Não soube o que é ter Mãe na idade adulta. Não lhe testemunhei o passar do tempo. Vivo-a na saudade perpétua domesticando a dor numa luta constante para que as memórias dela me firam o menos possível por significarem a sua ausência.
Com o Pai é diferente. Ele permaneceu. Mudou a vida depois que aquilo tudo aconteceu. No início toda a mudança me foi penosa, insuportável quase, mas o tempo é o tempo e o tempo sabe amainar-nos. Quando vejo o meu Pai com os netos, os filhos que eu não tenho, suspendo o coração e suspendo os momentos. A Mãe está lá sempre numa ausência palpável nas imagens que vejo dele rodeado por duas crianças chilreantes que o tratam com o afecto das meninices felizes. Vejo o meu Pai avô como não o vi Pai. Vejo-lhe o tempo no corpo e no rosto e noto como se transformou com a passagem que, felizmente, se vai tornando longa por aqui nesta corporalidade.
Ontem suspendi-me, como sempre, ao vê-lo a arranjar um dos portões da rua aqui em Casa. Não estava só. Por detrás da vidraça da janela deixe-me ficar a observá-lo a consertar a fechadura com o neto ao pé. E o neto falava-lhe perguntando-lhe coisas curiosas e indo-lhe aos bolsos a ver se descobria o que teriam: coisas que só os bolsos de avôs devem ter. E o Pai-Avô respondia e deixava-se estar na companhia do neto.
Não consigo descrever o misto de enlevo, amor e perda que sinto nesses momentos que me doem tanto como tanto me deixam felizes e que me doem precisamente por serem felizes.
Depois os netos forma embora de volta para a cidade e eu fiquei, filha com o Pai e fomos reviver um passado onde eu não entrava há mais de vinte anos. Fomos. fomos à feira e fomos felizes. As memórias todas lá, caladas ou pronunciadas como se não nos doessem. Demo-nos ao presente conscientes daquele passado. Aproveitámos o momento, felizes por vivê-lo e partilhá-lo nesta vida de correrias. Regressámos a Casa e quando ele se foi embora e lhe vi o carro partir por entre a noite lembrei-me que um dia não o terei. Pedi que esse momento me seja afastado o mais possível e tive saudades. Tive saudades de momentos destes um dia que não os tenha e pedi à mente e ao coração que não se esqueçam nunca daquele momento e do que sentiram.
De facto, nada há que se compare a esta coisa maravilhosa do sentimento dos nossos...
1 comentário:
Belo texto!
Enviar um comentário