Durante muito tempo pensei, a cada dia, que era um dia a menos para voltar a estar com a Mãe. O Tempo e o algures a meio do percurso foram fazendo com que deixasse de pensar nisso. Os dias acumularam-se em anos e ontem, num instante fugaz, enquanto subia as escadas para me ir deitar, pensei quão menos me falta para voltar a estar com a Mãe. De súbito, a soma dos anos tornou-se um pecúlio significativo. Fiquei feliz pelo menor tempo que falta, pelo tanto que entretanto passou e por eu me ter apercebido desse menos que falta e ter sentido alívio.
Acho que voltei a pensar no tempo que me falta ainda e a menos por causa da família que o Miguel Portas aqui deixa. Três anos mais novo do que a minha Mãe. Os filhos que serão adultos sem ele, como eu e a Mana nos fizémos adultas sem a Mãe. Aquela outra mãe que enterra um filho. O eu ter estado há tão pouco tempo circusntancialmente com o pai que agora enterrou este filho. O eu ter devorado um dos vídeos do Miguel Portas para a tese longínqua de mestrado e o Preste João que ele foi procurar na Etiópia e no Iémen e do qual eu também andava à procura para o encontrar mais abaixo.
Sim, acho que pensei no Tempo e no tempo a menos que me falta porque, sem saber como, e de repente, todos conhecíamos aquele homem e a perda pública também se reflecte na nossa individualidade.
3 comentários:
"Ainda ontem" - Miguel Esteves Cardoso
«Às vezes encontramo-nos com a cabeça nas mãos. Tudo o que poderia ter corrido bem correu mal. O mundo, que era igual à vida, afasta-se de repente. Distancia-se e continua a existir, como se nada tivesse a ver ou a haver connosco, como se fizesse questão de mostrar a independência dele, mundo, que não existe só porque nos damos conta dele. A má notícia é má, mas a pior, para quem cá está, é a pessoal. A minha pessoa é a Maria João e a Maria João passa mal. Nem o amor nem a sabedoria médica a podem salvar. Só uma conjunção das duas coisas, mais um acrescento de milagre. O cabrão do cancro alastra-se. Exterminado no pulmão ou na mama, foge para o cérebro, onde se refugia e cresce. Forma uma força da morte, aproveitando as barreiras antigas entre o sangue e o cérebro, que infiltra conforme lhe apetece. Hoje, domingo, é o último dia em que estaremos juntos, dois amores, felizes há quase vinte anos. Amanhã, logo às nove da manhã, estaremos na consulta dos excelentes neurocirurgiões do Hospital de Santa Maria, onde nos avisarão das complicações possíveis. Obama deveria inspirar-se na perfeição clínica e humana do serviço de saúde português e francês. Mas a dor não diminui. Nem a tristeza abranda. Vai morrer o meu amor. Não vai. Como o meu amor por ela, nunca há-de morrer. As coisas acontecem sem acontecer o pensamento nelas. A alma, o coração e a cabeça são coisas diferentes. Que se dão bem. E são amigas. E deixam de ser quando morrem».
Uma linda reflexão sobre a precariedade da vida!
Eu era amigo dele sem o conhecer!
Havia entre nós uma identificação que me fazia tê-lo como um alter ego!
Foi um choque enorme.
Não era propriamente amigo do Miguel, mas conhecia-o há 30 anos e estava com ele amiudadas vezes. A sua morte foi um choque enorme mas, ao ler este seu post, não pude deixar de me lembrara da minha mãe que perdeu 4 filhos ( 3 deles ainda muito jovens) e hoje, com 97 anos, passa os dias a ansiar pelo momento em que possa ir ter com eles...
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