4 de dezembro de 2010

Feia

Senta-se pesada e imóvel como um fardo à minha frente. Cruza os braços que mal se dobram sobre a barriga proeminente misturada com o peito. Fita-me. Encara-me directo. É feia. Desagradável. Os lábios finos escorrem para baixo dando-lhe a expressão de mal com a vida, de mal com o mundo, de mal consigo. Continua a fitar-me. De alto a baixo escrutina-me. Sem vergonha. Os olhos fixos, inexpressivos. Imagino-a amarga e seca. Imagino que perdeu a vida num azedo de limão. E o olhar que não me larga. O que é que vê? Como me vê? O que é que aquele cérebro antipático pensará da mulher em frente? Acusar-me-á? Reflecti-la-ei na antítese?
Sinto, para lá do desconforto, nojo. Nojo pelo olhar lívido, plenamente ausente de qualquer sentimento. Não o consigo ler. E olhos que não se lêem são anti-naturais. Imagino-a com algodões nas narinas num caixão. A visão pavorosa nunca me ocorreu na vida. Vejo-a morta e é igual ao que vejo em vida.
Chamam-na. Levanta-se a custo sem agradecer a ajuda. Arrasta-se. Deixa cair uma revista que olha com desprezo no chão. Nem ela nem quem está com ela a apanham. Vai-se embora caminhando morta.
Acho que vi um fantasma morto que ainda não se apercebeu que morreu.

3 comentários:

Dias as Cores disse...

Espero que tenhas apanhado a revista do chão, menina Blonde!

antonio ganhão disse...

Bem mais perigosos são os nossos fantasmas, porque esses estão bem vivos.

Cristina Torrão disse...

Credo, acontece-lhe cada uma!!