O telefone tocou às 7.30. O Pai já estava a pé e regava o jardim. Acho que não terá dormido. Eu tinha estado Contigo umas horas antes e tinha-me despedido no derradeiro que havia na despedida. O Pai e a Mana não tinham entrado e eu só anos depois fiquei a saber porquê: já se tinham despedido e sabiam que Tu só esperavas por mim e pela minha demora. Atendi sabendo o que ia ouvir e não deixei que pronunciassem as palavras. Não queria ouvir eufemismos, nem condolências, nem piedades, nem as coisas que se dizem na normalidade de quem já as disse milhentas vezes. Tu não eras um número entre os milhentos e, por isso, só disse:
- Já sei. Obrigada - e pousei o auscultador. Tinhas partido.
Dezassete anos depois estou em casa, na casa que foi Tua e que hoje é minha. Não espero telefonemas e estou feliz. Há duas crianças que brincam e que deixam brinquedos pela casa toda, a Tua casa, a casa que será deles e que já o é. Vieram passar o fim-de-semana com a Tia e ignoram o que se passou num passado muito distante deles e que só lhes corre nos genes que ainda não sabem que têm. O Manel és Tu no físico e nos modos, Tu e todos vós do Teu lado e de quem só sobram eu e a Mana. A Maggie é ela. E ambos são os netos que não conheceste e que Te vão propagar no tempo. Almocei com eles no quintal à sombra da nespereira que nasceu quando Aqui estavas. Está enorme e frondosa. E enquanto eles ali estavam dei-me conta da diferença operada nestes dezassete anos e de como podem os dias da vida ser tão diferentes. Ali estava eu a fazer com eles o que fazias comigo e com a Mana. Só que Tu não estás Aqui materialmente, fisicamente, tangivelmente e isso dói-me por me dilacerar.
Dezassete anos depois do dia mais trágico e triste das nossas vidas, há duas vidas novas que te trazem no sangue e nas feições. Eu estou feliz e a Casa está cheia da imensidão de vidas pequeninas.
Nada, Mãe, nada há em que Tu não estejas...
30 de junho de 2015
28 de junho de 2015
17 anos
Dezassete anos, Mãe. Dezassete. E preciso pronunciar as sílabas para me dar conta do tempo. Há dezassete anos que conto o tempo em decrescente. Fico feliz porque são menos estes todos para nos reencontrarmos no mesmo plano de uma existência que não esta.
Naquela altura, eu olhava o tempo e achava que não iria passar, que estaríamos sempre à sombra daqueles dias em que a Morte de Ti estava próxima. Não passavam os dias. Não passava o tempo. Agora, são todos estes anos. Tantos já que me admira terem passado. Menos estes todos para a minha existência aqui. Porém, apesar da quantidade de tempo que existe hoje entre o agora e o dia em que o teu tempo aqui terminou, estás sempre aqui. Sempre. E não sou só eu que noto. Quantas vezes não trocamos olhares mudos, cheios de palavras e o coração pleno de Ti, eu e o Pai, eu e a Mana, nós os três?
Vejo-te em todo o lado. Nesta casa, não interessa quantas mudanças eu já fiz, quantas paredes parti ou quantas camadas de tinta pintei por cima das tuas, vejo-te em todo o lado. Tenho à casa o mesmo amor que lhe tinhas. No princípio, quando tudo era novo e a estropiação estava fresca, afastámo-nos da casa. O Pai voltou à Alemanha, a Mana decidiu-se pela cidade, eu entrei numa vida que dou graças não tenhas visto. Depois regressei. Habitei entre fantasmas. Tantos, Mãe. Tantos... Mas foi aqui que renasci e tu estavas aqui, como estás sempre aqui, porque a tua alma habita nestes espaços e faz-me companhia. Tenho tantas saudades, Mãe. Tantas que às vezes me esforço conscientemente para não me recordar de Ti porque me dói tudo. A perda é algo inultrapassável e inesquecível. Nunca nos habituamos totalmente à ausência mas aprendemos a suportar o que se torna crónico.
Sabes, agora olho para o espelho e vejo-te. Vejo-te Eu. Confundem-nos nas fotos porque cheguei à tua idade. Olho para mim e vejo-te e vejo a Avó Matilde e isso é a eternidade de vós porque Eu sou nós. É estranho e sublime ao mesmo tempo. Talvez que me esteja a fazer Tu e seja, de facto, cada vez mais menor a distância para voltarmos a passar a tarde a falar de metafísica por entre chá ou cacau quente.
Sim, nunca mais tive conversas daquelas com mais ninguém. O meu cérebro sente falta dessa ginástica intelectual que agora ou faço sózinha ou, pura e simplesmente, enxoto para o lado por me fazer lembrar de Ti. Penso noutras coisas e penso em Ti por muito que a consciência me tente afastar do tema de Ti.
