28 de junho de 2021

23

 Mamã, já não sei entrar aqui e tenho receio que um dia não consiga de todo mas, apesar do receio, não venho. Perdi o tempo. Perdi a vontade. Sobretudo o tempo. Perdi outras coisas este ano muito, muito mais importantes do que o tempo que não tenho. Gostava de me perder também, vogar livre ao teu encontro. Resisto. O Pai enxotou-me antes de ir embora, sabias? Foi tudo tão diferente com ele. Não sei onde anda. Talvez tenha ido ter contigo mas se o tivesse feito eu sentiria, não? Ou ele talvez faça parte de um círculo de gente tua e não minha. Acho que cada um de nós tem círculos de gente sua. Eu posso estar no teu círculo e não conhecer toda a tua gente, tal como tu não conheces toda a minha. E há gente que só encontramos uma vez. Talvez o pai me tenha sido gente dessa do uma só vez. Seja como for, está tudo diferente. Só não está diferente este falar contigo neste dia. 

Voltei a ver o futuro como o via depois de te teres ido embora. Acho que vivi uns anos de interregno dessa visão. Talvez me tenha iludido No diferente que tudo está, voltei ao que era. Em suma, se calhar não está tudo tão diferente assim. Vir aqui verbalizar ajuda-me a pensar que sim, se calhar não está tudo diferente houve foi uma recolocação de coisas e pessoas. Nunca pensei viver para dizer que te foste há 23 anos. Uma vida. Passou rápido com dias lentos. Que eu aqui esteja é que me espanta. Tanto tempo, Mãe, e tu sempre aqui e eu vivendo aqui. 

Queria perder-me. Que estupidez. Estou tão perdida, Mãe. Ando tão longe e pesa-me tudo. Às vezes penso de onde venho. Nesses  momentos de alguma lucidez vejo que grande foi a viagem, muito, bem  para lá do que eu podia pensar quando esperava o autocarro vinda do Nada para ir de regresso a casa ao fim do dia e pensava no que seria o desconhecido que me aguardava no futuro. Já o conheço. É enorme. No entanto, não me sabe a nada. Estas ironias são tramadas. Deveria saber-me a tudo mas é-me indiferente. Só tu me és. Amor da minha vida. Só tu me és...

2 comentários:

Manuela disse...

Oh Blonde, que saudades tinha da sua escrita! Parece palerma dizer isto e não vir espreitar o blog há tantos anos, mas mudou tanta coisa para mim, ou terei mudado eu. Agora fiquei feliz de poder voltar a lê-la, embora que poucochinho.
Voltei aqui por ter lido um comentário seu no blogue do Pedro Rolo Duarte...
Perdi a minha mãe há 8 anos, no dia 30 de Junho. Partiu com Alzheimer mas devido a um problema respiratório súbito, num Verão de muito calor. E, apesar dos meus 67 anos, pesa-me tanto a falta dela. Onde pára, digitalmente falando?
Se fôr no Facebook ou no Twitter não tenho nem quero ter. Qual o nome do seu canal? E do seu livro? Há pessoas a escrever muito bem na blogosfera (e outras muito mal) mas a sua maneira de escrever é inconfundível, vem de dentro de si. Esteja onde estiver, obrigada pelos momentos de prazer que me deu. Manuela

João Afonso Machado disse...

Olá!
Não a lia há anos. Mas é sempre um prazer.
Apareça em jamachadosemterra.blogs.sapo.pt JAM Sem Terra- um blog hoje muito pacífico. Se eu soubesse subscrever um blogspot, escolhia já o seu.
Oxalá dê notícias