Dezassete anos, Mãe. Dezassete. E preciso pronunciar as sílabas para me dar conta do tempo. Há dezassete anos que conto o tempo em decrescente. Fico feliz porque são menos estes todos para nos reencontrarmos no mesmo plano de uma existência que não esta.
Naquela altura, eu olhava o tempo e achava que não iria passar, que estaríamos sempre à sombra daqueles dias em que a Morte de Ti estava próxima. Não passavam os dias. Não passava o tempo. Agora, são todos estes anos. Tantos já que me admira terem passado. Menos estes todos para a minha existência aqui. Porém, apesar da quantidade de tempo que existe hoje entre o agora e o dia em que o teu tempo aqui terminou, estás sempre aqui. Sempre. E não sou só eu que noto. Quantas vezes não trocamos olhares mudos, cheios de palavras e o coração pleno de Ti, eu e o Pai, eu e a Mana, nós os três?
Vejo-te em todo o lado. Nesta casa, não interessa quantas mudanças eu já fiz, quantas paredes parti ou quantas camadas de tinta pintei por cima das tuas, vejo-te em todo o lado. Tenho à casa o mesmo amor que lhe tinhas. No princípio, quando tudo era novo e a estropiação estava fresca, afastámo-nos da casa. O Pai voltou à Alemanha, a Mana decidiu-se pela cidade, eu entrei numa vida que dou graças não tenhas visto. Depois regressei. Habitei entre fantasmas. Tantos, Mãe. Tantos... Mas foi aqui que renasci e tu estavas aqui, como estás sempre aqui, porque a tua alma habita nestes espaços e faz-me companhia. Tenho tantas saudades, Mãe. Tantas que às vezes me esforço conscientemente para não me recordar de Ti porque me dói tudo. A perda é algo inultrapassável e inesquecível. Nunca nos habituamos totalmente à ausência mas aprendemos a suportar o que se torna crónico.
Sabes, agora olho para o espelho e vejo-te. Vejo-te Eu. Confundem-nos nas fotos porque cheguei à tua idade. Olho para mim e vejo-te e vejo a Avó Matilde e isso é a eternidade de vós porque Eu sou nós. É estranho e sublime ao mesmo tempo. Talvez que me esteja a fazer Tu e seja, de facto, cada vez mais menor a distância para voltarmos a passar a tarde a falar de metafísica por entre chá ou cacau quente.
Sim, nunca mais tive conversas daquelas com mais ninguém. O meu cérebro sente falta dessa ginástica intelectual que agora ou faço sózinha ou, pura e simplesmente, enxoto para o lado por me fazer lembrar de Ti. Penso noutras coisas e penso em Ti por muito que a consciência me tente afastar do tema de Ti.
E vejo-te no Manel que é uma cópia do Avô Teodoro e de vocês os dois. Até o polegar dele é o teu polegar. Ter este Amor novo na vida e o coração de Tia-mãe inquieta-me na preocupação do que é que o mundo, a vida, os homens vão atirar a alguém que tem o teu coração e o do Avô; alguém que tem um coraçãozito que parece não pertencer aqui. Ó Mãe, o que é que eu faço que proteja o Manel da desilusão? A Maggie é diferente. Tem outra atitude e acho-a menos propensa à desilusão, se é que estes dois aninhos são alguma indicação de futuro. Tens dois netos lindos, maravilhosos e tão diferentes, Mãe. Dois netos a quem explico que estás no Céu, a quem te identifico em fotografias e que te reconhecem em fotografias. Que injustiça eles nunca te irem conhecer na fisicalidade em que habitam. Que perda enorme nas vidas deles e nas nossas.
Dezassete anos. Dezassete, Mãe. Tantos e Tu eras infinita... Ó Mãe, que saudades.
2 comentários:
Abraço a tua saudade!
Obrigado por esta partilha! Emocionei-me contigo!
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