Começa o ano, (re)começa a crise. Pelo que tenho entendido, nas mensagens natalícias e de ano novo os dirigentes da nação explicaram ao povo português que se avizinham tempos críticos. 2009 não será o ano da abundância. Ainda ontem, o Primeiro-Ministro prevenia que nem é crise o que aí vem, é uma recessão monumental e agora o Banco de Portugal vem divulgar a notícia requentada de que "caríssimos, isto não vai ser nada fácil". E será que alguma vez foi?
Desde que me entendo por gente só conheço Portugal como um país em estado de crise endémica, algo como a malária no Gabão ou na Serra Leoa. Nos finais da década de 70, princípios da de 80, quando o Pai decidiu assentar arraiais em Portugal e eu passei a ver a Heidi a preto-e-branco e a levar com doses generosas de desenhos animados checos do Vasco Granja (de facto, o que não nos mata torna-nos mais fortes), o país estava em crise. Ele era a crise na Lisnave e ele era a crise exposta nas manifestações das bandeiras pretas. Lembro-me de a Mãe perguntar ao Pai o que eram aquelas bandeiras.
- São as bandeiras da fome. - Dizia ele, assim a seco, sem mais explicações. Nem era preciso.
Eram tantas, tantas as bandeiras de um país em crise. E eu pensava que aquelas pessoas todas não tinham pão com manteiga para comer. É que lá em casa, mercê de outros hábitos, comíamos pão com manteiga e mel, pão com manteiga e fiambre, pão com manteiga e doce, pão com manteiga e queijo, o Pai acompanhava as refeições com pedaços de pão com manteiga e a Mãe comia uvas brancas e figos com pão com manteiga (garantidamente a coisa mais gostosa à face da Terra). Por isso, para mim, pão com manteiga era o mínimo indispensável à vida humana. E, por causa da crise e das bandeiras, aquelas pessoas todas não tinham pão com manteiga.
Mais tarde veio a crise da deslocalização de empresas para países de Leste. Depois, quando me casei, houve aquela grande crise das empresas a fechar e lembro-me de ver o Rodrigo Guedes de Carvalho abrir um telejornal com aquela cara solene do catastrofismo:
- É oficial, Portugal entrou em crise! - Ao que se seguiu um desrolhar absurdo de falências de empresas. Aí pensei no duro que era ser adulto e ver a economia em derrocada. E pensei, também, que aquela era a crise que estava reservada para a minha geração, como a de 80 estivera para a geração do Pai e da Mãe.
Agora, que até o casamento já partiu, está aí uma crise financeira que se transforma em recessão económica. Ou seja, a minha triste geração, a tal que via a Heidi vestida de cinzento, já leva duas crises às costas e ainda agora aqui chegámos. Pergunto-me se algum dia deixaremos de estar em crise? E vaticino, desde já, que dentro em breve a vida continua em novos capítulos de nova crise. Vai uma aposta?
Desde que me entendo por gente só conheço Portugal como um país em estado de crise endémica, algo como a malária no Gabão ou na Serra Leoa. Nos finais da década de 70, princípios da de 80, quando o Pai decidiu assentar arraiais em Portugal e eu passei a ver a Heidi a preto-e-branco e a levar com doses generosas de desenhos animados checos do Vasco Granja (de facto, o que não nos mata torna-nos mais fortes), o país estava em crise. Ele era a crise na Lisnave e ele era a crise exposta nas manifestações das bandeiras pretas. Lembro-me de a Mãe perguntar ao Pai o que eram aquelas bandeiras.
- São as bandeiras da fome. - Dizia ele, assim a seco, sem mais explicações. Nem era preciso.
