Hoje.
Sabes Mãe, o ano passado só me lembrei era hoje. Ia-me esquecendo e esse facto ia dando comigo em doida. Assustou-me que este dia quase me tivesse passado com ligeireza. Como se
Te esquecesse e isso fosse imperdoável. Este ano fiz por não me esquecer. Não que eu goste deste dia. Não que eu sequer goste de me lembrar deste dia e Tu sabes como eu , o Pai e a Mana não nos comunicamos hoje, guardando-nos de partilhar seja o que for que Te lembre entre nós. Sabemos que nos lembramos hoje mas não o verbalizamos entre nós. Fazemos como se nos esquecessemos de hoje e amanhã está tudo igual. É um dia de interregno, um pacto tácito e silencioso. Mas estás cá.
Sim, de facto não gosto deste dia mas esquecer-me dele seria como passar por cima do que aconteceu. É irrevogável este dia nas nossas vidas e, por isso, eu não o quero apagar por muito má que seja a lembrança e mais dura a sensação desta mutilação em que ficámos.
Sabes Mãe, este ano há o Manel. Se estivésses cá irias vê-lo crescer ainda durante muito tempo. Tem o polegar esquerdo igual ao Teu, com a articulação lassa que passaste à Mana e que ela lhe passou. Gene forte esse! É parecido com a Mana, muito parecido, aliás, em versão cabelinho escuro como o pai dele. Já devias esperar que os nossos genes recessivos não teriam hipótese com morenos, não é? Mas é lindo. Simpático e meigo. Lembra-me tanto a Mana quando eu a via bebé e Te via a Ti com ela. E agora vejo-a com aquele bebé e inventa, como Tu, palavras novas para falar com ele e usa outras que eram Tuas e que ela, crescendo a ouvi-las, as perpetua no filho. Eu fico ali, Mãe, a observar em terceira pessoa e acho aquilo maravilhoso e pergunto-me o que sentirias se a visses segurar o bebé dela ao colo. E ela cada vez mais parecida contigo, mais do que antes, ela que sempre foi, de nós, a mais parecida contigo. Até nisto, nesta maternidade, ela te perpetua.
Mas sabes Mãe, sempre que eu vejo a Mana com o bebé Manel lembro-me de Ti, da Tua ausência, do como dói, do como o vazio do espaço que ocupavas é tão grande e inultrapassável. E penso como Te vou dar a conhecer ao Manel. Sabes que também penso nele? No desfalcado que ele é por não conhecer a Avó materna. No desfalcado que ele é face à mãe e à tia que conheceram todos os avós, a bisavó e que Te tiveram a Ti, nessa coisa inexplicável que Tu eras. Dói saber que ele não Te tem aqui e que serás para ele palavras, fotografias e histórias de dias bons.
Pois é Mãe, não queria que este dia passasse sem esta lembrança de Ti. Nunca pensei o que seria estar treze anos sem Ti. Chegar aqui. Quando aquilo aconteceu por fim parecia que o Tempo acabava. Hoje vejo que o Tempo prosseguiu. Não me imaginava treze anos depois. Estou aqui. Vim morar para a Tua casa e era-me impossível pensar que assim fosse. Hoje vou falar com o engenheiro que vai dar um projecto aos terrenos que eram Teus e que hoje sou eu que administro, seja lá o que for que é essa administração. Não pensava nada disto, mas é isto que tenho. Agora páro para olhar em volta e penso que não queria que fosse de outra maneira. Às vezes vou regar o jardim e vejo-Te num vestidinho de riscas azuis a regar. Outras vezes oiço-Te cantar aqui por casa e tem vezes que podia jurar que Te ouvi acender uma luz no barulho que fazias com os interruptores e que eu reconhecia seres Tu.
Vais estar sempre aqui, Mãe. Amor maior e dor maior da minha Vida. Mutti querida que Te tenho saudades todos os dias por muitos treze anos que passem...
7 comentários:
Querida Blonde, um abraço.
Lindo, este texto de amor e saudade.
Was kann man noch dazu sagen?
Liebsten Gruss! Beijinho ( auf portugiesische Art )!
Um tributo de amor. Com um traço de sentido para tudo o que nos vai faltando, de forma irreparável.
Um abraço.
Querida Blonde, não me leves a mal, isto é só uma sugestão: não seria melhor quebrar esse pacto de silêncio e repartir estes sentimentos com o Pai e a Mana? Ou, pelo menos, com a Mana (com um Pai, a comunicação, às vezes, não é fácil, eu que o diga).
Enfim, a vida é tua, foi só uma sugestão...
Enfim, palavras para quê! Está tudo dito! Mas que sobretudo as boas memórias sejam sempre superiores às más, pois assim há sempre uma razão para continuar!
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Este é um post que me dá uma referência, pois foi mais ou menos por esta altura no ano passado que por aqui vim parar a primeira vez vez, e desde aí tenho vindo sempre. Por estes textos maravilhosos, simples e carregados de emoção, é que eu mantenho a assiduidade! Tudo de bom!!
Não é um comentário que venho deixar. É um abraço. Só uma abarço, mesmo que virtual e mesmo que de uma desconhecida. Um abraço Blonde!
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