23 de maio de 2015

Havia uma cadeira...


Havia uma cadeira que estava viva durante a Guerra, a Segunda, nefanda. Sobreviveu-lhe e tomou o rumo do Ocidente atlântico onde ficou entregue à sua sorte de abandono. Era de talha dourada e veludo que teria sido luminoso na juventude. Envelheceu até ser descoberta por um ex-não-marido que achou que spray dourado era algo tão nobre como talha e, vendo a desgraça feita, a abandonou a nova sorte de sótão do esquecimento, prosseguindo, incauto, nesse não-casamento que se desfez em pó.
Só que, de vez em quando, eu lembrava-me da cadeira e da sua história de tristeza. Ainda pensei desfazer-me dela, do passado dela e dos maus-tratos que ela me lembrava. Acho que lhe consegui apagar o passado como, aos poucos fui apagando o passado do meu não-casamento que já não me perturba. Desceu do sótão empoeirado da garagem. Pintei-a e entreguei-a aos cuidados caprichados do Sr. Augusto Pinchas da Bella Harpa, perito em salvamentos de passados desprezados. Acho que ficou digna da entrada da Casa.
Ao Sr. Augusto, o obrigada que se impõe.

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