E cá estão eles, agora à luz do dia: os Músicos de Bremen, o burro, o cão, o gato e o galo. São presença constante e conspícua nesta cidade hanseática, cidade livre, cidade-estado: Bremen. Há três cidades-estado na Alemanha: Berlin, Hamburg e Bremen, orgulhosamente o mais pequeno estado da Alemanha.
Morávamos na rua do eléctrico que passa à frente da câmara num prédio de três andares com um jardim relvado nas traseiras que fazia as minhas delícias. Um dia chutei uma bola encarnada com bolinhas brancas para o quintal dos vizinhos e perdi-a. Uma tragédia na minha vida infante. Habitávamos o rés-do-chão, os donos do prédio residiam no primeiro andar e o filho destes e a nora moravam no segundo. Adoptaram-me e, por isso, os avós de que me lembro primeiro são estes: os Heils. Vestiam-me nos trajes típicos e saíam comigo para todo o lado. Era um prédio familiar e eu a única criança. Os meus pais e os Heils viviam, literalmente, na casa uns dos outros (lá se vai o mito da frieza) e as portas estavam sempre abertas. Basicamente, eu vinha dormir à minha cama na casa dos meus pais e o resto dia estava com o Helmut e a Ingrid (os filhos dos donos) ou com os Heils sénior que tinham uma gaiola com dois periquitos, um dos quais um terrorista que me bicou um dedo e me fez temer periquitos até este dia.
A primeira morte que sofri foi do Heils avô. Lembro-me de a minha mãe receber a notícia e ficar lívida. Transfigurou-se e foi assim que percebi que a morte existe e que não tem regresso. Lembro-me da explicação que me deram para não voltar a ver o Heils (nunca o chamei pelo primeiro nome) e lembro-me de pensar que aquela explicação devia ter algum erro porque eu não conseguia imaginar o que era nunca mais ver alguém.
Não nasci em Bremen mas Bremen é o primeiro sítio de que me lembro. Regressar aqui é regressar a um local passado e só percebe este sentimento quem vive longe do espaço onde cresceu. sinto demasiadas coisas para as conseguir verbalizar todas...
1 comentário:
Rui Veloso, numa das suas canções, diz: “não voltes a um lugar onde foste feliz”! Eu, por experiência, assumo que é verdade... umas duas décadas depois voltei a um mundo em que fui feliz, o mundo que a minha tia Aninhas nos proporcionava... subi ås árvores, corri a trás de patos, apanhei rãs na ribeira que atravessava a propriedade... Não devia ter ido!
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