Dia 18 de Maio de 2014:
Chego de Paris para a vida de sempre e o hábito, que se me tornou doença crónica prolongada, de conviver com dois processos de divórcio pendentes nos tribunais portugueses desde 2008.
Enquanto os meus concidadãos vivem no usufruto das suas liberdades e garantias, eu encontro-me refém, numa situação de limbo, entre o não ser casada e sê-lo oficialmente à face da lei.
Não posso, por exemplo, dispor dos bens que herdei dos meus pais, ainda que o regime do meu casamento não seja a comunhão de bens. Neste país, preciso sempre de uma autorização do cônjuge para alienar património que seja só meu e não do casal. Não posso adoptar uma criança porque sou oficialmente casada mas não o sou e a lei para a adopção é muito explícita quando diz que podem adoptar as pessoas singulares ou casadas: eu não sou nem uma coisa nem outra. Não posso casar, se assim o quisesse, porque continuo casada. Em caso de necessidade, não poderia contrair um empréstimo. Não tenho direito a algo tão fundamental como o nome, porque, estupidamente, fiz o que o Padre pediu e adoptei o sobrenome do meu então e ainda-marido. Desde 2008 que as minhas liberdades são profundamente limitadas.
O meu divórcio, contam-me, não é prioritário na justiça por não envolver menores nem bens comuns. Entendo, embora não perceba como pode a justiça demorar-se há já quase seis anos. Assim como não entendo todos os expedientes dilatórios que têm sido permitidos à parte contrária, ou seja, à parte do meu ainda-marido, o Réu, para fins processuais.
Há quase seis anos que dois juízes, um em fórum cível, outro em fórum de tribunal de família, suspendem o decurso da minha vida e não compreendo a dificuldade, a delonga de julgar o que me parece um processo rápido. É um divórcio litigioso, certo, embora à luz da nova lei do divórcio se intitule um divórcio sem consentimento do outro cônjuge. Porém, é um litígio relativo: uma parte pede o divórcio e a consequente dissolução do casamento e a outra pede, bem... pede umas largas dezenas de milhar de euros de compensações. É um litígio financeiro, em suma.
Nestes quase seis anos embrenhada em tribunais, aprendi a duras penas que a justiça não olha com bons olhos mulheres como eu. A justiça apieda-se das desgraçadas, não das mulheres auto-suficientes e suficientemente resilientes para não darem o braço a torcer. A justiça não gosta de mulheres que apresentem peças processuais com quatrocentos e tal anexos de prova factual. A justiça prefere a vacuidade de "O Reú sempre dirá" qualquer coisa insólita à qual não se acrescenta prova documental, nem uma, uma vez que fosse. Sim, a justiça acoberta a falta de prova há quase seis anos e eu que pensava que prova fosse a essência da justiça.
Nestes quase seis anos houve seis diligências para audiência. A Autora e seus representantes legais compareceram sempre. O Réu compareceu a uma; os representantes legais do Réu compareceram a duas e, curiosamente, compareceram sempre com atrasos e, da vez em que o Réu compareceu, os seus representantes legais não compareceram nem avisaram o tribunal, pelo que a diligência não se realizou. Ou seja, em quase seis anos, houve efectivamente duas diligências de audiência, numa das quais os representantes legais do Réu nem sequer tinham procuração do Réu.
Já a Autora levou as maiores humilhações da Senhora Juiz que, numa das audiências lhe pediu para descruzar a perna, porque "Ninguém se senta à minha frente de perna cruzada", enquanto que a Mandatária do Réu pôde continuar com a perna cruzada e dossiers em cima da dita perna cruzada. Também a Autora, que não nasceu nesta língua, entenda-se, teve problemas em perceber a dita Juiz da primeira vez que a mesma lhe pediu "Identifique-se". Ora, no entendimento da língua portuguesa possuído por esta Autora não-nativa falante "Identifique-se" significa "faça prova da sua identidade". Ocorre, que, enquanto a Autora diligenciava para mostrar o seu bilhete de identidade, a Juiz lhe perguntou "O que é que está a fazer? Identifique-se significa diga o seu nome". Agradeci a instrução em língua portuguesa porque, afinal, também aprendemos umas coisas no tribunal.
18 de Maio de 2014: este é o cenário da minha vida.
4 comentários:
Nem sei o que dizer! Resta-me desejar-lhe que tudo se solucione brevemente.
Fiquei confusa pq sempre pensei que qd não há filhos ( que penso ser o caso) não era necessário consentimento do cônjuge para vender! Pelos vistos estou enganada!
Que injustiça, minha amiga...e eu achando que aqui é que a justiça era morosa.Boa sorte e que logo venha uma boa notícia!!!
Cara Blonde, entender a Justiça é muito complicado!
Entendemos melhor a "Injustiça".
Temos leis ... mas a interpretação dessas leis é, para nós, portugueses, muito difícil.
É que a Lei diz e desdiz, Sendo essa a razão de tanta ilegalidade.
Cara Blonde, entender a Justiça é muito complicado!
Entendemos melhor a "Injustiça".
Temos leis ... mas a interpretação dessas leis é, para nós, portugueses, muito difícil.
É que a Lei diz e desdiz, Sendo essa a razão de tanta ilegalidade.
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