntar.

paulofski disse...

Bom dia. Segui a proposta do Carlos e cá estou. Eu tenho um filho de que me orgulho muito. A paternidade, a maternidade, a opção de escolha quando ou se pretende a concepção, em normalidade deverá ser bem ponderada. Reservo a minha consciência para a questão da interrupção voluntária da gravidez, uma decisão pessoal e intransmissível, sempre difícil para quem assim decidiu. A obrigação moral, a imposição do que é ou do que pensam dever ser, fazer, é um mal desta sociedade ainda refém de crenças e valores arcaicos e não pode sobrepor-se à vida que cada um escolheu para si, ou o que pura e simplesmente foi traçado por um qualquer destino.

Turista disse...

Blonde, cheguei cá, através do Carlos Barbosa e só te digo que não podia estar mais de acordo contigo. Também eu fiz uma opção, como tu, como o Carlos, como a Helena...
Até hoje, estou convicta que foi a mais acertada para a minha vida. Tenho amor e carinho arrodos para dar a quem me rodeia, seja do meu sangue ou do meu coração!
Beijinhos :)

Unknown disse...
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Unknown disse...
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Unknown disse...

Pois cara Blonde é mesmo uma decisão só tua. Eu optei por ter só uma criança e foi uma decisão maravilhosa. Mas as pressões para ter duas ou mais sempre foram um pouco aborrecidas.

Beijos

redonda disse...

Cheguei pelo link do Crónicas do Rochedo.
Seja pelo que for (casar, ter filhos, etc) também me parece que há demasiadas interferências da sociedade em questões muito pessoais.
Vou aproveitar para espreitar outros posts...

mdsol disse...

Blondinha

O totalitarismo aparece nos lugares mais insuspeitos. A quem te disser "tens de" precisas de responder (mesmo que não seja em voz alta) imediatamente isso mesmo: sim, sim, tens de te meter na tua vida. Como bem pressupóes, há tanta maneira de ter filhos não os parindo e tanta maneira de os parir e nunca os ter.

Beijos

:)))

Dias as Cores disse...

Paga qualquer coisa ao Carlos Barbosa!!

George Sand disse...

Ter fihos é uma necessidade.
Um estado de paixão.
Uma recusa em não ter filhos.
Isso é que é ter filhos.
É por isso que se tem fihos.
A alma enche-se de filhos, mesmo antes de os termos.
Se não for assim, então não vale a pena.