10 de janeiro de 2009

Crisálida


Metamorfose. Sempre gostei desta palavra. Tem o sentido científico a par com um outro simbólico e imagético. Quando eu era a miúda de tranças louras que queria ser cientista, trazia para casa as crisálidas que apanhava no jardim e, por mais do que uma vez, acordei com borboletas na janela do quarto. Pequenos milagres...

Ter ido naquela noite àquela casa de fado...
Aquilo foi uma espécie de rito iniciático, um ritual de passagem (Adela em A Passage to India atordoada pelo eco das cavernas). Depois daquilo fui ver o "Amália" e nessa sequência fui de propósito à FNAC comprar cds de fado. Só que eu não tenho estilo de fado, eu não posso ser vista a comprar cds de fado: não liga, não bate certo (ok, comprei também o último dos Nickelback para esconder os outros e para ser mais eu). Eu não oiço fado! Eu não gosto de fado! Eu não percebo o Fado!
Claro que não!
Então porque é que me dei ao trabalho de ver um concerto do Carlos do Carmo na televisão? E porque é que fui ao site do Camané ver quando é que há um espectáculo para eu ir assistir? E porque é que, não havendo Camané no horizonte mais próximo, vou para o Coliseu ver a Mafalda Veiga em jeito de consolação (sempre há-de ser giro, o people todo a cantar e bater palmas e eu a fazer algo tão primário como tentar perceber as letras)? E porque é que gastei um dinheirão de vergonha nuns pendentes de cristal estilo Amália (lindos de cair para o lado) para estrear na Passagem de Ano e ofuscar o fogo de artifício? Pior, porquê estas tristes cenas:

"Com que voz...
- Buáááá, isto é lindo!!!!

... chorarei meu triste fado."
- Buáááá, que coisa tão triste... Buááá, isto é Camões e Amália... Buáááá, isto é a lusitanidade (e gaita que se o Gilberto Freyre inventou a tropicalidade eu posso bem inventar a lusitanidade), buááá...

Ando com a Via Verde avariada e passo as maiores vergonhas quando abro o vidro para pagar a portagem porque de dentro do carro sai fado em alto som. Que vergonha, meu Deus! A loura bimba super fashion a ouvir fado?! Não, não condiz! Só que isto até nem é o pior dos piores. É como dizem os ingleses: if worse comes to worst...
Acho que o "worst" chegou. Preparei agora um abstract para levar a Washington a uma conferência sobre imagens urbanas, qualquer coisa como "Visualizing the Urban Jungle", e isto é o que me saiu como sinopse do paper: "blablabla... the urban space, an abyss, a labyrinth, a jungle similar to the dark, unhealthy and remote forests of Africa, a place of suffering where early social scientists could prove Darwinian theories of the survival of the fittest". Ó deuses, isto é lúgubre! Ó deuses, eu escrevi esta deprimência ao som de fado?! Então eu que falo sobre bombardeiros Stealth e guerras e crises diplomáticas ando aqui nestes meandros escuros? Mas o que é isto?

Há aqui qualquer coisa que não bate certo. Onde é que anda a minha Blonde?

17 comentários:

António de Almeida disse...

-Deixe-se levar pelo fado, mas não compre gato por lebre. Para começar aproveite jantar numas casas de fado, assim de repente recomendo o sr. Vinho ou o Luso. Depois convám ter presente que existem vários tipos de fado, que é muito mais que Amália ou Carlos do Carmo, poderá até procurar no youtube ou myspace, Alfredo Marceneiro, Carlos Ramos, Fernando Farinha, Fernando Maurício, Tristão da Silva, Maria da Fé, entre outros, mas para começar estes não a deixam ficar mal. Nickelback? Oh my god, daqui a pouco irá dizer que também aprecia 3 doors down, Oasis, e outros do género? Prefiro outras ondas, Radiohead, Blur, Bjork, Beck, Tom Waits, Nick Cave, Tori Amos, Alanis. Cresci a ouvir Pink Floyd e Kraftwerk, e só comecei a ouvir fado depois dos 20 anos.

Alexandre disse...

http://alexandre-monteiro.blogspot.com/2004/07/notas-de-viagem-xxiv-texas-usa.html


e não esquecer o fado de coimbra.

Anónimo disse...

Ó Deuses, ainal afinda há esperança ... isto, não sei sequer porquê, recorda-me Galileu que enquanto abjurava seus ensinamentos garantia que "ela (a Terra) move-se!".

