Cresci no seio de traumas de guerra. Do lado alemão, as histórias inevitáveis, a minha Mãe que acumulava mantimentos e sonhava exasperada que um dia teríamos de fugir porque vinha aí nova guerra. Em Bremen usávamos o bunker de casa para tratar da roupa e eu tinha medo das aranhas que por lá se escondiam nos cantos escuros. Do lado português, a guerra colonial e o tiro que o Pai levou e nunca disse até eu achar, muito convencida das minhas certezas, que ele tinha uma cicatriz de bala que a Mãe pensava ter sido um furúnculo que ele tinha tido quando era novo. Guerra, guerra, guerra por todo o lado. E, no meio, o medo dos russos e da bomba atómica.
Quando cheguei à faculdade respirei. Eu tinha chegado ali sem haver novas guerras e era bem possível que a minha geração sobrevivesse a um capítulo da História sem guerra, pelo menos na Europa. Enganei-me. A minha geração vive em guerra. Uma guerra sem o convencionalismo das bombas, mas uma guerra na mesma. Uma guerra económica, uma guerra com potências, vencedores, vencidos, ditadores, ansiedades, stress traumático, desrespeito por direitos humanos e igualdades. Vivo numa Europa que envergonharia a minha Mãe se ainda fosse viva, a Tante Henny que morreu há dois anos, que envergonha o Pai que lutou por guerras perdidas, que não envergonhará por muito mais a Tante Ruth que vai morrer, e que me envergonha em todos os dias deste presente.
Percebi a Mãe e os seus sonhos. Sonhei que tinha de salvar os meus sobrinhos. Vi-me numa espécie de aeroporto e sei que ia fugir. Tinha de salvar as crianças. O coração batia-me a sair pela boca. O trauma regressou. Ser Tia-mãe acordou-me visceralmente. Estamos em guerra e não sei onde ou como vamos acabar...
1 comentário:
Não tenho dúvidas de que esta guerra económica é a Terceira Guerra Mundial ( ou pelo menos o seu prólogo), onde os exércitos beligerantes disparam sem ter que disparar um tiro.
É uma guerra que se trava num tabuleiro de Monopólio, cujo objectivo é levar os adversários à bancarrota.
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