E vejo-te no Manel que é uma cópia do Avô Teodoro e de vocês os dois. Até o polegar dele é o teu polegar. Ter este Amor novo na vida e o coração de Tia-mãe inquieta-me na preocupação do que é que o mundo, a vida, os homens vão atirar a alguém que tem o teu coração e o do Avô; alguém que tem um coraçãozito que parece não pertencer aqui. Ó Mãe, o que é que eu faço que proteja o Manel da desilusão? A Maggie é diferente. Tem outra atitude e acho-a menos propensa à desilusão, se é que estes dois aninhos são alguma indicação de futuro. Tens dois netos lindos, maravilhosos e tão diferentes, Mãe. Dois netos a quem explico que estás no Céu, a quem te identifico em fotografias e que te reconhecem em fotografias. Que injustiça eles nunca te irem conhecer na fisicalidade em que habitam. Que perda enorme nas vidas deles e nas nossas.
Dezassete anos. Dezassete, Mãe. Tantos e Tu eras infinita... Ó Mãe, que saudades.
Naquela altura, eu olhava o tempo e achava que não iria passar, que estaríamos sempre à sombra daqueles dias em que a Morte de Ti estava próxima. Não passavam os dias. Não passava o tempo. Agora, são todos estes anos. Tantos já que me admira terem passado. Menos estes todos para a minha existência aqui. Porém, apesar da quantidade de tempo que existe hoje entre o agora e o dia em que o teu tempo aqui terminou, estás sempre aqui. Sempre. E não sou só eu que noto. Quantas vezes não trocamos olhares mudos, cheios de palavras e o coração pleno de Ti, eu e o Pai, eu e a Mana, nós os três?
Vejo-te em todo o lado. Nesta casa, não interessa quantas mudanças eu já fiz, quantas paredes parti ou quantas camadas de tinta pintei por cima das tuas, vejo-te em todo o lado. Tenho à casa o mesmo amor que lhe tinhas. No princípio, quando tudo era novo e a estropiação estava fresca, afastámo-nos da casa. O Pai voltou à Alemanha, a Mana decidiu-se pela cidade, eu entrei numa vida que dou graças não tenhas visto. Depois regressei. Habitei entre fantasmas. Tantos, Mãe. Tantos... Mas foi aqui que renasci e tu estavas aqui, como estás sempre aqui, porque a tua alma habita nestes espaços e faz-me companhia. Tenho tantas saudades, Mãe. Tantas que às vezes me esforço conscientemente para não me recordar de Ti porque me dói tudo. A perda é algo inultrapassável e inesquecível. Nunca nos habituamos totalmente à ausência mas aprendemos a suportar o que se torna crónico.
Sabes, agora olho para o espelho e vejo-te. Vejo-te Eu. Confundem-nos nas fotos porque cheguei à tua idade. Olho para mim e vejo-te e vejo a Avó Matilde e isso é a eternidade de vós porque Eu sou nós. É estranho e sublime ao mesmo tempo. Talvez que me esteja a fazer Tu e seja, de facto, cada vez mais menor a distância para voltarmos a passar a tarde a falar de metafísica por entre chá ou cacau quente.
Sim, nunca mais tive conversas daquelas com mais ninguém. O meu cérebro sente falta dessa ginástica intelectual que agora ou faço sózinha ou, pura e simplesmente, enxoto para o lado por me fazer lembrar de Ti. Penso noutras coisas e penso em Ti por muito que a consciência me tente afastar do tema de Ti.
E vejo-te no Manel que é uma cópia do Avô Teodoro e de vocês os dois. Até o polegar dele é o teu polegar. Ter este Amor novo na vida e o coração de Tia-mãe inquieta-me na preocupação do que é que o mundo, a vida, os homens vão atirar a alguém que tem o teu coração e o do Avô; alguém que tem um coraçãozito que parece não pertencer aqui. Ó Mãe, o que é que eu faço que proteja o Manel da desilusão? A Maggie é diferente. Tem outra atitude e acho-a menos propensa à desilusão, se é que estes dois aninhos são alguma indicação de futuro. Tens dois netos lindos, maravilhosos e tão diferentes, Mãe. Dois netos a quem explico que estás no Céu, a quem te identifico em fotografias e que te reconhecem em fotografias. Que injustiça eles nunca te irem conhecer na fisicalidade em que habitam. Que perda enorme nas vidas deles e nas nossas.
Dezassete anos. Dezassete, Mãe. Tantos e Tu eras infinita... Ó Mãe, que saudades.
26 de junho de 2015
22 de junho de 2015
A grandíssima viagem: está quase
Três passaportes. Houve um capítulo da minha vida que se contou nos três passaportes em que o meu nome não era o meu. Três passaportes, eu, que sempre existi mais em passaportes do que propriamente em bilhetes de identidade ou cartões de cidadão. Volto a ter um passaporte com nome de mim e vou estreá-lo como compete, com uma longa (longuíssima) viagem. Pode nem ser das viagens mais longas das viagens longas da minha vida mas será, decididamente, longa e eu mal posso esperar a sua materialização.
