Sabes, Mãe, hoje amanheci sem pensar em Ti. Acordei sem me lembrar como foi acordar hoje há doze anos. Doze anos, Mãe. Doze anos e ainda me lembro do telefonema que já estávamos à espera.
- Era para dizer que a sua Mãe...
- Sim, eu sei.
O Pai já estava acordado. Regava o jardim porque não conseguia dormir. Deixei-o na ignorância por mais uns minutos como se lhe quisesse tirar uns minutos da dor do Fim ou como se lhe quisesse dar mais uns minutos de Ti, de ele contigo. Deixei-o acabar de regar. Mas pela janela da cozinha eu via-lhe as lágrimas e a solidão. Eu e a Mana a sabermo-nos sem Ti e ele ali a regar e a pensar na Tua Vida sem vida. Quando ele entrou em casa não precisámos palavras, sabes? E ainda bem porque eu não saberia dizer-lhe. Eu que amo as palavras não saberia como se diz:
- Pai, a Mãe morreu.
Doze anos, Mãe. E tudo o que vivemos e Tu sem estares aqui e hoje que me acordei esquecida de Ti. Sabes que eu, o Pai e a Mana nunca nos telefonamos neste dia de hoje? Não suportaríamos a crueldade de nos lembrarmos uns aos outros deste dia. Hoje há silêncio. Mas é um silêncio que fala, um silêncio que nos diz que nos morreste.
Tenho saudades, Mãe. Estiveste aqui tão pouco. E tenho tantas histórias para te contar. Fazem-me falta as tardes contigo. Faz-me falta falar de História, das transcedências teológicas e faz-me falta abrir-me contigo, vazar-te o meu coração, dizer-te que me apaixonei ou que conheci um homem maravilhoso, dizer-te que finalmente desfiz o casamento que felizmente não viste e faz-me falta falar-te das vezes que atravesso meridianos e paralelos e que vou aos sítios que me ensinavas nos atlas.
E sabes no que mais penso por estes dias? Como é que te vou apresentar ao neto que a Mana te vai dar. Como é que o vou ensinar a amar-te. Como é que lhe vou dizer que a Avó dele é a criatura mais fantástica que se cruzou nas nossas vidas? E tenho pena, Mãe, que sejas Tu que ele não vai conhecer. Tu, que embalavas os bebés todos e que tinhas aquela aura, que nunca ninguém compreendeu, de atrair a Ti os bichos e as crianças, não vais embalar este bebé. Isso dói-me, sabes? Mas dói-me mais hoje porque, sem ter acordado a pensar em Ti, lembrei-me há bocado de que me ia esquecendo de Ti. É tão só isso, Mãe. Tem dias ainda em que a lembrança me deixa assim nesta coisa triste a que me dou. Depois passa, sabes? A Vida segue, porque segue sempre, e eu esqueço a amputação de Ti. E rio e sou feliz e lembro-me de Ti sem estar assim, triste. Lembro-me de Ti como eras: feliz.
Amanhã acordo e a nuvem passou. Amanhã acordo como acordei hoje e ao final do dia não estarei assim e não me vou lembrar que amanhã te enterrámos sob o sol de Verão. Vai passar já, já.
Adoro-Te Mutti.
7 comentários:
Um passa que nunca passa.
Que bonito.. e triste também.
[E eu aqui, feita Maria Madalena]
Não sei como tens a coragem de passar a palavras estes sentimentos. Eu não a tenho. E está quase, quase a fazer 13 anos que perdi a minha 2ª mãe.
Um beijinho por hoje e por todos aqueles dias - recentes - em que tenho andado a espreitar por "aqui" , como que numa de "Dormes e eu velo...", com preguiça de intervir. Um destes dias escrevo disto tudo!
Tenho a certeza que conseguiras explicar e ensinar a amar a "avó" por esse bebé tão lindo e desejado...
tens todas as armas para o fazeres... tens o carinho, tens as lembranças.... tudo o resto são entrelinhas
Penso que é melhor das homenagens é precisamente preservar a memória dos que partem...
Estou quase a passar pelo mesmo. Já lá vão 30 anos, mas é uma memória que nunca se apaga. Por muito que queira, nunca consigo esquecer o dia em que o meu pai nos abandonou para sempre. Dói tanto!
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