Eram tantas, tantas as bandeiras de um país em crise. E eu pensava que aquelas pessoas todas não tinham pão com manteiga para comer. É que lá em casa, mercê de outros hábitos, comíamos pão com manteiga e mel, pão com manteiga e fiambre, pão com manteiga e doce, pão com manteiga e queijo, o Pai acompanhava as refeições com pedaços de pão com manteiga e a Mãe comia uvas brancas e figos com pão com manteiga (garantidamente a coisa mais gostosa à face da Terra). Por isso, para mim, pão com manteiga era o mínimo indispensável à vida humana. E, por causa da crise e das bandeiras, aquelas pessoas todas não tinham pão com manteiga.
Mais tarde veio a crise da deslocalização de empresas para países de Leste. Depois, quando me casei, houve aquela grande crise das empresas a fechar e lembro-me de ver o Rodrigo Guedes de Carvalho abrir um telejornal com aquela cara solene do catastrofismo:
- É oficial, Portugal entrou em crise! - Ao que se seguiu um desrolhar absurdo de falências de empresas. Aí pensei no duro que era ser adulto e ver a economia em derrocada. E pensei, também, que aquela era a crise que estava reservada para a minha geração, como a de 80 estivera para a geração do Pai e da Mãe.
Agora, que até o casamento já partiu, está aí uma crise financeira que se transforma em recessão económica. Ou seja, a minha triste geração, a tal que via a Heidi vestida de cinzento, já leva duas crises às costas e ainda agora aqui chegámos. Pergunto-me se algum dia deixaremos de estar em crise? E vaticino, desde já, que dentro em breve a vida continua em novos capítulos de nova crise. Vai uma aposta?
18 comentários:
Em rigor Portugal está em crise desde 1578, à espera de quem ainda não regresssou de Marrocos, apesar de inúmeros avistamentos anunciados em trovas repetidamente cantadas...
Pois eu recuaria uns quantos séculos, à crise instaurada por um adolescente birrento que com a mania da autonomia antecipada e aspirando ao título de Rex se rebelou contra a mãe Teresa...
António,
Fazer o quê?, eu só posso recuar umas poucas décadas... (gaita, eu dantes não conseguia recuar décadas, ó diabos!)
Teresa,
Nem de propósito!!!!! Como adivinhou que estou a ler: "D. Teresa. A Primeira Rainha de Portugal", Marsilio Cassotti?! Vou precisamente na pág.206 e estamos em 1127! O adolescente birrento começa a entrar em cena:)
Confesso que cheguei a ficar preocupado com o andamento da Sinfonia da Crise!
Ia eu lendo, e aprendi que afinal pão com manteiga era suplemento energético garantido no suprimento alimentar duma "Blonde" ... lá está, vai-se vivendo e estamos sempre a aprender e a descobrir.
Mas, dizia eu, cheguei a temer o pior quando entramos no binómio casamento/crise na economia, divórcio/crise na economia.
Juro que temi o pior ... eu até já me preparava para ver a minha dilecta amiga a terminar com um pedido de aval ao Estado por mor da ligação umbilical entre os dois acontecimentos.
E a assim suceder, quase que via o nosso Primeiro, de rosto afivelado, a garantir que se o Estado ocorre a cavalheiros, banqueiros é certo mas nem por isso menos feios que bodes, então ocorria muito mais rápida a uma Blonde, e consequentemente muito mais bonita que os ditos cujos bodes, com Phd e tudo ...
Depois, bem, depois topei que, afinal, estávamos ante uma lição de Lusa História, na vertente económica. E aí concedo que, de facto, a crise é endémica e já nos tempos das generosas maquias das especiarias e dos fartos "carcanhóis" do Brasil a Nação se arrastava no lodaçal.
Tendo o nosso Afonso Primogénito sido chamado à colação, mesmo assim não sei se o arremedo de adolescente rebelde (antecipando em séculos os "flower powers" e até as cristas dos punks) tivesse levado valente tabefe, se a Nação teria melhor destino.
Afinal, não nos podemos esquecer que a senhora sua mãe dormia com o inimigo e conspirava para se erguer a outros voos.