O meu desgostar constitucional e medular de aeroportos e aviões, por todos os desconfortos que implicam, não sendo eu uma pessoa que se dê bem com o desconforto, simbolizam, agora, um regresso a mim e, por isso, não serão mais do que um degrau para a liberdade da viagem com o meu nome. Fiz uma há poucos dias já com o meu renovado nome. Mas foi uma viagem profissional a terreno próximo. Foi, digamos, um aperitivo. Agora sim, volto a ser eu na voragem que atravessa latitudes e longitudes de um planeta tão grande e tão pequeno.
Mal posso esperar...
O meu desgostar constitucional e medular de aeroportos e aviões, por todos os desconfortos que implicam, não sendo eu uma pessoa que se dê bem com o desconforto, simbolizam, agora, um regresso a mim e, por isso, não serão mais do que um degrau para a liberdade da viagem com o meu nome. Fiz uma há poucos dias já com o meu renovado nome. Mas foi uma viagem profissional a terreno próximo. Foi, digamos, um aperitivo. Agora sim, volto a ser eu na voragem que atravessa latitudes e longitudes de um planeta tão grande e tão pequeno.
Mal posso esperar...
16 de junho de 2015
Downer
A chatice de se aceder às notícias nos sites americanos da praxe é ficar-se a saber como acaba a season do Game of Thrones na manhã do dia em que acaba a dita. "Death, Death, Death, Surprising Death", pois... e metem a foto do John Snow e a malta adivinha logo o resultado da "surprising death". Bummer!
12 de junho de 2015
Epílogo de um Divórcio: Seguiu!
Chego do estrangeiro. O Estado Português é condenado em mais um caso de demora na justiça. A minha queixa para o Tribunal europeu dos Direitos do Homem seguiu para o seu destino. Observo a coincidência.
Agora aguardo pela notificação, as senhas com os códigos de barras do processo. Aguardo os próximos capítulos, ciente de que há uma cruz numa opção de escolha que diz o meu nome contra o Estado Português, a sigla PRT à frente da qual a cruz faz fé da minha vontade, da minha injustiça e da justiça em que insisto há sete longos e duros anos.
Siga. Amén!
Agora aguardo pela notificação, as senhas com os códigos de barras do processo. Aguardo os próximos capítulos, ciente de que há uma cruz numa opção de escolha que diz o meu nome contra o Estado Português, a sigla PRT à frente da qual a cruz faz fé da minha vontade, da minha injustiça e da justiça em que insisto há sete longos e duros anos.
Siga. Amén!
4 de junho de 2015
Ai vida de prof!
Estou a ficar velha para isto... Mais um voo de madrugada. Mais uma esticada de duas conferências em quatro dias. Mais aeroportos. Mais o stress de deixar tudo em ordem. Mais fazer a mala. Tenho os powerpoints? Tenho as comunicações? E os cartões de embarque? Mais e mais e mais. O que vale é a excelente (super-bestest) companhia e o chão conhecido onde uma série de coisas imparáveis começou há dez anos. E tenho outra coisa: o meu nome de volta. Em muitos e penosos longos anos volto a viajar com o nome com que nasci. Vitória!
3 de junho de 2015
Barbie fora da caixa
Não sei que alinhamento cósmico sucedeu ontem mas é pena não se dar todos os dias:
- Pareces mesmo uma Barbie. Só te falta a caixa!
ou
- Pareces a Nicole Kidman. Não, a Kidman não que és mais gira!
ou
- Fogo!, pareces mesmo a Marilyn! Fogo!
ou
- Olha uma vamp!
ou
- Aqui vem a Barbie Princesa.
Acho que o people alucinou mas o facto é que o ego até sorriu! Viva a tesoura do Roger!!
- Pareces mesmo uma Barbie. Só te falta a caixa!
ou
- Pareces a Nicole Kidman. Não, a Kidman não que és mais gira!
ou
- Fogo!, pareces mesmo a Marilyn! Fogo!
ou
- Olha uma vamp!
ou
- Aqui vem a Barbie Princesa.
Acho que o people alucinou mas o facto é que o ego até sorriu! Viva a tesoura do Roger!!
1 de junho de 2015
Neste Dia da Criança
Estreia hoje, num canal para crianças, a série da minha infância que eu via a cores num país e a preto-e-branco no outro. Chorei que me fartei quando acabou, um momento que vejo como o primeiro (grande e inultrapassável) desgosto da minha vida. Agora que tenho sobrinhos pequeninos estou curiosa para ver se vão gostar. A Maggie é ainda muito pequenina e farta-se rapidamente de televisão. O Manel gosta do Jake, Pirata e da Casa do Mickey Mouse mas como também gosta da Princesa Sofia e da Dra. Brinquedos, pode ser que goste de uma Heidi. Não vou insistir, porém.
Que a infância seja possível a todas as crianças.
Que a infância seja possível a todas as crianças.
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