Doce de ameixa... Verão. Infância. Mãe. Lanches na rua. A Mana com a boca suja.
Quis fazer um doce que me soubesse a fruta. Uma coisa simples, sem canela, sem limão, sem nada mais do que a fruta. Quis aproveitar os quilos de ameixas que me dão nesta época. Doce, vou fazer doce. Fiz.
Só ameixas, açúcar e lume. E agora esta comoção em nostalgia, este inesperado de ter recapturado memórias e vidas de uma Vida passada que eu revisito poucas vezes pelo muito que ainda dói. E agora esta coisa no coração que me diz que o passado pode infiltrar-se no futuro.
A Mãe fazia muitos doces quando éramos pequenas. Dos nossos pomares vinham ameixas, pêras, maçãs, uvas de todas as qualidades e sabores e, de todas as frutas, a Mãe fazia compotas em boiões largos fervidos para fecharem a vácuo. E fazia doces em longas tardes de panelões a ferver ao lume até ficarem no ponto. O favorito da Mana era o de ameixa: denso, escuro, doce com um travo ácido. E a Mãe fazia-lhe a vontade cobrindo grossas fatias de pão com colheradas desse doce que ela comia sujando as mãozitas e a boca antes de pedir segunda dose. Depois ia brincar para o jardim com a fatia de pão na mão lambuzando-se ainda mais.
A Mãe não está cá há muito. Libertou-se da nossa infância feliz e partiu sem ver em que adultos nos transformámos. E com Ela foram os sabores dos doces, das talhadas de melão, das sopas, do arroz-doce, coisas que nunca mais regressarão e me deixam tão orfã.
Fiz doce. E sem saber como, o doce da Mãe ressuscitou: na cor, na consistência, no sabor doce com o travo amargo. Nunca tinha feito doce de ameixa. Não sei que truques a Mãe usava. Lembro-me só das panelas ao lume e dos boiões. Mas o que eu fiz é o doce da Mãe. Igual.
Sem querer escancarei uma porta do passado. Ao abri-la, na dor de ver a felicidade perdida e o vazio que ficou, sinto-me um elo qualquer entre Ela e este neto bebé, filho da Mana, que poderá saber a que sabia a infância da mãe dele. Vou fazer sempre este doce para o meu sobrinho, dar-lhe um vislumbre da Avó que partiu muito tempo antes de ele nascer. Mais do que mostrar-lhe fotografias e falar-lhe de memórias que não cobrem esta tão grande ausência, ao fazer este doce para o meu sobrinho vou dar-lhe outra maneira de corporizar a Avó. E eu, eu vou ficar a pensar que quando ele comer as grossas fatias de pão com doce de ameixa que eu fizer, Ela vai estar ali fazendo-nos companhia... Tenho tantas saudades.
Ingredientes:
Ameixas roxas
2 terços do peso das ameixas de açúcar
Descaroçar as ameixas (não as pelar) e envolver numa panela com o açúcar. Deixar macerar uma hora antes de levar ao lume. Levar ao lume brando a ferver até começar a espessar. Ainda quente verter nos frascos que vão guardar o doce.
Bom apetite!
5 comentários:
Blonde, lindo este teu texto, tanta ternura!
Que bom teres guardado os gostos da tua mãe, da tua infância e agora reproduzi-los, para o teu sobrinho :)
Minha cara,
Posso sugerir, se bem que possa não ser exactamente a receita da tua Mãe, que juntes um pau de canela (depende é óbvio daquilo que tens em quantidade) enquanto fazes o doce. Essa era uma receita antiga da minha Avó e que eu sempre acarinhei.
Fora isso foi um prazer rever a receita que apresentas.
A panela ao lume com os boiões, para não criar bolor. Gosto de cozinhar mas tenho alguma dificuldade com os pontos de açucar...às vezes prende demais. Depois lá tenho que juntar àgua e ferver tudo outra vez. Como na vida, afinal...
Blonde,
Que bonita forma de corporizar a Mãe e Avó. Os doces, as compotas, estão sempre ligados ao passado, às avós, às panelas ao cheiro bom e aos rebuçados de açúcar.
Muito interessante estas memórias.
:)
É muito curiosa esta sensação de estarmos a perpetuar quem amamos nos pequenos gestos. Acontece-me com o meu pai que também partiu. É tão doloroso quando essas portas se abrem. Um beijo.
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