29 de maio de 2013

A minha primeira reunião na Cooperativa

Cheguei à hora mas a Cooperativa está vazia. Os funcionários já me conhecem e deixaram de estranhar a invasão da citadina de saltos altos, muito bling e óculos escuros.
- Ó Dra., só começa daqui a uma hora. Nós é que marcamos sempre para uma hora antes porque nunca cá está metade dos sócios. Eram precisos dois mil. - Explica-me a secretária do director e eu sinto-me na obrigação de justificar o que me fez ir à Cooperativa a uma segunda às 17.30 para uma reunião a que nunca fui. Explico que tenho curiosidade em saber o que é que vai ser discutido sobre os estatutos e sobre os investimentos em Moçambique e no Brasil.
- E faz muito bem vir que é para não serem sempre os mesmos. - Replica-me a sorrir, enquanto eu imagino porque é que ela sorri na antecipação da cena.
Vou para casa fazer a espera da tal hora. Quando regresso, o parque está completo e tenho de procurar lugar para estacionar. A sala de reuniões está cheia para meu espanto. Começaram mesmo à hora e o director explica coisas. Vejo uma cadeira livre na fila da frente. Antecipo o que me espera de pasmo nos olhos e a perturbação que estou a causar. Imagino os comentários e vejo os pontos de interrogação todos em cima da cabeça das pessoas. Não quero saber. Sento-me entre o silêncio que se fez.
Assino a presença. Peço os documentos que vejo que todos têm. Trago os estatutos que tinha pedido uma hora antes. Ponho-me a par.
Debate-se alteração às eleições e discute-se sobre a percentagem de votos para aprovar coisas como a extinção e a cisão da Cooperativa. Escuto quem pede a palavra. Oiço a mesa. Observo quem está na sala e tiro o pulso à agricultura deste país.
Gente tisnada. Resignada e paciente. A gente que levou com as políticas agrícolas comuns, as PACs que nos arruinaram o campo. A gente que não percebe o Governo e cujo Governo as não percebe. Há um ou dois jovens agricultores, jovens com a minha idade, logo adultos a quem já não chamamos jovens. Os jovens que o não são mas que o são porque ninguém no seu juízo quer a terra.
Finalmente levanto o braço e acho que assusto o Presidente, um homem que desconfio não vem da agricultura e que me repulsa profundamente na sua maneira arrogante de conduzir a reunião.
Discordo das medidas propostas. Discordo do fraseado que querem arranjar. Venho dar cabo do sistema. Proponho alterações à redacção estatutária nos pontos que me incomodam e que nem sequer estão na ordem de trabalhos e trago um vocabulário estranho. Desconfio que muita gente me perceba em soluços mas percebe-me a presidência que não respeito e a Direcção que admiro e são, sobretudo, esses que quero que me oiçam. Votam-se as minhas propostas. Descanso porque são aprovadas. Ainda bem que vim.
Saio antes do fim e sei que vão pensar na ave rara que ali lhes entrou porta dentro. Gosto da gente simples, tisnada e cansada. Não gosto dos ares da presidência e sei que quem trabalha e mantém a Cooperativa é a direcção. É o director que me trata dos terrenos, que tem as ideias para os investimentos, que me ouve e me recebe. Saio e agradeço-lhe concordar comigo e não me achar estranha.
Somos 4600. Estávamos ali 47 a espelhar o abandono em que caiu a agricultura deste país. Orgulho-me de ser o nº 41, a herdeira de um dos fundadores. Penso no que dirá o Pai quando souber que eu ali estive...

1 comentário:

Anónimo disse...

Comecei a minha vida profissional nas cooperativas, ainda antes do 25 de Abril e dediquei-lhes muito do meu tempo. Participei na criação de algumas depois do 25 de Abril, de diversos ramos. Depois vi o sector cooperativo fenecer, precisamente porque eram raras aquelas que tinham direcções competentes e gestão adequada. Quando vi dirigentes a exigir que ficasse consagrado na CRP que as coops deveriam ser um tertium genus,sabia que estavam certos no princípio, mas muito distantes na forma de as enquadrar.
30 anos depois, com o movimento cooperativo esfrangalhado, estão integradas na Economia Social. Apesar das suas virtualidades,em minha opinião descaracteriza os seus princípios, que bebi como discípulo de António Sérgio. Culpa de dirigentes, de cooperantes e de um Estado que desconhece o sector.
Tinha muito mais a dizer, mas o comentário já vai loooooongoooo! Desculpe.