Saiu natural numa conversa coloquial:
- Já que não tiveste nenhum, a ver se agora a tua irmã tem mais outro que é para arranjares herdeiros.
Ouvi a naturalidade da frase e foi esse desconstrangimento que me fez pensar, enquanto ouvia, que já ninguém mais espera que eu me propague. É como se a pressão se começasse a esvair e este fosse o primeiro sinal. Penso se outras pessoas pensam o mesmo: que eu nunca terei filhos e que isso é ponto assente. Acontece que eu ainda não sei se tomei essa decisão ou se a vida ma impôs ou se, quem sabe, o fim da linha ainda não seja este.
Ouvi a naturalidade daquelas palavras e percebi outras coisas, coisas que penso habitualmente, coisas tão comezinhas como quem me herdará. Não sei se um dia não me vou desfazer, por necessidade ou capricho, dos legados que recebi. Ignoro esse futuro. Mas, e se eu não alienar nada, quem vai ficar com isto? Pela lei natural a minha irmã nunca me sobreviverá muito tempo, e o que penso é que será o meu sobrinho, ou os que entretanto nascerem, como parece andam a vaticinar para ela, que serão meus herdeiros universais.
Seja como for, hoje ouvi coisas muito reveladoras do que os outros interiorizam da minha vida: que está esclarecido que não terei filhos, que tenho um legado que as pessoas sabem e que a questão da sua transmissão lhes passa pela cabeça. Engraçado como, de súbito, conseguimos vislumbres do que os outros pensam de nós. Até aqui o assunto dos meu não-filhos era sempre a pressão para tê-los para que tivesse quem me herdar as coisas, agora é como se houvesse uma rendição à pseudo-evidência de que eu não me vou multiplicar continuando, porém, a questão da minha sucessão. Entendo disto tudo que a sociedade tem preocupações muito materialistas e que o que "temos" é porventura mais importante do que o que "somos" e que é, de facto, o que "temos" que importa legar.
Estou meia estranha.
8 comentários:
Como eu a compreendo! Já ouvi essa conversa repetidas vezes e para mim não há remédio porque já cheguei ao fim da linha ( em termos de cadeia reprodutiva, entenda-se...).
Talvez o melhor que eu tenha a fazer é mesmo alienar património.
Lá me deixou a pensar sobre este assunto uma vez mais :-)
Bom fds
Linda, não tens que ter filhos como nunca tiveste. Tem-se filhos se se quer e se a vida se proporciona.
Se quiseres, possivelmente ainda podes tê-los, quer naturais, quer adoptados (também são filhos!).
Seja como for, não interessa assim tanto o que os outros pensam: interessa o que nos faz feliz e o que nos preenche. Não podes impedir que os outros pensem em ti como fonte de heranças para os teus sobrinhos. Mas podes alhear-te disso. E do quão cruel foram os comentários que te fizeram.
Em todo o caso... parece que há gente com pouco que fazer...
Só tenho uma sugestão. Surpreenda-os!
Eu também acho que a surpresa é a melhor arma!
Detesto conjecturas sobre heranças...
Minha Cara, o que interessa é como te sentes contigo própria. O resto é ruído de fundo que se ignora.
Bjo
Há sempre a quem deixar o património, mesmo que não se tenha filhos. Há crianças a morrer de fome, há pobres, há animais maltratados. E há instituições que se ocupam desses casos.
P.S. Não estou a dizer que deserdes o teu sobrinho (ou sobrinhos - Deus me livre!). Só estou a dar uma sugestão. Porque também não tenho filhos e julgo ser cerca de dez anos mais velha do que tu (o que torna as minhas possibilidades ainda mais escassas, quase nulas) e é claro que também penso nessas coisas.
E, de resto: goza aquilo que tens!
Há vidas que não seguem linhas pré-traçadas.
Uma mulher sem filhos é sempre um 'bicho' muito estranho. Falo por experiência própria. Acho mesmo que a sociedade em geral é muito cruel com quem não os tem. Atiraram-me muitas vezes à cara que podia fazer isto ou aquilo porque não tinha filhos. Ora eu nunca lamentei que alguém não pudesse fazer o mesmo porque os tinha. E ninguém sabe se por exemplo eu não teria desgosto por não os ter. As coisas são o que são e ninguém tem nada a ver com o assunto, mas metem sempre o 'bedelho'.
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