Quase que se ouve por aqui o troar das pedras que se estatelam no chão, o pó sufoca-nos os pulmões mas a Blonde (que ainda existe, tu é que não sabes) mexe-se!
Deixou-se de manias que nós cá sabemos e democratizou-se!

É isso, moça, fui uma aragem de proletariado que te entrou pelos neurónios dos gostos e, ó céus, ó deuses, afinal exitem muito mais coisas belas nesta vida que eu ainda não tinha percebido ...

Já agora, não ligues aos críticos nem te deixes levar para compositores e autores ... o gosto musical educa-se, é certo, mas para ser educado temos de ouvir de tudo já que no Universo nada se compreende sem se perceber a sua plenitude!

Se te sabem bem a Amália e o Carlos do Carmo, ouve.
Se te sabe bem o Camané, ouve.
Não desdenhes dum Alfredo Marceneiro, também ... ou dum João Ferreira Rosa, ou duma Maria Teresa de Noronha ... e duns trinados de fado de Coimbra (que é todo um mundo àparte) ... mas descobre as coisas por ti, não te deixes conduzir por críticos ou compositores que normalmente pecam pelo excesso de nariz empinado!

Em jeito de remate final, devo confessar que quase dei um pulo de alegria quando, na primeira leitura, e em diagonal, que fiz pensei ter visto Nick (Cave) mas afinal era Nickelback ... mas ainda há esperança!

mdsol disse...

Oh minha linda Blondíssima:
Gostei tanto de ler este seu texto! Gostei. Ponto. Acho que captei. Ponto. No comments. Ponto.
Sintamos, então, o que ele deixa transparecer tão subtilmente!



:)))

Anónimo disse...

Quando ontem li este post, decidi deixar o comentário para hoje. Queria saber se continuava a ter a mesma reacção. E tive. Para mim , o Fado é como a sopa. Quando começamos a gostar, é sinal de que estamos a envelhecer. Gosto de fado há muitos anos, mas sempre nos locais apropriados: casas de FADO.
Não consigo ouvir Fado no carro, nem em casa. FADO para mim tem de ser ao vivo, com toda a envolvente. Isso é cada vez mais difícil, porque as casas de fado hoje são feitas para turistas. Tal como me acontece em relação ao Tango, só o consigo viver, sentir e amar, nos locais onde ainda tem privacidade. Guardo cantinhos onde ainda consigo viver essas sensações, como tesouros preciosos...

DANTE disse...

Gostei principalmente da tua técnica para comprar cd's. ahahahah
Muito bem! ;D

Jokas Blonde :)

Abobrinha disse...

Minha linda

Tu és muita coisa! E pelos vistos também és fado! Também és melancolia, também és uma voz melosa que se lamenta e chora e mais não sei quê.

Sinceramente não te gabo os gostos (odeio fado!), mas se precisas de fado, afinfa-lhe! Mas uma coisa é certa: Portugal tem grandes vozes (Mafalda Veiga não é uma delas) e nunca é mau descobri-las. Mas eu iria mais para Mariza, por exemplo. Cuja voz aprecio, mas apreciaria mais se cantasse outra coisa que não fado...

PRD disse...

Onde é que anda a blonde - eis uma pergunta que me tem ocorrido nestes dias difíceis de gripe e convalescença... Onde andará a blonde fadista????

Blondewithaphd disse...

António,
Oh my God, digo eu! Eu lá gosto de Oasis e sei lá quem são esses tais 3doors down?! Blur, Bjork, Alanis e já falamos a mesma linguagem! Kraftwerk são um pouco antes do meu tempo e muito vanguarda para o meu estilo abimbalhado:) E sim, tenho de ir dar uso aos brincos que dizem sempre bem numa casa de fado:)

Alexandre,
Vai uma aposta que já estivémos em mais sítios comuns? Não desgosto de fado de Coimbra também.

Quinn,
Lá vens tu numa de guru musical! Olha tu estás à vontadinha para me inundar outra vez a mailbox com músicas do Nick Cave, mas prometo-te que a guerra vai ser dura desta vez... Assinarás um armistício em menos de nada:) Se eu fosse a ti já estava a tremer!

mdsolíssima,
Gosto que tenha gostado. Obrigada pela verbalização. Agora os significados subliminares é que me escapam... Garantidamente que nada há de subreptício no texto.

Carlos,
Como eu ainda ando numa de aprendizagem, vale tudo: até na carrinha. Mas sim, totalmente de acordo que fado numa Casa de Fado é toda uma experiência que estou morta por repetir (Jesus que nunca pensei dizer uma coisa destas!).