Não. Isto, minha cara amiga, tem de ter explicação no iodo do mar, nos saramagos da sapo ou em qualquer cachaporra dessas ... mas não a tem, certamente, no casamento duma Blonde ou nos arrufos resolvidos à sapatada entre mãe e filho!
Raios ... onde se lê "saramagos da sapo", leia-se antes "saramagos da sopa".
E olha, eu poria aqui como banda sonora aquela música do Quarteto 1111 chamada "A lenda d'El Rei D. Sebastião".
Quinn, meu velho,
Como não sei o que sejam saramagos (tirando aqueles que escrevem) e nem sonho o que seja Quarteto 1111 (tirando um certo cinema que acho já ter fechado no entrementes), resumo-me à minha loura ignorância:)
Eu fiquei lá atrás no pão com manteiga, é que dada a minha situação, estou beber por uma palhinha e comer... só sopa.
O raio da febre deu cabo de mim.
Infelizmente tive o prazer de ver Sócrates e fiquei mais reconfortado, existe crise, é maior de sempre mas estamos preparados...
Estes políticos representam um perigo sistémico para o país!
Quanto às previsões, crise e preço do petróleo... já nem lhes ligo!
Menina Senhora Dona Blonde, ora então faça-me o obséquio de estar com atenção …
Lição número 1 - Da formação inicial do Quarteto 1111 faziam parte Miguel Artur da Silveira (bateria), José Cid (voz e teclas) e os irmãos António Moniz Pereira (guitarra) e Jorge Moniz Pereira (baixo). Passam alguns meses a trabalhar na garagem da casa de Michel porque pretendiam fazer algo de diferente.
O programa “Em Órbita” do Rádio Clube Português passa “A Lenda de El-Rei D. Sebastião” em Agosto de 1967. Um EP com os temas “A Lenda de El-Rei D. Sebastião”,”Os Faunos”, “Fantasma POP” e “Gente” é editado, em Novembro, pela Valentim de Carvalho.
Ficam em terceiro lugar no Festival RTP da Canção de 1968 com “Balada Para D. Inês”. Em Março lançam um EP que inclui esse tema, “Partindo-se” de João Roiz de Castelo Branco (retirado do “Cancioneiro Geral” de Garcia de Resende) e ainda dois temas da autoria de Jorge (“Vale de Ilusão” e “Dragão”).
Jorge Moniz Pereira sai e entra Mário Rui Terra para o seu lugar.
Em Novembro de 1968 é editado o EP “Dona Vitória”. É editado também um single com os temas “Meu Irmão” e “Ababilah”. A capa da segunda edição deste single tem uma faixa com essa indicação.
Um novo single, “Nas Terras do Fim do Mundo”, é editado em Outubro de 1969. Ainda nesse ano é lançado o single “Génese/Os Monstros Sagrados” com a participação de Betty Wilkinson Silveira.
Lição número 2 - Do saramago, que consta nos dicionários dos vários autores e editoras que consultei, dizem os mesmos, resumindo, que se trata de uma planta comestível.
Vem no inverno, quando, não só por causa das cheias, mas também por essa ser, já de si, uma época em que a actividade agrícola abrandava, muitos camponeses às vezes ficavam semanas sem trabalho.
Deitava-se então mão ao saramago que despontava sobretudo nas terras semeadas de trigo. Os proprietários não se opunham.
Tratando-se de ervas daninhas, até lhes dava jeito. Já ficava menos erva para mondar.
Os saramagos substituíam as couves e os nabos. Muito simples, portanto.
Falando em saramagos, não pode deixar de vir à baila a história do José Saramago. Como ele próprio tem dado a conhecer, Saramago era alcunha da família paterna, tendo passado, nele, por lapso do empregado do registo civil que tratou do seu registo de nascimento, a apelido. Os restantes Saramagos da Azinhaga continuaram a sê-lo por alcunha e, muito provavelmente, a passarem a alcunha aos filhos.
