Apaguei hoje da lista do telemóvel o número dele. Não há hipótese de lhe voltar a ligar. Esse capítulo fechou-se. Foi meu advogado durante os primeiro quatro anos do meu infame processo de divórcio. Foi ele que elaborou as peças processuais que me permitiriam chegar aqui com os resultados a que cheguei. Foi ele que me aturou no mau e no pior que mau que atravessei e atravessámos.
Era duro. Não atraía simpatias mas simpatizámos um com o outro e ele apiedou-se de mim na dificuldade que era o meu divórcio em toda a sua megalómana insanidade.
- Tenha ânimo, Doutora - dizia-me. - Ainda é muito jovem. Tenha ânimo!
E eu desabava muitas vezes, incapaz de crer na justiça e na justeza dos homens. Só o meu processo o impedia de se retirar das lides. Aguentava-me e aguentava-se por mim. Era um Senhor. Daqueles de cêpa rija e antiga. Passava cá por casa e dava-me pão e cerejas e enchia-me a garagem de lenha para o Inverno. Não me cobrou um tostão de honorários.
Quando chegou aos 82 e o meu divórcio a continuar parado, a minha consciência berrou-me forte que eu não lhe podia continuar a fazer aquilo. Ele não achava assim. Foi o cabo dos trabalhos convencê-lo de que era altura de outros aguentarem tribunais e processos, juízes e advogados rivais. Ajoelhei-me aos pés dele para que se deixasse de bravuras, que era tempo de ele descansar e que eu não aguentava mais saber que ele passava por aquela violência aos 82 por minha causa.
Hoje sei que não mais lhe ligarei. O número foi apagado mas se eu cheguei aqui, da maneira que cheguei, devo-o a ele.
Meu querido Dr. Eduardo, um número apagado não é o fim da memória. Obrigada por tudo: hoje, sempre.
1 comentário:
Pelos vistos era/ficou um amigo! Talvez ele até gostasse de um telefonema seu, quiçá um " Happy New Year"!
Enviar um comentário