Dante,
Se imaginasses a vergonha... :)

Aboborinha,
Eu acho que me vou arrepender dos 30 euros que dei para ir à Mafalda Veiga, mas enfim... E acredita, eu acho que não gosto de fado, eu sempre detestei fado, mas ultimamente não sei, devo andar mais bimba do que o costume:)

PRD,
Not very far...

antonio ganhão disse...

O teu estado de crisálida está prestes a transformar-se em voo!

Rafeiro Perfumado disse...

Salva-te enquanto podes! Renega o fado, mulher, mete Queen, mete U2, mete Zé Cabra, mas larga esse vício! Tu consegues!

Anónimo disse...

Ó menina senhora dona e mais que não sei BLONDE, tu não te ponhas com exigências de inundações lá na caixa de correio eletrónico que eu mando mesmo ... e olha que bem sabes que para além do Nick Cave estás sujeita a que te manda com o "Das Model" dos Kraftwerk (afinal, que raio de "kraut" és tu que não aprecias "kraut-rock""?) e outros tais que eu cá sei ... e se quiseres guerra, a cada bombita de uns "Wham" que me mandares, afinfo-te com um, deixa cá ver, hum ... Ozzy Osbourne? Moonspell? AC/CD? Olha que lá por casa não é só tipos das antípodas (ou quase), pois também tenho aço britânico e estado-unidense para a tal guerra ... tu nem penses que numa batalha musical fazes uma campanha à "blitzkrieg"! :)
Eu antes de erguer a bandeira branca, e só porque sou cavalheiro, faço-te suar as estopinhas ...

Joaninha disse...

Blonde may love!

Olha estou com a carol, eu ouço de tudo, desde Metallica a Amalia, desde keane a Mozart, passando por vivaldi e Mariza e trovante e claaro Creed enfim uma porrada de coisas...

O fado é Portugal por muitos que a malta fuja dele...Todos dizem que não gostam, muitos são os que, escondidos, o ouvem. Faz como eu assume e ouve, aos gritos de preferencia, porque quanto mais alto se ouve mais fundo nos toca...

hehehe

Beijoss

Joaquim Alves disse...

"Prontos" é assim, eu gosto de fado, eu canto fado, (agora na casa de banho), mas nos meus tempso em Lisboa pelas casas de fado no tempo do João Ferreira Rosa, dos começos do João Braga, da Maria Teresa de Noronha, da Teresa Tarouca, da Amália, pois então, da Herminia Silva, (minha madrinha de guerra que quando queria cantava o fado como ninguém), e por aí fora.

Deixo-te esta letra, cantada pelo João Ferreira Rosa e não me digas que não é linda.

Quando parto é para chegar
Mais junto a ti meu amor
Parto para não te deixar
E saber que ao voltar
Parte a saudade e a dor.

Na partida eu vou sabendo
Que nunca nos afastamos
Vou cantando e vou sofrendo
E muito melhor vou vendo
Que ao longe mais perto estamos.

Não sei chorar a partida
Que em nós está sempre chegando
Não se parte tendo vida
E enquanto em mim for sentida
Não posso partir chorando.

Baixinho posso dizer-te que há no you tube uns videos que amigos lá puseram comigo a cantar o fado. Nada de brilhante até porque a seguir a lautos almoços.

E com esta me vou.

Abraço amigo

Peter disse...

Como eu pertenço à geração anterior, gosto de fado. Eu pertenço à "geração culpada", àquela a que José Luís Peixoto se referiu no seu ataque odioso "Esta juventude de hoje em dia", publicado na VISÃO do dia 25DEZ08:

"Falta pouco para o momento em que vocês (nós) se vão embora (...) Quando chegar esse definitivo (..) seremos nós os guardiões da vossa (nossa) memória. Então , abandonaremos ainda mais aquilo que não nos souberam transmitir (...)"

P.S.- Referi-me a este assunto no meu último artigo publicado no Domingo no "notas soltas...ideias tontas", mas ninguém ligou (3 comentários). Já deve ter passado o meu tempo.

Nós? E a geração do tal José Luís Peixoto o que fez? Vai transmitir à seguinte uma boa m...

António de Almeida disse...

Enviei-lhe um mail para o e-mail constante na coluna do lado direito:

blondewithaphd@gmail.com

Se não receber, avise.

joshua disse...

O fado está a desentranhar-te a borboleta recalcada. Efémera, melancólica, e, claro, overfashioned.