Ando há anos a adiar esta viagem. Empurro-a sempre e mais para a distância do futuro não querendo que o futuro chegue porque o sei derradeiro e último. Adio e adio porque me vai doer porque vou reviver, lembrar. Há muitos mortos nesta viagem e todos me doem. Mas também há vivos que me doem porque os amo e porque, no normal rumo da Vida, os irei perder.
Mas devo-me e devo-lhes esta viagem. Além disso, na vida nova que comecei vai para um ano quando disse "I do" numa capela kitsch em Las Vegas, há alguém que me merece que lhe mostre o outro pedaço de mim. Sim, quero. Quero mostrar-lhe o país da língua em que nasci, as pessoas que aí estavam quando nasci e que ajudaram a fazer de mim o que sou hoje, como sou hoje: um híbrido entre o Sul e o Norte. Quero mostrar-lhe o contrário dos estereótipos do povo frio e mal-amado. Quero mostrar-lhe os sítios a que também chamo casa e que me são origem. Quero que conheça "os meus" e que "os meus" o conheçam.
Engraçado, na minha outra vida nunca quis que o outro do meu não-casamento conhecesse a minha metade não-portuguesa. Nunca o levei lá, mesmo quando eram mais os vivos do que os mortos. Mas ainda há tempo. Ainda há vivos e, sobretudo, há o meu querer. O plano era simples: este ano cumprir-se-ia a terceira parte da viagem costa-a-costa aos Estados Unidos. Porém, veio uma nova face política e vieram os 90 anos da Tante Ruth. 90 anos! A Alemanha chama-me e eu vou.
Aterro sózinha em Munique. O meu marido juntar-se-me-á já no país. É rápida a imersão porque eu não venho como turista.
- Wie chic! - Ouço de mim e do meu chapéu de cerimónia usado sem cerimónia assim que chego ao balcão de informações. Pergunto qual o percurso mais rápido até ao Hilton Airport pois aí é o ponto de encontro do encontro que vai começar a viagem. Sorrio. Agradeço o elogio. Recebo a informação e apresso o passo enquanto puxo o trolley que não vem feito para viagens leves.
Cheguei e não me sinto estranha. Se calhar não é uma chegada, é um regresso...
1 comentário:
Sigo este blogue há muitos, muitos anos. Pela escrita, pelas histórias, pelo singular de cada acontecimento que vai fazendo único.
São muitos anos mesmo e, no meio de tanto tempo e tantas páginas havia sempre sempre um rasto de solidão de desencanto, de portas e janelas fechadas. Hoje é diferente e seja lá quem for a Blonde, desejo-lhe muitas felicidades e nenhum tropeço. Já chega. vou acompanhar a volta ao outro lado da personagem que nunca foi completamente, aqui do sul. E o resto, que o futuro se adivinha ensolarado.
Felicidades!
Geroge Sand
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