Mamã, já não sei entrar aqui e tenho receio que um dia não consiga de todo mas, apesar do receio, não venho. Perdi o tempo. Perdi a vontade. Sobretudo o tempo. Perdi outras coisas este ano muito, muito mais importantes do que o tempo que não tenho. Gostava de me perder também, vogar livre ao teu encontro. Resisto. O Pai enxotou-me antes de ir embora, sabias? Foi tudo tão diferente com ele. Não sei onde anda. Talvez tenha ido ter contigo mas se o tivesse feito eu sentiria, não? Ou ele talvez faça parte de um círculo de gente tua e não minha. Acho que cada um de nós tem círculos de gente sua. Eu posso estar no teu círculo e não conhecer toda a tua gente, tal como tu não conheces toda a minha. E há gente que só encontramos uma vez. Talvez o pai me tenha sido gente dessa do uma só vez. Seja como for, está tudo diferente. Só não está diferente este falar contigo neste dia.
Voltei a ver o futuro como o via depois de te teres ido embora. Acho que vivi uns anos de interregno dessa visão. Talvez me tenha iludido No diferente que tudo está, voltei ao que era. Em suma, se calhar não está tudo tão diferente assim. Vir aqui verbalizar ajuda-me a pensar que sim, se calhar não está tudo diferente houve foi uma recolocação de coisas e pessoas. Nunca pensei viver para dizer que te foste há 23 anos. Uma vida. Passou rápido com dias lentos. Que eu aqui esteja é que me espanta. Tanto tempo, Mãe, e tu sempre aqui e eu vivendo aqui.
Queria perder-me. Que estupidez. Estou tão perdida, Mãe. Ando tão longe e pesa-me tudo. Às vezes penso de onde venho. Nesses momentos de alguma lucidez vejo que grande foi a viagem, muito, bem para lá do que eu podia pensar quando esperava o autocarro vinda do Nada para ir de regresso a casa ao fim do dia e pensava no que seria o desconhecido que me aguardava no futuro. Já o conheço. É enorme. No entanto, não me sabe a nada. Estas ironias são tramadas. Deveria saber-me a tudo mas é-me indiferente. Só tu me és. Amor da minha vida. Só tu me és...