30 de junho de 2015

O mesmo dia 17 anos depois

O telefone tocou às 7.30. O Pai já estava a pé e regava o jardim. Acho que não terá dormido. Eu tinha estado Contigo umas horas antes e tinha-me despedido no derradeiro que havia na despedida. O Pai e a Mana não tinham entrado e eu só anos depois fiquei a saber porquê: já se tinham despedido e sabiam que Tu só esperavas por mim e pela minha demora. Atendi sabendo o que ia ouvir e não deixei que pronunciassem as palavras. Não queria ouvir eufemismos, nem condolências, nem piedades, nem as coisas que se dizem na normalidade de quem já as disse milhentas vezes. Tu não eras um número entre os milhentos e, por isso, só disse:
- Já sei. Obrigada - e pousei o auscultador. Tinhas partido.
Dezassete anos depois estou em casa, na casa que foi Tua e que hoje é minha. Não espero telefonemas e estou feliz. Há duas crianças que brincam e que deixam brinquedos pela casa toda, a Tua casa, a casa que será deles e que já o é. Vieram passar o fim-de-semana com a Tia e ignoram o que se passou num passado muito distante deles e que só lhes corre nos genes que ainda não sabem que têm. O Manel és Tu no físico e nos modos, Tu e todos vós do Teu lado e de quem só sobram eu e a Mana. A Maggie é ela. E ambos são os netos que não conheceste e que Te vão propagar no tempo. Almocei com eles no quintal à sombra da nespereira que nasceu quando Aqui estavas. Está enorme e frondosa. E enquanto eles ali estavam dei-me conta da diferença operada nestes dezassete anos e de como podem os dias da vida ser tão diferentes. Ali estava eu a fazer com eles o que fazias comigo e com a Mana. Só que Tu não estás Aqui materialmente, fisicamente, tangivelmente e isso dói-me por me dilacerar.
Dezassete anos depois do dia mais trágico e triste das nossas vidas, há duas vidas novas que te trazem no sangue e nas feições. Eu estou feliz e a Casa está cheia da imensidão de vidas pequeninas.
Nada, Mãe, nada há em que Tu não estejas...

2 comentários:

Ältere Leute disse...

Um beijinho... sem palavras !

Dalma disse...

Gostava que o Céu existisse para nos juntarmos a quem alguma vez amamos profundamente, mas duvido tanto...