Presumo que o mimo de velho é mesmo na brincadeira!
Lembro-me da Heidi sim , e do Marco , e lembro-me também de ouvir os meus avós e os meus dizerem 'esperamos por melhores dias'. Nunca me faltou nada , também eu comia pão com manteiga , mel e tudo o resto que poderia haver para pôr no pão ,mas com 37 anos 'continuo á espera de melhores dias' também.
Por isso Blonde , desculpa , mas não aposto.È uma roda sem fim..
Jokas :)
Senti-me fabulosamente acompanhado por ti, Blonde, no meu Pão com Manteiga de sempre e que o Tiago Cardoso já imortalizou e elevou a toda uma Metáfora Alargada de mim, como bem deves ter lido.
A Crise vai doer e, associada à Realidade concreta das Pessoas, pode ser que tenha efeitos paradoxalmente benéficos numa inédita união entre as pessoas e numa redescoberta do valor de cada uma delas por contraste com o desrespeito e até desdém público até ao momento praticados pelo Estado ou, antes, por quem o representa e pessimamente.
Provavelmente, os que nos transformaram em números, indicadores e estatísticas descobrirão, com dor ou sem dor, o tecido densamente entretecido [talvez só assim e só agora mais atento, mais unido e muito mais lúcido civicamente] que constitui um Povo-em-Sofrimento.
Um Povo-em-Sofrimento faz gritar até as pedras da calçada e semeia as horas mais egoístas na eloquência da partilha.
Oh minha cara...
Toda a razão... E eu que sou bem mais velha e venho do interior norte...tinha uma centena de histórias a acrescentar ao exemplo tão claro dado pela Carol no comentário atrás!
:)))
-Um breve complemento à informação do caro Ferreira-Pinto, os 1111 tiveram mais músicas censuradas que Zeca Afonso, ao que por aí se diz.
Tiago,
Tadito! A ver se te pões bom depressa para comeres um belo pãozinho quente com manteiguinha derretida, hmmm....
Implume,
Como vês, é bem fácil fazer previsões! Eu prevejo muuuuuuuita crise,mas prevejo também muuuuuuita gente a dar-se bem com ela. Fácil, não?
Quinn,
E esse José Cid é o mesmo que eu estou a pensar? Xiii, o tipo já manda balanço! E eu a pensar que ele tinha começado no Festival da Canção?! Ó triste ignorância:)
Olha, do jeito em que o meu jardim anda não me admirava nada que estivesse cheio de saramagos:)
Dante,
Que tal esta para pôres lá a correr no blog para as boas vindas?: "É num porto italiano, mesmo ao pé das montanhas, que vive o nosso amigo Marco, numa humilde casinha...", queres que continue ou já te chega?:)
Josh,
Ainda bem que te sentiste acompanhado por moi même je! (are we good? I do hope so, man!)
É, isto é um raio de crise sobre crise mas a ver se nos distanciamos um pouco de certas e cruas realidades e a ver se não fazemos delas a órbita das nossas vidas (hope you get the drift dearest Josh)
Carol,
Só me apetece dizer uma coisa, e entendamo-la aqui como um desabafo: ó triste país de pobreza! Se soubesses o que isso me dói! (e enraivece, mas eu sou uma senhora e raiva é coisa para amordaçar, mas que dá raiva, dá!!)
mdsol,
Fez-me lembrar aquela patetice do Herman José que focava o "interior desquecido e ostracizado". É o país a duas velocidades, com realidades sócio-económicas tão discrepantes. Em suma, um país também em grave crise d einjustiça social.
António,
E depois eu é que gosto de George Michael... :)
Lol Blonde. Um dia faço essa graça ;D
Focalizo-me na mesa de boa madeira, na harmonia do pão com manteiga e sobretudo na discreta presença da tímida toalha de leve algodão.
Com tal sensibilidade não há crise que aguente.
Se a soubéssemos imitar...
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