Anoitece enquanto vejo as tinas despejarem as uvas vindimadas na adega. Uma atrás de outra largam cachos azulados que se espremem num líquido roxo. Longe vão os tempo das filas de tractores que esperavam vez até às duas da manhã e a adega sempre aberta. Era a laboração e eu associava a palavra a dias quentes e gente nas vinhas. Também vindimávamos. Cacho a cacho. Ganhávamos prémios. Nas vindimas havia gente e uma espécie de união colectiva de vocabulário igual e curiosidade por graus e pesos. Ontem senti-me só em vindimas sem gente. Poucos tractores. Poucas descargas. Gente envelhecida de sol e idade. Ninguém quer isto. Ninguém dá valor. Ninguém sabe como tudo começa.
Fiquei ali a ver, querendo fazer parte e lembrando-me de quando fazíamos parte. Lembro-me de o Pai pintar a tina de amarelo para ser diferente. E lembro-me do articulado que fazia dele o agricultor mais excêntrico das redondezas. Deixava as engenharias e dava-se de gosto à agricultura nos fins-de-semana como se isso o tornasse um deles. Trazia métodos esquisitos do estrangeiro. Fazia culturas exóticas. Herdei-lhe os terrenos e os números de sócio dos grémios. Ontem lembrei-me dele e de como andava feliz por estas alturas de tinas cheias e filas na adega. Eu sou só estranha e poucos sabem já de quem sou filha.
Só o cheiro a engaço e mosto permanece igual. Aviva-me o passado de Outonos despontantes. Vou para casa a pé no meio do vento que me revolve os cabelos e levanta a tempestade que cairá noite dentro. É tão Outono já neste meu campo de onde todos partiram e onde eu fiquei entregue a passados presentes diferentes, dona de coisas que não são o que eram. Soube-me bem ir à adega em tempo de vindima ao fim destes anos mais que muitos. Ainda há tinas que se despejam de uvas.
5 comentários:
Em tempos também se fazia vinho cá em casa. Coisa pouca. Só para consumo familiar. Era uma azáfama. Hoje já não há sequer a vinha.
As vindimas trazem-me sempe à memória o Douro, única região do país onde o Outono me é suportável...
Vindimas e tantas outras actividades que caem em desuso...tal como as conhecemos ! É bom se contar ao Manel. Para que ele não pense que as uvas ( como os frangos depenados,o leite empacotado... ) "nasceram" no Supermercado !
Nunca estive presente em cenários de vindimas, mas todos os textos que sobre elas leio me prendem...
Este também.
Boa semana.
Como eu te entendo Blonde...!
Um abraço por todas essas sensações e saudades...
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