Acordo cedo. Talvez seja a antecipação do dia que me acorda. Talvez seja o som das gaivotas rasantes nas janelas ou a luz avermelhada que repassa os cortinados num país que desconhece persianas. Não durmo mais. Tenho visto tanto. Olho em golfadas as imagens que me passam: umas velozes, outras estáticas sob estes arvoredos milenares.
Sabia que aqui vinha. Não sabia quando. Não esperava já. O Tempo é velho aqui. Velho e longo. Fotografo cada vez menos. A idade tem-me dado a calma para a apreciação. Apazigua-me a importância do ver absorvendo e não do ver por ver, para ter visto, de idades jovens vividas na sofreguidão de fotografar primeiro e ver depois. Os meus olhos são mais importantes agora. Quando morrer não levo fotos. As imagens que eu vejo, essas vão comigo para onde eu for nesse outro percurso. Vou levar estas como levo tantas e tantas outras numa vida que me tem dado o privilégio de palmilhar o mundo pelos sítios mais improváveis e que eu pensava talvez nunca chegar a ver por mim.
Ontem falei baixinho com a voz do pensamento à Mãe:
- O que vês Mãe, quando me vês por aqui? Tão longe, no meio deste Tempo velho de séculos? Que pensas das vidas das tuas duas filhas com percursos tão diferentes? Uma que desconhece fronteiras e vê o mundo em golfadas de olhar, que se libertou de grilhões e tem esta vida incomum? A outra que te deu o neto que não conheceste e solidificou a vida, que te perpetua os genes e te vivifica? Eu pensava que de ambas eu te perpetuaria mais. Mas eu tornei-me noutra coisa, Mãe. Vivi para chegar aqui. Vivi para esta vida de liberdades imensas, paisagens sem fim, uma vida onde eu habito como quero. Sabes Mãe, acho que incomensurável podia bem ser um adjectivo desta língua que me ensinaste para eu descrever a vida que levo. Incomensurável. Como é incomensurável estar aqui e ver coisas que víamos à distância de livros e filmes. O que pensarás, Mãe, de tudo isto?
Hoje vai ser especial outra vez. E talvez seja por isso que acordei tão cedo. E é tanto mais especial porque há reflexos, bem ao meu lado, reflexos mágicos que só esta terra poderia ter produzido. Reflexos que me foram buscar e que agora me acompanham quando, nos meus silêncios de liberdade, eu olho esta terra e vejo com o coração...
4 comentários:
Tb acho q é melhor não perdermos mt tempo com a máquina fotográfica e fotografarsó com o olhar e a memória! É aí q ficam as melhores impressões!
Enjoy that old magic land up there!
Eu acho que ela ficaria orgulhosa de ambas.. cada uma como cada qual.. :)
Gosto muito. Longe de todas as frivolidades imagináveis.
"Ver com o coração". Aprendi que é quando se chega aí, que percebemos quanto vale a vida. E só o percebi, quando comecei a viajar pelo mundo inteiro e a usufruir das oportunidades que a vida me deu para o fazer.
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