Durante os seis anos que durou o meu infame divórcio pensei muitas vezes nos seis anos que passámos com o monstro da doença nesta Casa. Comparava a minha falta de liberdade com a falta da saúde e nunca cheguei a uma conclusão definitiva sobre se é pior o tolhimento da liberdade ou a presença da doença. Claro que, para mim, a morte da Mãe é incomparável a qualquer outro sofrimento. Nunca nada me foi ou é tão penoso, tão duro e dilacerante mas isso é porque, parece-me, nós sofremos sempre mais pelos que amamos do que por nós pelo o nosso sofrimento pessoal.
Quantas vezes pedi que fosse possível trocar de lugar com Ela e mitigá-La àquilo? Qualquer morte minha que A salvasse ser-me-ia doce e acolhida em alegria. O sofrimento por amor é incomparável e no meu divórcio eu não sofri por amor. A maldade era-me dirigida, a injustiça era comigo, a guerra era-me e a dor por nós próprios, ainda que tremenda, não nos esfarrapa o coração como a dor pelos que mais amamos. Porém, pensava eu muitas vezes, nessa comparação que tentava apurar se é a falta de saúde ou a falta de liberdade o que mais nos custa suportar, se a doença é vivida em liberdade, podemos morrer em paz. Ao invés, sem liberdade e justiça feita, não nos podemos dar à morte. E era isso que eu sentia, além de tudo o que me faltava em termos do usufruto da minha liberdade, eu tinha de viver por muito que me custasse ( e custou-me tantas vezes). Eu não podia ter nada que me matasse ou de que eu morresse porque isso seria incrementar a injustiça. Testamentei-me mas um casamento não-desfeito na lei nunca me podia dar a liberdade plena das minhas últimas vontades. Os meus herdeiros justos iriam para os tribunais como para os tribunais iria o meu herdeiro injusto. Eu daria voltas no túmulo por saber que deixava coisas incompletas. Não teria o descanso eterno, vivendo uma imortalidade de raiva sabendo que a injustiça tinha prevalecido sobre a minha Verdade, que era e foi a Verdade mesmo que esta seja uma coisa dúplice. Morreria no ódio e isso não é bom.
O meu divórcio ensinou-me, como nos ensinam todas as experiências que por Aqui passamos, que a liberdade e a justiça são bens fundamentais à vida do ser humano. Entendi os presos por consciência, os injustiçados, os martirizados. Rezei por todos, queimei holocaustos pela liberdade e pela justiça, já não as minhas, mas pela Liberdade e pela Justiça como valores supra-individuais.
Costumo sempre escrever os meus pensamentos de fim de ano, as ocorrências que me marcaram e que me moldaram a vida nos 365 dias anteriores. Em 2015, uma única coisa se sobrepõe a tudo o que vivi: LIBERDADE.
A Liberdade traz-nos acréscimos à vida na forma de felicidade(s). Os meus projectos de vida podem acontecer, posso desejar sem estar refém, posso... Posso fazer o que me apetecer sem medo, posso... Posso até morrer que ficaria tudo bem. E só quem esteve preso sabe o que isto é...
Feliz 2016! Liberdade! Justiça!
1 comentário:
Vida nova, livre e plena é o que se deseja ! Só as amarras que quiser ter - às Pessoas, à Casa, ao Trabalho - porque as amarras voluntárias fazem-nos felizes !
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