25 de abril de 2015

Da felicidade do epílogo num dia bom

Gosto sempre deste reencontro. Digamos que é um daqueles momentos altos no ano, um momento estabelecido em tradição, um ritual que marca ciclos e a circularidade da vida.
Este ano tivémos de adiar: a vida, claro, e o meter-se no meio de planos só para nos confundir. Foi Natal em fins de Abril com águas miúdas mil a borrifar o encontro, quiçá se a lembrar os nossos habituais Dezembros.
Cheguei já ela me esperava, ainda que eu não estivesse atrasada. Costuma ser assim. A primeira coisa que os olhos queriam era ver se ela estava igual a sempre ou se havia mudança pelo tempo e circunstâncias que nos adiaram o encontro. Descansei. O mesmo que os olhos viram naquele instante ainda antes de lhe dizer olá e de dar o abraço adiado sossegou o coração no descanso confortável que diz "está tudo bem".
Novidades a jorro, a conversa que flui com muito para dizer e o meu pensamento, neste dia em particular, a lembrar-me que ela vem comigo desde um passado feliz. Conheceu-me quando eu tinha o meu nome verdadeiro, a minha família intacta, a vida que me despontava, a juventude em aberto. Foi-me importante e foi ficando e eu com ela. Depois veio a Morte, seguida do meu casamento desastrado e do meu pior calvário para o divórcio. E ela sempre a continuar em presença e os nossos lanches e almoços e conversas condensadas no muito que temos sempre para dizer.
- Ao recomeço. - Diz ela, dando-me mensagens de amor de um Portugal tradicional e antigo e inocente. E ela nem sonha que hoje, neste dia em particular, o recomeço tem um significado tão exaltado.
Faz hoje, exactamente hoje, anos que casei desastradamente. Convidei-a mas ela não veio. Hoje agradeço a não sei que estrela da Providência que a Mãe estivesse morta e que ela não tivesse vindo. Nem uma nem outra assistiram fisicamente ao holocausto que simbolicamente vejo ter sido o dia do meu casamento condenado. Mas ela hoje está comigo e está comigo justo no dia em que vou buscar o meu novo cartão de cidadão, onde voltei a ter o meu nome verdadeiro e a sentir-me Eu. Sim, vou buscá-lo assim que a deixar. Acho que me despeço numa pressa pouco habitual. Não sei se ela repara ou não. Mas sei que me vai perdoar: tenho uma pressa visceral em ir buscar o meu cartão novo com a minha identidade que conheceu um tão nefasto interregno. Podia ir buscá-lo na segunda-feira, mas não conseguirei segurar a ansiedade de me ter de volta por mais dois dias.

Minha querida Ältere Leute,

No dia 24 de Abril de há muitos anos não esteve comigo, mas esteve hoje, neste mesmo dia, no dia em que volto a ser eu oficialmente. Não imagina o que isso tem de significado para mim. Não lho consegui dizer presencialmente porque não queria fantasmas de memórias a ensombrar as poucas horas que estávamos juntas e porque, às vezes, as coisas realmente profundas encontram melhores palavras e mais fáceis verbalizações na escrita. Ontem foi um aniversário mas foi também um dia zero de muitos dias que virão.
Fui muito feliz nesta coincidência e mais gostei de estar consigo neste dia. O meu passado bom materializado presente.
Na foto que aqui deixo, há uma palavra que fotografei de propósito, "feliz", porque é feliz que estou, porque é feliz que esta amizade me faz. Fico à espera do nosso próximo encontro. Até lá, obrigada por ser quem é: gosto muito de si hoje e sempre.

Um beijinho,
Blonde

1 comentário:

Ältere Leute disse...

O que se pode dizer depois de ter lido esta "tradução" do que se sentiu ? Agora e ao longo dos 21 anos que levamos de "proximidade" ?
Só dizer da surpresa pela coincidência da data, ainda bem que não evocada ali no nosso encontro !
Agradecer também a graça de podermos trocar mimos !
Que a vida, na sua juventude "renovada" e no meu "inaceitado" Älterwerden, nos vá permitindo reconstituir encontros e memórias ! Beijinho amigo!